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Felicidade é a NET funcionando

Essa é uma história de ódio contemporâneo.

– Márcia, por favor, você pode fazer uma assinatura da Net para mim? Quero o plano mais caro, que tem tudo
– Tudo o quê?
– Não faço idéia do que seja o tudo da NET, mas peça o mais caro, assim vem tudo.
– OK
– Não quero ter nenhuma chateação, sabe? Prefiro pagar até pelo que nunca vou usar.

Fiquei feliz de ter realizado o sonho de todo profissional de marketing: o consumidor ideal,  que paga sem pestanejar e jamais reclama.

Um dia instalaram o tudo lá em casa. Internet bólida, telefone fixo que jamais irei usar, centenas de canais que dão preguiça de zapear, gravador de coisas que não terei a disciplina de programar e canais de filmes para minha empregada se aboletar no sofá nas tardes sonolentas.

Passei uma semana tranqüila, exercitando a imaginação televisiva que nunca me permitiu ir além de três canais de notícias.

Um dia, um capeta sentou no controle remoto e clicou 101 no controle remoto. Palavra mágica para um consumidor ideal: falou em pagar alguma coisa, é com ele mesmo. “Consumir, ó prazer inefável!”

Faço a operação com a mesma destreza de que saco o cartão de crédito para comprar qualquer inutilidade mágica naquelas lojas de treco caro.

“Crédito Insuficiente.”

O quê? Eu, o rico, milionário, perdulário que compra sem olhar, sem regatear e sequer usa o que comprou, portanto não usa pós venda, assistência técnica e não sabe o que significa a palavra SAC?

Me chamando de pobre? Qual é?!

Entrei na gangorra, no labirinto de mentiras, de bagunças, de diz-que-diz. Recebi técnicos em casa, trocaram as coisas, apertei centenas de vezes o controle remoto para fazer operações rocambolescas e cada vez mais criativas.

Pobre só se fode e por isso me fodi. A NET é um merda.

Coitada da idéia mal apresentada

Não se nasce Kayapó ou Bororo.

Perguntaram a um índio, portador de avantajado alargador labial, se venderia o artefato. O índio respondeu: ” te dou o botoque e você me dá a sua orelha”.

Um japonês, um pigmeu ou um albino pode tornar-se tão Kayapó quanto o Raoni.  Basta agir como um Kayapó para ser aceito como tal.

O “savoir vivre” dos nossos índios ultrapassa muitas vezes nossa capacidade de entendimento.

Os Kayapós organizam-se em grandes aldeias nas quais os homens pertencem a associações independentes, com seus próprios chefes. Mas chefe entre os Kayapós não manda em ninguém. É só aquele que recebeu, por doação de tios ou avôs maternos, alguns privilégios ritualísticos.

Além disso, para legitimar a liderança da associação – da qual pertencem todos aquele que possuem um dos privilégios (uma pessoa pode ter até uma dezena de privilégios, compondo assim uma enorme combinação de possibilidades) – o homem deve possuir uma qualidade essencial à vida social Kayapó: a oratória.

Ainda criança, o pequeno índio recebe um alargador de lábios e tem as orelhas furadas. Os botoques e pesados brincos simbolizam uma espécie de amplificação simbólica dos dois sentidos mais nobres: a fala e audição (a visão é meramente funcional e “ver demais” é qualidade depreciada).

Quando há desavenças na aldeia – quando um índio ousou portar um cocar de cores não compatíveis à sua classe de privilégios ou simplesmente se um garoto chavecou uma garota casada – as questões serão resolvidas em embates de oratória entre os oponentes. Os chefes das respectivas associações tomarão a palavra e defenderão seus pontos de vista, na casa dos homens, até entendimento final entre as partes.

Entre os Kayapós, tudo se resolve no gogó. Privilégios (de qualquer natureza) não dão poder. Só o gogó. E o gogó se aprende, se desenvolve, se afia.

A gente vem subestimando demais a importância da oratória.

Capacidade de apresentação não é um detalhe de convencimento.

É com paixão e convicção, inteligência e articulação, simplicidade e humildade que se expressa e vende uma idéia.

O resto é natimorto.

