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A propaganda de apertar parafusos

Falemos dos silos, das gavetas secretas, das caixinhas impermeáveis, das agendas lacradas que coabitam numa agência de comunicação. O assunto é cansado e recorrente, e sua resposta, retórica: integração é uma panaceia.

Mas nenhuma integração é remédio, nem pode haver ordem poderosa o suficiente, tampouco metodologia bastante criativa para vencer as resistências culturais e de vaidades individuais que criaram os feudos. Integração é uma questão de bom senso e boa vontade.

A Verdade Mística é que inventamos a separação das áreas de uma agência. Nós é que resolvemos dizer que mídia-é-mídia-que-não-tem-nada-a-ver-com-planejamento-nem-com-criação-ah-não-criação!-nem-me-fala-é-outra-coisa-que-é-quase-o-avesso-do-atendimento-pelo-amor-de-Deus!

No começo, parecia uma boa ideia, porque dava foco e separação de tarefas. Ajudava também a dar valor para o trabalho. Enfim justificava o trabalho. Mas isso era na época em que a especialização estava na ordem do dia: Chaplin em “Tempos Modernos”?

No fundo e hoje mais do que antes, será que nosso trabalho é apertar parafuso? Será que nossas habilidades são tão restritas? Será que somos tão debilitados e deformados?

Com um pouco de recuo, é fácil perceber que a separação dos poderes se reflete desastrosamente na mídia: existem campanhas que são claramente campanhas lideradas pela mídia, outras pela criação, outras pelo planejamento, outras pelo atendimento. Não fosse triste, seria divertido fazer as apostas. Campanhas com janelas de oferta: quem manda é a mídia. Campanhas com filmes de um minuto difíceis de entender: criação. Campanhas com cenas da vida e papo-cabeça em off: planejamento. Campanhas demo de produto: atendimento.

Claro que existem talentos: jeito pra fazer desenhinhos, piadas, filosofias, cálculos ou salamaleques. Mas um bom diretor de arte, redator, planejador, mídia ou atendimento não faz um bom profissional de comunicação.

Seremos iconoclastas e polivalentes ou não seremos a agência do futuro.

Diretor e Criação, duas palavras que se conjugam com dificuldade

Assim como o melhor dos jogadores não dá um bom técnico, o melhor dos técnicos nem sempre cria o melhor dos dirigentes. No entanto, embora a afirmação futebolística pareça óbvia, a constatação é menos evidente em outras paragens.

A ordem natural das coisas nas agências de propaganda é virar diretor, mas a natureza do negócio é cheia de caprichos.

Galgar as escadarias do Olimpo publicitário contraria o senso comum: ser bom tecnicamente (mesmo que a técnica seja a criatividade) é pouco ou nada.

As agências, mesmo as que se orgulham de um processo artesanal ou aquelas que se outorgam excelência gerencial, são organismos capitalistas primitivos. Ainda parece fazer sentido promover o bom criativo a diretor de criação e qualquer bom operário a chefe.

O sentido dessa lógica ainda está baseada na presunção de julgamento: quem é bom naquilo que faz (ou fez), deve saber julgar adequadamente o que os outros fazem. O bom diretor sabe separar o que presta do que não presta.

Certo? Errado porque é esquecer das duas principais molas motivadoras do negócio publicitário: o frescor e a vaidade.

Quanto mais se sobe na hierarquia, mais distante se fica da prática. Em um negócio tão dinâmico, tão suscetível a tendências, tão superficialmente maleável, a falta de prática enferruja e caduca o mais brilhante dos cérebros.

Por outro lado, a vaidade é um energético quando se pratica mas um purgante quando se julga. É um tour de force psicológico conseguir avaliar com generosidade quando já se esteve no lugar do avaliado. É uma violência para a autoestima depois de anos de elogios e louros acumulados.

Pois o bom diretor não é necessariamente o melhor dos técnicos. Precisa de outras qualidade que não foram necessariamente treinadas e aprendidas.

Dirigir significa treinar e incentivar, antes de julgar.

É estimular a colaboração e inspirar antes de sentar na cadeira de Salomão.

É principalmente lutar contra a tentação de transformar em seu aquilo que é do outro.

Planejamento patinho feio é o caraiowa

Outro dia, perguntavam o que era um Planejador, mais uma vez. Saiu que era um dos “patinhos feios” da agência.

Concluí que a jornalista ateve-se à descrição de minha foto e não à prolixa explicação que lhe dei. Se ainda tenho dificuldade de explicar para minha mãe, o que dizer a um foca? O que dizer a clientes que poluímos diariamente com novas e complicadas estruturas transversais, diagonais, poli-disciplinares, pan-funcionais?

