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Compra-se lápis, papel higiênico e propaganda

Muitas linhas já foram derramadas sobre concorrências entre agências de comunicação. É uma unanimidade vociferar contra, mas assim mesmo, a prática virou regra, e virou regra porque aceitam-se as regras, sem piar.

Não adianta chorar, nem cacarejar: concorrência não é a melhor maneira de escolher uma agência mas é a única.

No entanto, existe um pequeno detalhe, singelo, que poderia trazer alento nessa briga de foice entre cegos famintos. Um educado gesto de civilidade e honestidade numa arena gelada: feedback. Quem promove uma concorrência poderia ter, mais vezes, a decência de avaliar os concorrentes.

Em um jogo de futebol ou numa rinha, o resultado da concorrência nem sempre premia o melhor, o mais esforçado, o mais talentoso. Mas pelo menos, ao final, sabe-se que o time ou o galo perdeu porque estava cansado, distraído, emocionalmente despreparado ou simplesmente fez as escolhas erradas. Ou quem sabe foi a culpa do juiz safado. Sai-se melhor do que se entrou. Mais sábio, mais inteligente, mais calejado, mais aguerrido.

Respeito e transparência é para os românticos. Na propaganda, é a tesouraria quem manda.

Concorrências entre agências: a negação do marketing

O cara que inventou a concorrência especulativa de propaganda entre agências tinha alguma coisa em mente. O feliz criador da estratégia, que a história gentilmente apagou de seus registros, talvez até fosse honesto na sua intenção de colocar em competição, em igualdade de condições, empresas, e avaliar tecnicamente a mais adequada para alcançar os objetivos da empresa.

Mas o leite azedou com o tempo.

A aprovação de um aluno numa escola é feita a partir de  uma conjunção de avaliações: suas provas, sua conduta, evolução, convívio, freqüência, etc. A prova não é, nem poderia ser, o “tranchant” decisório. Até porque a convivência do aluno com seu professor interfere (e tem que interferir) na forma de avaliar a prova.

Numa concorrência, diferentemente, a prova decide (ou deveria decidir).

Se acreditamos que um bom trabalho de comunicação resulta da interação inteligente, disciplinada, harmônica e crítica entre uma equipe de marketing e sua agência, uma especulação concorrencial não pode servir mesmo para grande coisa além de agradar processos estúpidos ou vaidades ídem.

O que uma concorrência dessas também dificilmente avalia com a devida importância é o histórico do parceiro. E aqui, não basta simplesmente gostar de um ou vários cases, devidamente preparados para impressionar. Tampouco assistir trabalhos criativos meticulosamente selecionados resolve a questão.

Quem já trabalhou alguma vez numa ou com uma agência de propaganda sabe que o que faz diferença mesmo é o dia-a-dia. A capacidade de conseguir fazer um trabalho competente e eficiente quando o presidente resolveu não gostar da campanha na véspera, apesar de todas as pesquisas. A habilidade de mudar de rumo instantaneamente, quando um maldito concorrente se antecipa. A tenacidade de defender convicções apesar e contra todas as evidências. E pagar ou lucrar com isso.

O trabalho de laboratório, coeteris paribus, que uma concorrência demonstra funciona ou não ali, numa sala de reunião, com muitos sorrisos, salamaleques, simpatias e agrados de circunstância.

Talvez seja por isso que dificilmente um trabalho apresentado numa concorrência vai para a rua. Ele não consegue sobreviver em ambientes adversos, portanto normais.

E quando a agência vencedora de uma concorrência coloca a sua campanha de laboratório na rua, a gente reitera o lugar comum nefasto de que a propaganda é só uma questão de lampejo, pirilampo, criativo.

O vício perigoso das concorrências

Concorrências entre agências de comunicação na disputa pela conta de um cliente, e principalmente quando conduzidas a partir de trabalhos especulativos (campanhas hipotéticas), contém intrínsecos vícios sobre os quais muito já se falou.

Não bastasse o calvário do qual participam agências (e anunciantes) que já têm suas contas divididas, a partir de  critérios nem sempre muito lógicos e claros (por produto, por períodos, por verba, etc), não bastasse o sistema de, por vezes, transformar a relação cliente x agência em chantagens contínuas (quando por exemplo cada mísero job passar a ser disputado por concorrência), não bastasse a dificuldade que esse sistema infernal cria na consistência do discurso publicitário, não bastasse a quasi impossibilidade de planejar recursos e equipes, não bastasse isso e não bastasse mais aquilo, o jogo parece mais atraente do que todos os mais óbvios princípios.

Esse neo-liberalismo suicida contraria pelo menos três deles: curva de aprendizado, coerência do posicionamento e integração dos meios.

O processo de conhecimento da cultura de uma empresa, do histórico de suas marcas e principalmente dos seus consumidores é lento por definição. Pitchs incessantes são autos-da-fé irresponsáveis.

Um posicionamento de uma marca não se chama posicionamento à toa. Ele constrói a imagem da marca e esse é o único valor importante a ser construído pela comunicação. O restante é empréstimo dos atributos do produto. Concorrências cíclicas provocam terremotos de percepção no consumidor.

Terceiro e não menos importante, em tempos de integração absoluta de meios, quando uma campanha, uma ação ou uma relação se estabelece a partir de uma engenharia criativa de inter-relação entre os pontos de contato com o consumidor (inclusive os não tão novos digitais), não faz o menor sentido – ou na melhor das hipóteses, dá um trabalho danado – atomizar investimentos e partilhá-los entre diferentes agências.