A Londres daqui não tem a menor graça

A gente aprendeu, a vida inteira, que a educação funciona como uma caixa de ressonância de referências. Como se, ao longo de nossas vidas, fossemos conectando-nos indelevelmente a outros aprendizados, e costurando assim,  nossas próprias referências que não passam, sempre, de recitações colhidas por aí. É por isso que apreciamos, valorizamos e enaltecemos quem tem muitas “referências”.

A gente diz “fulano é viajado, sabe das coisas”.

Dona Conceição, enviuvou e foi ver o mundo. Foi de pacote, ver os cartões postais ao vivo e a cores. Gostou muito e não parou nunca mais. Mas da primeira vez, quando voltou, trouxe muitas recordações. Chamava o povo em casa e contava que a Torre de Pisa era torta mesmo, a torre Eiffel dava enjôo de subir, a de Londres povaréu danado pra cima e pra baixo, sem falar das cantoria nos canais de Veneza e da Via Condotti, ah a via Condotti!

–       Sabe fia, essa Via Condotti que falam tanto. É muito linda mesmo. Linda demais. Mas cá entre nós, assim, não é que eu estou ficando blasé – aprendi essa, que tal? – mas a Via Condotti é mais ou menos nossa Avenida Independência aqui de Bauru, sabe?

Com o tempo, a gente vai sacando, no entanto, que tantas referencias enjoam. Das duas uma, ou a gente não consegue mais achar graça em nada ou embanana tudo. Como o Monsieur e Madame Franck.

Eles estavam aposentados, com um bom dinheiro no banco e sem genro para sustentar. Viajavam muito e mandavam cartões para todos. Mas eles já não eram mocinhos e a gente recebia uma linda foto de Madri com palavras singelas “Paris é inesquecível, salut a tous!” ou de Moscou: “Londres says hello!”.

Do outro lado do espectro, aqui da torre de marfim, a gente gargareja demais nossas incríveis referências. Conectados ao extremo que estamos, perdemos totalmente a capacidade de processamento inteligente das informação. E por processamento, entenda-se criação.

O que é sucesso no e do Brasil? Novela? Samba? Futebol? A banda Calypso? O hip hop, forró e baile funk? Ou se preferirem casos mais chiques, um tipo de arquitetura, um tipo de design, a Bossa Nova? Exemplos emblemáticos da antropofagia de referências. Quando a gente come o que vem de outros lugares, mastiga, cospe, engole de novo, mastiga de novo, faz uma mistura e cospe outra coisa. Igual mas diferente. É assim que a gente construiu nossa identidade tão gostosa. Desse talento aí de introduzir nossas coisas sem preconceito, sem arrependimento, sem vergonha.

Precisamos urgentemente de um tratamento de desintoxicação de referências na propaganda brasileira. A semi-ignorância é uma dádiva para quem tem talento.

Jesus Marca Registrada

Dizem que os herdeiros do Che nunca aceitaram ou requereram direitos autorais sobre a imagem do barbudo que estampa milhões de peitos, burgueses e proletários, mundo afora. Licenciar uma marca assim teria dado uma dinheirama capaz de financiar muita revolução. Nem os de Bin Laden, se é que ele está morto.

Algumas personalidades públicas podem ser reproduzidas  livremente, sem haver risco de infração. Se alguém tira uma foto do Obama e resolve vender artefatos a partir da exploração essa imagem, ele não deve nada ao presidente. Só existem direitos do fotógrafo, não do fotografado.

Andy Warhol não pagou um tostão de direito autoral dos herdeiros do Lincoln por reproduzir o cara em algumas de suas obras. Nem precisava.

E por falar em barbudos, a arquidiocese do Rio de Janeiro negou autorização de uso da imagem do Cristo Redentor no filme 2012.

Não se trata de uma polêmica. Não é novidade nenhuma que as igrejas se outorguem a propriedade de seus santos e deuses. A católica sempre foi uma Disney competente nessa lucrativa gestão. Mas Jesus copyright é uma coisa bizarra.

Pela licença creative commons da imagem de Cristo!

Ócio criativo é muleta

O homem é um bicho violento por natureza e essa energia não é gasta só para lutar pela sobrevivência. Gratuitamente, por esporte, auto-flagelo ou complexo de insignificância, sem-querer-querendo, o braço, a perna e principalmente a boca alforriam-se. E lá vai a catarse.