Minha explicação foi uma longa história do Planejamento, pedante e recheada de falsa modéstia. O termo em si é trunfado de interpretações e pistas equivocadas, por isso, o melhor é ser incisivo, separatista e franco. Sem medo de ser cru.

Planejar não é organizar. Não é juntar pedaços. Não é supervisionar um processo de trabalho. Planejar também não é selecionar ideias e tampouco destinar dinheiros e mídias.

Pois se Planejar não é fazer timeline e por ordem no circo (indispensável função do “Atendimento”), não é contar histórias pra boi dormir (santa função da “Criação”), nem apontar o lápis com a orelha (rica função da “Mídia”), alguns gostam de ver o Planejamento como uma espécie de Grande Inquisidor, em nome do cliente e/ou do consumidor.

Este é um estilo. O Planejamento-Censor, figura cinzenta e respeitada, fala sem filtro, sem não-me-toques, sem medo de chafurdar o dedo nas feridas.

Outros gostam de ver o Planejamento como um tipo de Grande Conciliador, em nome do trabalho e do todo.

Este é outro estilo. O Planejamento-Harmonista, cuida do produto final, da coerência entre a necessidade do cliente, os atropelos do processo e o produto final. Ele trabalha para que tudo tenha harmonia, sentido holístico, geral, macro. É o gestor do que excede, do que não está enquadrado, das concessões.

Planejamentos Censores ou Conciliadores incluem-se no processo de trabalho com entregas definidas. Se participam do briefing, da criação, do planejamento de mídia, do atendimento ao cliente, serão Censores ou Conciliadores, depende do estilo do profissional, da filosofia da agência ou da oportunidade do trabalho.

Tendeu?

O criador e a crítica

Ulzyvan von Zuberovsky nasceu em Garça. Sua mãe era a rainha do chuleado, seu pai era diretor do Banco do Brasil. Manoel Ernesto era filho único, melhor aluno do grupo escolar mas gostava mesmo era de frequentar as reuniões da loja Maçonica, escondido atrás das cortinas de veludo. Era lá que sonhava com hierarquias Transcendentes, ideais Metafísicos, triunfos da Razão e grandes Arquitetos das Estruturas.

Com 18 anos, Mané mudou-se para a França e de identidade. Montou-se, criou bigodinho e maneiras de um herdeiro decaído de dinastias polonesas. Nascia assim um ícone que arrasou nos ateliers parisienses, rivalizou com madames. Dizem que Charles Frederick Worth, lui même, sentiu-se ameaçado e começou uma campanha de detração. Acusou Ulzyvan de impostor, fútil e veado. Falou de suas criações com desprezo, que eram inexequíveis, faraônicas, destituídas de moralidade e respeito às tradições.

Humilhado, Ulzy voltou ao Brasil, a beira do suicídio, com a detração a sufocá-lo. Mas perseverou e fundou uma maison, cujo sonho libertário consistia em nunca mais sucumbir à critica.

Sua técnica consistia em reunir em seu salon costureiras, modelistas, clientes e outros livres pensadores, em orgias criativas, mais conhecidas depois por brainstorms. A regra de ouro dessas sessões era jamais censurar uma ideia quando surgisse, mesmo estapafúrdia, sonhadora ou simplesmente idiota. Foi um enorme frisson mas um retumbante fracasso.

Brainstorms não são um desastre porque reúnem pessoas para discussões, debates e troca de ideias. São ineficientes porque fazem uma lobotomia na crítica.

Suspeito que o processo criativo no mundo da moda seja tão primitivo quanto no da propaganda, minha área de atuação. Os brainstorms tiveram seu momento de glória mas não passam de enfadonhos desabafos destituídos de senso prático. No entanto, o retrocesso é ainda mais frustrante que a tentativa democratizante: criar nesses dois mundos muitas vezes ainda significa ter epifanias chiliquentas numa torre de marfim.

Mas criar é o avesso do isolamento. É também um convívio consciente com a crítica.

Em um mundo de efervescência de influências e informações, o isolamento é sinônimo de alienação. Criar de forma autocentrada, sem banhar-se na crítica, mesmo a mais destrutiva e invejosa, é contaminar-se com o vírus do envelhecimento precoce.

A autocrítica é para muitos criadores um alibi. Dizem-se capazes de dispensar opiniões alheias de tão auto-exigentes. Mas a autocrítica é refém, sempre, da vaidade. Não basta.

