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Cases, benchmarks e perucas

Todo o mundo já enfrentou seminários, palestras, reuniões ou simples conversas, ilustradas por cases apresentados como soluções exemplares para problemas idem.

Como é bem sabido, a douragem de pílula é prática comum: o acidente, o improviso, o chilique, os medos e os fracassos viram inspiração, transpiração, experiência, coragem e sucesso, num piscar de antônimos. A história belamente contada num vídeo cheio de efeitos especiais e trucagem funciona ainda melhor: ninguém pergunta nada e se deixa embalar pela alta voltagem.

Pode-se supor, no entanto, que alguns cases são realmente geniais, ultrapassaram a esfera dos amigos do Facebook, transpuseram a fronteira dos veículos-releases, tiveram audiências para além dos júris de festivais e deram resultados que não se contam em milhões de views no YouTube, mas em mudanças de paradigma de consumo, transformações de categorias e, por que não, abalos culturais.

Existe um determinado tipo de pessoa com o dom transcendental de citar cases alheios como respira, para qualquer situação. Esses arrotadores são da mesma espécie daqueles outros com o talento de encaixar pesquisas como vírgulas numa frase. Esses indivíduos  são também chamados de especialistas, sumidades, e por que não, eruditos.

Então, para todos esses gênios da raça e da memória, Consultores & Co, Workshops-rats, stoarm-blogs e Google-planners, para todos os Kicker-cases, devolvemos-lhes com a mesma moeda, de Schopenhauer.

“A peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro [Kicker-case]. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios. Da mesma maneira, a erudição [Kicker-casismo] consiste num adorno com uma grande quantidade de pensamentos alheios, que evidentemente, em comparação com os fios provenientes do fundo e do solo mais próprios, não assentam de modo tão natural, nem se aplicam a todos os casos ou se adaptam de modo tão apropriado a todos os objetivos, nem se enraízam com firmeza, tampouco são substitutivos de imediato, depois de utilizados, por outros pensamentos provenientes da mesma fonte.

Os eruditos [Kicker-cases] são aqueles que leram as coisas nos livros. Os pensadores são aqueles que as leram diretamente no livro do mundo.”

O que perdemos se um webmaster bêbado apagar todos os blogs jamais escritos?

Quem sabe, um dia, alguém escreva uma “estética do blog”, mas enquanto a arte, entre aspas, de escrever blogs ainda é imatura e, graças a Deus, efêmera demais para configurar um estilo próprio, é possível ensaiar algumas tipologias dos diferentes estímulos à expressão escrita mais popular do século.

– Blogs de uma vida monótona. Esses são os blogs do tipo Diários, anotações esparsas, fragmentos de experiências, pensamentos, sentimentos. Configuram uma compensação psicológica ao drama de ter que acordar todos os dias para viver a mesma vida da véspera.

– Blogs de uma vida tolhida. Nesse tipo, o principal estímulo é libertador, escreve-se neles por falta de espaço, no sentido próprio e metafórico, nos canais alimentares. É onde pode-se dizer o que não se poderia dizer. Inclusive besteiras.

– Blogs de uma vida opaca. Já nesses, o que excita os escrivinhadores é ganhar notoriedade através de uma ebulição mental e criativa que acham merecer tornar-se pública. Esses são os blogs da sonhada fama eminente, para entreter a turma, a turba.

– Blogs de uma vida passiva. Aqui, os blogueiros são aguerridos, revolucionários, transformadores. Jogam ideias e observações mais poderosas do que toda a ação da Cruz Vermelha, dos Médicos e Jornalistas sem Fronteiras do que a ONU.

– Blogs de uma vida alienada. Esses são deliciosos retratos da contemporaneidade. São os blogs que se acham porque seus autores se acham porque disseram que todo mundo tem direito de se achar. São a expressão de ervilhas enlatadas e saltitantes. Alegres, narcisistas, exibidos. Escritos para alegrar o umbigo, sem nenhuma vergonha nem autocrítica.

Tem mais, mas esses são os mais comuns, tão comuns como comum, banal e vulgar metamorfoseia-se hoje a expressão humana.

E um dia, para nossa sorte, um webmaster bêbado, apaga os servidores.