É bom deitar as duas orelhas na cama, aconchegar os travesseiros, sorrir a toa, acariciar por nada, contemplar, sossegar o sopro.

Mas a paz dá sono!

A Lorena, uma região adormecida do norte da França, foi o palco de tristes batalhas. Hoje, a excitação do front deitaram-se eternamente. Nas planícies desoladas, um grupo de pessoas reuniu-se para criar o primeiro Grupo Indigenista da Lorena, uma associação de gordos branquelos que brincam em acampamentos sioux, vestem-se de peles sintéticas e dançam em volta da fogueira em homenagem à Manitu. É o que chamam de ócio criativo, uma douta teoria que outros chamam de vazio existencial mas que também poderíamos qualificar simplesmente de demência humana.

O presidente Lula carregando um isopor na cabeça não é símbolo de atividade criativa. Papo pro ar não enche o papo.

Sem uma luta temperada por pitadas de ódio visceral, sem a violência da paixão, não tem criação, só preguiça.

Nesse novo ano, nessa nova década, muito ódio para todos.

Porque somos alegres assim

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Há quem prefira o futebol, mas nossa arte plumária é metáfora para o brasileiro, seu caráter e vida.

Temos centenas de tribos, tradições, facções e simbologias peculiares, associadas à arte plumária no país. Mas o esforço de síntese exige denominadores comuns.

É da riqueza de seu colorido que o cocar brasileiro simboliza nossa gema: alegria. Sem pretensões, moldes, freios nem vergonhas. Alegres sempre vivemos.

Da variedade infinita de combinações cromáticas, que arranjam com intenção antes estética, nossos índios são tão criativos nas tradições quanto nas frouxas obediências. Criar vale mais a pena do que rezar.

Qual melhor musa podem encontrar do que inspirar a arte na natureza? O artesanal está por obra e graça da herança sobrenatural: os pássaros, emissários dos deuses. Cabe aos índios o arranjo, a preservação e a reverência. Beleza é dada.

A pena é efêmera, dura pouco, comida por insetos e pela luz inclemente dos trópicos. Mas a economia não é um conceito: os índios não sabem guardar para depois. Abundam os recursos.

É assim o brasileiro de verdade.

Nós – mestiços Europeus, Africanos ou Asiáticos – trouxemos tristeza, religiões e leis, papo cabeça, poupança para o cemitério.

E a culpa por preferir prazer, diversão e arte.

Cafonices de final de ano

Uma vez grande, grande para sempre. O tempo não é bom juiz. Só vale comparar o agora com o agora, e saudosismo é uma patologia sócio-cultural.

Está chegando o final do ano: é hora do balanço, portanto, dos prêmios.

Vamos nessa: quais são os 3 maiores de qualquer coisa viva? Compositores ou cantores, escritores ou poetas, estilistas, arquitetos, grafiteiros, artistas, chefes, fotógrafos, jornalista também vale, publicitário também.

Se você for honesto, pode apostar que a lista vai ser a mesma ou quase igual àquela que você fez no ano passado. A mesma que há 2, 3 ou 5 anos.

Tem dois tipos de entronização: o déja vu sonolento que repete indicações e o cocô perfumado que se obriga a renovar sempre.

“De novo eles” dá desespero, vontade de sair correndo, de suicidar o tempo que não passa na velocidade da ansiedade contemporânea.

“Nunca vi mais gordo”, em compensação, embrulha o estômago, dá vontade de vomitar, de se drogar por não acreditar num mundo tão medíocre.

Premiações são só uma exploração marqueteira da vaidade, ou, parodiando Gilberto Gil um  “Red Bull da Star System”.

Premiar (uma pessoa, empresa ou marca) é o supra-sumo da cafonice que começa numa intenção cafona, critérios cafonas, troféus cafonas e festas cafonérrimas.

A carta que eu nunca queria ter escrito (por José Junior do AfroReggae)

Há 9 anos, Evandro João Silva entrou no AfroReggae como professor de informática.
Há 7 anos, ele virou coordenador do núcleo de Parada de Lucas.

Há 4 anos, Evandro criou uma oficina de música clássica em Parada de Lucas.
Há 8 meses, iniciou um projeto social no sistema prisional carioca.
Há 7 meses, discutimos dezenas de novos projetos.