A criatividade não depende tanto de metodologias e mais da estrutura psíquica e de personalidade das pessoas. No entanto, existem contextos mais férteis do que outros. Trabalhar em ambientes abertos, em que a interação seja constante e forçosa, por exemplo. Ainda, pode-se aprender a tolerar a detração com paciência e o exercício da defesa é um enorme fermento de criatividade.

Ulzyvan von Zuberovsky morreu esquecido até à presente obra de ficção. Suas criações, apesar de democráticas, não passavam de retalhos de ideias, promessas vagas, tendências chuleadas.

Publicado originalmente em FFW (22/02/2012)

Da gaveta para o mundo

Primeiro vem um insight de consumidor, depois uma brand idea, depois uma brand campaign, depois um manifesto, depois umas execuções aí.

Um poderoso resolve agradar a um papa: insight. Depois ele resolve construir uma igreja: brand idea. Daí, a igreja vai ser em homenagem a um Santo: brand campaign. Assina-se um contrato que é o manifesto. Finalmente contrata-se um mestre de obra qualquer (um Michelangelo ou um Seu José) para as execuções.

Um insight tem que ser universal, ou seja, quanto mais genérico, melhor. Uma brand idea tem que ser verdadeira, portanto quanto mais vaga, melhor. Uma brand campaign tem que ser inspiradora, logo, quanto mais lugar comum, melhor. Um manifesto tem que agradar ao faxineiro e ao presidente: quanto mais burocrático, melhor. Quanto às execuções … quem liga para as execuções?

A gente regozija de tanto regorgitar.

Planejamento ketchup

Depois de horas de blablablá estonteante, messiânico, apaixonado, o cara vira pra você e diz “só me fala uma coisa: o que é que eu tenho que dizer afinal?” É então que você recomeça tudo do início, modulando as palavras, variando os argumentos, revirando os olhos, caprichando nos trejeitos e o cara fala: “não entendi nada. O que é pra fazer?”

Este é o calvário de todo cristo autoproclamado. É a via crucis dos arautos do caminho da redenção. É a penitência dos avatares iluminados, planejadores em seus faróis de sabedoria.

Chegamos a um grau de metafísica em que o planejamento é mais lisérgico do que a criação, mais onanista do que o mais baseado dos diretores de arte.

Chegamos a um grau alienação em que o planejamento, do alto da sua estratosfera intelectual, aterrissa em conceitos de auto-ajuda passe-partout. Ideias repetitivas, que valem pra todas as marcas, todos os públicos, todos os contextos.

Quem discordaria de que o “amor é lindo”, “a vida vale a pena se for vivida”, “você pode se quiser”, “coisas incríveis podem acontecer com pessoas comuns”?

Afinal de contas, quem liga para o coitado que vai ter que colocar essa punheta num filme, num anúncio, numa ativação, numa embalagem, num post do facebook?

Talvez por isso, nego só pensa em criar conteúdos longa metragem hiper produzidos transmídia storyteller engaging co-created com o James Cameron. Pudera.

Quem leva a melhor?

Por motivos que pertencem aos insondáveis labirintos escuros da mente, competimos uns com os outros para aplacar uma insaciável carência de afeto e atenção. Para justificar esse embate de egos, inventamos talentos e habilidades particulares e diferenciadores. É mais ou menos por isso – e talvez por outros álibis menos nobres – que nas agências de comunicação existem macacos trabalhando em galhos diferentes, em volta de um tronco.

Se a metáfora está correta, existem árvores na floresta com galhos mais desenvolvidos e valorizados do que outros. Criação portentosa e planejamento mirrado. Planejamento super-irrigado e criação raquítica. Por exemplo.

Maçãs não ligam para o tamanho do galho. Quem acha que a maçã de um galho musculoso é melhor do que que aquela de um fiapo, desconhece tudo da botânica publicitária. Maçãs-comunicação se desenvolvem a partir do concurso equilibrado e harmônico da árvore toda, da raiz abissal à mais débil das folhas. Bonsais, mesmo lindos, caros e raros produzem frutas insípidas.

O mercado brasileiro – quiçá global – é uma dessas esdrúxulas florestas de anomalias.

O cliente faz a colheita nessa selva artificial. Aqui ele prefere o planejamento, ali a criação, acolá a mídia, e outras bizarrices circunstanciais. E come maçãs belas mas ocas, feias mas rechonchudas, saborosas mas feias e ocas.