Há 13 dias, Evandro me deu um abraço e me disse até amanhã.
Há 12, virou um mártir.

Desde então, nosso único alento é que mártir não morre. Vira inspiração, transforma indignação em força.

Força para que continuemos a nossa guerra.
Uma guerra da qual ele, orgulhosa e intensamente, fazia parte.
Uma guerra em que lutaremos sempre.

Mas sempre torcendo para que um dia ela acabe.

José Junior

PS: Essa carta foi publicada em diversos jornais do país. Os suspeitos do crime bem como os “bandidos fardados” que foram coniventes e/ou displicentes foram presos graças à mobilização pública que o fato suscitou.

Quem já viu uma estátua de comitê?

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Guerra de 100 anos. A cidade de Calais, no norte da França é sitiada pelos ingleses e resiste heroicamente. Numa sala da prefeitura, um grupo de notáveis burgueses da cidade reúne-se mais uma vez para decidir os termos de uma possível rendição e conseqüente exílio da população ou a continuação das privações. Esgotados depois de 11 meses de fome e doenças, o comitê toma uma decisão: o sacrifício. Os seis privilegiados caminham para fora da cidade, com a corda ao pescoço, portando as chaves da cidade e do castelo para implorarem a liberação dos habitantes da cidade, em troca de suas vidas. Imortalizados pelas crônicas medievais, os burgueses foram salvos pela clemência do Rei e a cidade torna-se inglesa sem infringir aos Calaisianos a vergonha de abandonar seus lares.

Muito mais tarde, Rodin fundiu os burgueses de Calais e eternizou a decisão excepcional e heróica.

Um dos maiores empata-samba da vida de uma empresa são os comitês que formalizam o futuro em discursos, atas e frases de efeito.

Efeito zero.

O tempo que se perde em reuniões intermináveis com  alocuções técnicas de especialistas, pesquisa sonolentas e debates teóricos não passam, em sua maioria, de minuciosos diagnósticos, raríssimos planos, e quase nunca coloca-se a corda no pescoço que quem merece ou damos as chaves para quem pode agir.

Quando muito, gargareja-se a histórica análise, a visão, a missão, a vocação.

Vocação para o esquecimento.

Não há virtudes no diagnóstico, só na ação.

Herói é quem faz, mesmo que com o sacrifício da razão, da lei ou da hierarquia.

A distribuição livre da produção criativa é uma questão de sobrevivência

A distribuição livre de conteúdo é um tabu e para quebrar a censura moral que nos imobiliza, nada como trepar alguns macacos em seus galhos.

A primeira mascarada diz respeito ao direito autoral, sempre ele. Por detrás de qualquer criação e produção de conteúdo, existiria uma projeção de receita perpétua. No entanto, está mais do que demonstrado que, salvo exceções irrelevantes para a média, o pinga pinga dilui-se rapidamente. Nada é tão automático assim.  A receita autoral é fator da ativação do conteúdo. A criação é remunerada no seu lançamento e cada vez que ele é reiterado com re-lançamentos. No limite, portanto, o direito autoral não seria um impeditivo para a distribuição livre de conteúdo (ou vice-versa).

A segunda macacada é vaidosa e egocêntrica. O medo de democratizar a produção “autoral” é a insegurança gerada pela falta, de crédito, de currículo, notas de rodapé, referências, lisonjas, fãs e puxa sacos. A autoria dá sentido ao vazio existencial e é um pedigree da memória. Distribuir livremente a produção é abdicar das palmas póstumas, da lápide dourada. O cemitério é cheio de autores possessivos.

Se a criação não é sopro divino mas exercício, é precisamente na capacidade de criar e produzir. sempre e sem parar, que ela se aprimora. O valor não está no “criado” mas na “capacidade de criar”. Coibir a livre distribuição criativa é preguiça. É criar para coçar o saco depois, e morrer mais rápido.

Ainda – e o argumento seria suficiente – não há meios de controles possíveis para o fluxo livre de conteúdos. Marcos regulatórios devem ser consensuais e não impositivos.

Quando a BBC percebeu que não tinha recursos suficientes para digitalizar e armazenar seu formidável arquivo de conteúdos, ela abriu geral. Sorte nossa. Não duvido que exista mais conteúdo no Youtube, livre leve e solto, do que nos porões trancafiados dos arquivos autorais.

Juju publicidade e o Clamor luzilandense

O nascimento de especialidades profissionais é muitas vezes fortuito para não dizer gratuito. Os brand builders e brand architects e outros plufts plofts que nos perdoem, mas teoria reversa não rola para certos casos.

Quem nunca ouviu falar na Juju Publicidade está por fora. É uma das mais famosas empresas de branding do país. Sabem a famosa “Pamonha, pamonha de Piracicaba”? Um fabricante encomendou uma gravação para fazer um delivery de pamonha de porta em porta. A Juju criou o jingle e vendeu a fita. De posse desse copyright, a Juju ganhou as ruas de todo o país, gravando fita atrás de fita.

Quem nunca ouviu falar de “Lucas Celebridade – O clamor Luzilandense” está por fora. É um dos mais importantes celebrity promoters do Piauí, quiça do mundo. Lucas é colunista de Luzilândia, uma pacata cidade que, como qualquer outra aglomeração humana, tem seus ídolos. Lucas abrilhanta todos os happenings sociais da região, seu blog é hype e seu twitter um must da teoria psicológica dos social networks.

Espontaneidade inspira mais do que matraca de teórico e as periferias (do mundo, das cidades e dos nossos microscópicos ambientes profissionais) são muito mais criativas.

Metade dos paranaenses é ladrão

O Paraná seria por acaso uma colônia pré-histórica no cafundó da galáxia? A Internet de lá funciona a lenha? Estariam seus autóctones lutando contra uma espécie de barbárie digital?

Parece que o Tribunal de Justiça de lá declarou ilícito o uso de softwares “que possibilitam a conexão às redes peer-to-peer”.

Ô Xisto (Pereira, relator da decisão) se liga na parada: quer dizer que o infrator é o neguinho que produz um software? Tipo assim, que tal você proibir as montadoras de carro porque tem nego que dirige embriagado?

Ô da toga (douto desembargador) presta atenção: o que você acha que vai conseguir com isso? Que os meliantes de direito autoral se matem por falta de opção? Que eles vão ter que sair do Estado para poder cometer seus crimes?

Ô Xistô! Acorda mano: a pesquisa F/Radar, feita pelo Datafolha, com mais de 2000 entrevistados em todo país (até no Paraná, veja só!) dá conta do seguinte:

– 48% dos brasileiros acima dos 16 anos costumam baixar músicas e filmes da Internet.

– 52% dos brasileiros acima dos 16 anos afirmam já terem comprado (e continuarão comprando) CDs piratas em camelôs (47% para DVDs)

E sabe por que a pesquisa não perguntou diretamente “baixar musica ilegal na Internet” ? Simplesmente porque ninguém ia entender a pergunta, de tão absurda. “Como assim, tem algum jeito legal?” ou “Ué, é ilegal?”

Sacou o drama? Não vai ter lei nem meganha suficiente para coibir tanto fora da lei.

“Lex non docet” não se aplica a tanta gente.

Ô Xistô, pô, tenha dó dos seus conterrâneos.

O mundo é dos Nanos

Houve um tempo em que acreditávamos que os humanos formavam uma manada que pastava entre cercas, ruminava sem saltos de humores e até consideramos que a estação de monta era sincronizada e que a procriação era uma variação estatística.

Naquela época, o sucesso era medido matematicamente: é tanto de audiência, de participação de mercado, de penetração (a outra). Como as pessoas eram segregadas em lotes com comportamentos similares, o único objetivo das atividades econômicas era crescer, crescer, crescer.

Assim nasceram os Schumacher e os Bolts, os Guiness Books e também as metas mercadológicas. O dogma do século XX é de que “uma parte sempre pode crescer mais do que o todo”. O único fator de sucesso decente era aumentar o tamanho do naco. Por isso inventou-se o anabolizante de porcentagem que manda nas nossas vidas.

Mas, para a sorte da contabilidade histórica, estamos no século XXI e para a nossa sorte, as coisas mudaram.

Alguns críticos acreditam que Dickens criou cerca de 13 mil personagens em seus romances. Só em David Copperfield, devem ter algumas centenas e, embora seja impossível lembrar-se – e por vezes entender – a intricada rede de relacionamentos que se cruzam, alguns deles são mega-celebridades por poucos parágrafos.

Acho que a digressão foi excessiva até agora já que prometi nunca ultrapassar duas laudas (laudas? Porque será que ainda se contam textos em laudas no Word?).

No século XXI, a fragmentação é tamanha que você pode ter poucos milhares de consumidores e seu market-share centesimal, mas ser melhor sucedido do que esse monte de executivos que se descabelam para atender aos fatores de sucesso do século passado.

Em pelo menos metade de todas as conversas que tenho com a geração do milênio, eu bóio à deriva: “Não, eu não conheço esse site que é um sucesso, nem esse aplicativo incrível, nem essa pessoa famosérrima, nem esse produto blockbuster, nem essa marca que TODO mundo está usando”.

Embora eu tenha vocação para a rabugice, acredito piamente nos nano-sucessos, nas nano-celebridades e nas nano-economias.

Por instinto de sobrevivência, vamos desistir de aumentar nosso pedaço de pizza porque tem outros iguais a nós, do outro lado da mesa, fingindo a mesma coisa. Os tempos hiper-modernos nos salvarão da hipocrisia.

Ministro Ayres Britto para presidente

O presidente Ayres Britto do TSE é um alento esclarecido no vendaval obscurantista que sopra em Brasília.

Ele já se expressou de forma contraria e inequívoca sobre o projeto de lei que tramita no congresso e que trata, entre outros assuntos, de tentar regular o uso da Internet em período eleitoral. Na qualidade de ministro do STF, ele foi mais incisivo ontem (02/09), enviando para publicação o acórdão que julga inconstitucional a lei de imprensa. Aproveitando a oportunidade, o texto qualifica a Internet de “território virtual livre” deixando natimorto aquele projeto de lei que tente enquadrá-la.

O que isso implica para além de respirarmos aliviados e aplaudirmos a autoridade?

Esse tipo de visão reconhece que a Internet é um organismo que se auto-regulamenta pela livre participação das pessoas. Aceita o fato de que esse sufrágio está em franco processo de universalização no pais. Também é possível retirar a crença na maturidade democrática do brasileiro para além dos discursos reacionários de parte de nossa elite.

Do outro lado da moeda, essas decisões também deveriam engendrar um redirecionamento importante de foco na nossa mídia.

Por que a Internet seria livre? Por que um jornal em papel, por exemplo, é sujeito a certas regras e suas versões online a nenhuma, poucas ou outras?

Talvez porque as versões online dão direito de reação livre. Talvez porque permitem a livre circulação das ideias, copy-paste, mash-ups, “recriações” ao sabor da eloqüência virtual das pessoas.

Talvez estejamos no limiar de uma formidável transformação que vai dirigir um investimento colossal para a Internet.

Qual é o produtor de conteúdo, jornalístico ou de entretenimento, que não se sente seduzido por um meio livre, sem travas, sem telhado de vidro, sem interferências? Qual é o publicitário que não fica aliviado de poder utilizar sua criatividade sem cabrestos nem hipocrisias? Qual é o ser humano que não gosta do poder de desprezar, zapear, caluniar ou destruir os conteúdos que julga irresponsáveis ou impróprios?

E a experiência vai valer a pena, mesmo que seja para se perguntar, depois, o que a gente vai fazer com tanta libertinagem.

Você tem talento? Grande coisa

Outro dia, um amigo se debatia com seu futuro. Apesar de viver no século XXI, ele continua com só dois olhos, poucos dedos e um único cérebro. Azar o dele porque devem existir bilhões de jornalistas, escritores, fotógrafos e artistas. O que vai ser da gente?

Muita gente afirma, ora com vergonha, ora com orgulho, que não tem jeito pra tecnologia, não se adapta, “não é comigo”. O mundo não está dividido entre aqueles que dominam e aqueles que se atrapalham. Tecnologia que confunde é tecnologia fracassada. Tecnologia simplifica, por definição. E sim, o dino que você goza hoje, vai aprender. O mundo não é dos nerds.

Tem outros que preferem abdicar das mudanças generalistas do futuro. “Sou um especialista, manjo pacas dessa coisa aqui e ninguém é melhor do que eu”. Esta também é uma falácia. Essa renúncia atrofia o mundo. A curiosidade é um sinal mais vital que o batimento cardíaco. O mundo não é dos experts.

Finalmente tem uns que se auto-justificam com o talento. “Foi Deus que me deu”. Essa justificada ou falsa pretensão é a tabua de salvação. Mas esse naufrágio da individualidade é o bug do milênio. O mundo não é mais dividido entre aqueles que sabem (ou acham que sabem) e aqueles que não sabem. Essa barricada do talento que nega a cauda longa já não é mais rentável nem competitiva.

É arcaico saber o que ninguém sabe, e a efemeridade desse poder deixa o mais sabichão de calças curtas, em dois cliques.

É senil desprezar os bilhões de anônimos talentosos neófitos que andam por aí.

O suicídio dos hiperativos é intriga

Todos os dias, toda hora, temos que ver centenas de posts, ler uma dezena de jornais nos quatro cantos em quatro línguas e ainda pensar sobre todos, produzir sobre alguns, atualizar os perfis, responder às mensagens, ser inteligente, original, analítico e histericamente curiosos. Também temos que fazer monstruosos exercícios de memorização, de associação de significados e organizar tudo em hierarquias funcionais e criativas. Meu pai só tinha dois jornais para ler. Sortudo.

Não é mole manter-se vivo hoje em dia. A menos, é claro, que a gente despreze o mundo com o ar blasé de um “isso eu já vi”, “isso passa” ou pior, “nada mudou”.

Minha tia Inha tem 103 anos. É lúcida e tem saúde. Por vezes, ela suspira “será que Deus esqueceu-se de mim?” mas enquanto ela puder ler e ver novelas, é feliz. “Sabe meu filho, eu adoro ler. Passo o dia lendo, lendo, lendo. Enquanto estou lá, no livro, fico muito curiosa, gosto demais. Mas quando chego no final, sabe de uma coisa? Já esqueci de tudo. Então, volto para o começo. Só troco de livro quando vocês me dão um novo. Mas não carece não, visse?”

Talvez tenhamos a pretensão de achar que nunca, na história do homem, a velocidade das transformações foi tão grande e profunda. Se leda presunção, complexo de insignificância ou vaidade crônica, a cobrança do mundo tempera nossa ansiedade. E vamos investindo, porque o cérebro é elástico e o tempo uma trapaça.

O pianista de redingote esbofa-se sobre a partitura para uma interpretação nova, fresca, contemporânea de uma obra composta há trezentos anos. A platéia em êxtase, trejeita muxoxos oitocentistas. Há mais de século que a cena se repete. O cara não tem facebook, nem blog, nem sabe, coitado, que ele pode dar um boost na sua popularidade twittando adoidado.

Se parte da humanidade reza “tomara que eu morra a tempo” todos os dias, a outra, felizmente, reza o contrario. Escolha e relaxe.

Quem não twitta se estrumbica

A luz ainda não despontara por cima da tampa escura e Ibiajara já driblava as sombras adormecidas da floresta. Há muito ele perseguia a égua redomona. Dias percorrendo os pastos naturais, farejando as pegadas, assuntando os murmúrios do vento e as revoadas assustadas. Ela se enfronhou na mata e o capataz perseguiu sua malícia. Quando o dia salpicou o solo, o caboclo perdeu-se. Girou, girou, girou, perdeu-se. Restava-lhe o coco da safada que ele não perdera das vistas. Era seu guia no labirinto. E foi no quinto dia de breu, que ele aplacou a fome comendo do fungo alucinógeno que salvou-lhe a pele e o emprego: a redomona voltou para o picadeiro.

O elo perdido pode ter sido um cogumelo alucinógeno que nossos primos primatas comiam quando perseguiam animais pelas fezes. Foi o despertar da consciência e a consequente queda: o homem perdeu-se quando desconectou-se da Terra em troca de uma pretensiosa ligação com Deus. Nossa interdependência com o além dá-nos vantagens competitivas. O aquém está à nossa mercê, para servir.

Pois um dia, a soberba vai estrumbicar o homem.

Assim como os fungos que, há bilhões de anos, sacaram que não há possibilidade de sobrevivência sem interdependência, a Internet é nosso sistema redentor. A  moeda de inserção é a quantidade de pontos de contato e a capacidade que desenvolvemos de nos relacionarmos com eles.

A Internet e a extraordinária força das redes sociais e sistemas de co-criação reproduzem uma ecologia de interdependência entre os homens e suas obras. Mais chance de destaque e sobrevivência tem aquele com mais relacionamentos, amigos, contatos e seguidores. Mais chance de cotejar a verdade, aquelas criações com mais suporte e colaboração.

Se você acha que observar de longe, sem macular a preciosa existência é mais digno de sua superioridade, que chá você tomou para acreditar em Papai Noel?

Obrigado, Sarney

Num país distante, um laboratório científico de primeira linha criou uma máquina que, através de sofisticados cálculos de cenários, confere às decisões políticas nível de assertividade incontestável. Tudo passa por ela. As nomeações para os cargos públicos têm a intenção dos indicados checadas por poderosos detectores de mentira, os discursos são escarafunchados nas entrelinhas e a vida financeira, social e íntima de todos os políticos é vigiada. Os sábios cientistas que projetaram a parafernália democrática contaram ainda com a ajuda de médiuns de variadas correntes que, graças a seus transes místicos, inter-relacionam todas as medidas com os desígnios divinos. Finalmente, Gaia também participa da vida pública: nada é feito sem o consentimento da mãe Terra, das árvores, dos golfinhos, focas, baleias, tartarugas marinhas, cracas e coquilles Saint-Jacques.

Nesse país, a imprensa investiu fundos colossais na construção da máquina e encontrou, graças aos seus dividendos, uma tábua de salvação: jornais, TVs, rádios e até os blogueiros sobrevivem hoje exclusivamente desses recursos, pagos pelo erário. Tornaram-se “diários oficiais”, house-organs do governo (ou da máquina) que, evidentemente, ninguém lê, e onde, consequentemente, nenhuma empresa anuncia.

O país é muito bem gerido, rico, promissor, respeitoso das minorias e maiorias, socioambientalmente responsável e chato de galocha.

Que graça teria viver num país assim? Que graça teria ser governado por uma Madre Teresa de Calcutá formada em Harvard? Ou um Karl Marx professor do IBMEC? Ou o Lula com PhD em astrofísica e literatura angolana? Ou pelo Sarney com voto de pobreza e sem família?

A grana é nossa, mas que o bigode cínico do Sarney é impagável, isso é.

A favela não é chique

Os Estados Unidos são o maior importador de vinho francês do mundo. Mas de que adianta, disse-me meu cunhado enólogo, o vinho viaja tanto que, quando chega, é a mesma porcaria que eles cultivam lá na Califórnia. O mesmo podemos dizer daquela água de coco de caixinha, em voga atualmente nas bacanezas da Côte d’Azur: tem gosto de água salobre.

E o mundo voga em fluxos e contrafluxos civilizatórios.

Recebi, certa vez em São Paulo, uma turma de modernos empresários. Eles estavam desbravando a Internet. Figuras quase obrigatórias em todas as listas hype de Nova York a Amsterdã, queriam investir na Pindorama. Mas era preciso impressionar os gringos. Nossa terra tem palmeiras e muita chiqueza. Fui buscar os caras no hotel, que não envergonharia Philippe Starck, e lá fomos nós pro restaurante de calar o Jacques Garcia. Lá pelas tantas, depois de muito goles, o Mark me chamou para fumar na rua (ele era americano, portanto, muito civilizado, respeitador dos pulmões alheios, disciplinado como um G.I. Joe). “Não tem um barzinho por aí mais à vontade pra gente conversar? Isso aqui parece o Titanic ancorado em Coral Gables”.  Fomos para uma calçada e  fumamos e bebemos até de madrugada. Meu patrão foi dormir feliz de ter abalado Bangu com tanta sofisticação tupiniquim. Sentir-se bem é o verdadeiro luxo. O resto é complexo de inferioridade.

É tão esquisito ver um alemão de sandália e meia em Ipanema quanto ver um brasileiro de tênis no Café de La Paix. Muito mais esquisito seria ver o branquelo descalço, ou o tupinambá calçando um sapato que não vê uma graxinha desde que saiu da loja. Mas na sua Birk, o gringo está tão confortável quanto o brasileiro de Nike Shox. O conforto é o verdadeiro luxo. O resto é cafonice exótica.