E mesmo assim, competimos. E por isso ouvimos que o cliente gostou do planejamento mas não comprou a criação. Adorou a criação mas roncou no planejamento. Curtiu o planejamento e a criação mas a mídia era banal. Ou aquele que detestou tudo mas contratou por causa da estratégia de mídias sociais. Ou ainda aquele que tudo amou mas refutou porque não curtiu o wobler de gôndola.

Tanta ideia boa e tanto aborto por aí

Se de boas intenções o inferno está cheio, de boas ideias o mundo está de saco cheio e nem por isso está melhor.

Ideias pululam, se multiplicam, se atropelam porque são muito frágeis.

A esmagadora maioria das ideias que brotam aos borbotões até das fontes mais improváveis, morre por incapacidade de expressão, paixão ou realização. É por isso que tem tanto aborto por aí.

Primeiro é preciso saber expressar a ideia. E é aqui que entra a linguagem, a técnica e o suor. Talentoso não é aquele que tem ideia – isso não vale muito – mas aquele que consegue dar-lhe forma, simbólica. Publicitariamente falando, é fácil parir uma big-idea, cabe numa frase tosca, geralmente mal escrita, seguida do aviso “olha, não estamos criando, viu? É só um ponto de partida. É pra inspirar!”. O enrosco vem quando tenta-se dar cara e sex-appeal para isso sem cair na banalidade do power-point “inspirador”.

Segundo tem que saber convencer. É aqui que entra o sangue nos olhos, a segurança e uma certa dose de malandragem, mais conhecida como maturidade. Publicitariamente falando, uma big-idea com um lindo estímulo não passa nem na primeira reunião com o último dos aprovadores da escala hierárquica. Difícil é saber driblar a preguiça, a falta de tesão, o bônus incerto, os testes atrofiantes, o cronograma, a vaidade, a dor de barriga, o mau humor e outras espinhas.

Terceiro é bom saber se dá para fazer. E se o fazer não vai destruir a ideia, vulgarizar a expressão e corromper a paixão. Por algum desvio evolutivo, convencionou-se separar a “criação” da “realização”. Tem o cara da torre de marfim e o outro no chão da fábrica. Publicitariamente falando inclusive. Realizar significa não somente respeitar a expressão, mas também o bolso, o tempo e principalmente os objetivos do briefing. Os festivais curam as frustrações mas não enchem a barriga.

As agências de propaganda foram, estranhamente, constituídas a partir dessas três funções distintas. Tem o cara da ideia, o da expressão e o da realização. As atribuições variam, mas sempre cada macaco em seu galho. Por exemplo: se a ideia é do atendimento, ninguém mete a mão na cumbuca. Se a expressão é da criação, não me toques. Se o convencimento é do planejamento, não enche meu saco. E se a realização é da mídia, money talks. É por isso que tem tanto aborto por aí.

Criação e planejamento, a gangorra

Há quatro diferentes maneiras de fazer planejamento de comunicação em uma agência.

A primeira é quando planejar significa exatamente planejar, ou seja, concatenar ações, mensagens e estratégias no tempo. Esse “tempos e movimentos” é uma administração crucial mas deixou a área de planejamento para incorporar-se nas disciplinas de atendimento. Não é planejamento, pelo menos como se define hoje a área, mas gerência de projeto.

A segunda forma de planejar nasceu nos luais psicanalíticos e ripongas. Defendida pela turma das ciências sociais, por inflamadas tietes de Lacan ou Lair Ribeiro (dependendo do pedigree acadêmico), esse é o planejamento pesquiseiro e enfezado, que se vê, projeta e faz amor com arquétipos. Numa agência de comunicação, essa turma faz o que chamamos de retroplanejamento: “chama a bigoduda para provar que minha ideia é incrível”.

A terceira prática foi sevada na opressão tirânica da Criação das agências. Um ódio selvagem e reprimido contra as musas que iluminam infantilizados criativos formou planejadores intelectuais, super-hipertendência, que dissertam sobre Bocuse e Marcuse com a mesma flatulência. Em uma agência de comunicação, esse pessoal moderno faz o protoplanejamento: “manda aqueles moleques mimados da criação executarem nosso power-point”.

Finalmente, a quarta maneira de planejar, como reação à segunda – subserviente – e à terceira – pretensiosa, é o antiplanejamento. Esses planejadores são híbridos assumidos, camaleões com talento para as artes circenses. Escorrega-se aqui pelas práticas, de acordo com as circunstâncias, os objetivos e as plateias. O planejamento de comunicação é aqui retro ou proto, abre-alas ou anunciação, pedestal ou redenção, alavanca e contra-peso, depende. Depende da ideia, depende da necessidade.

Esse é o planejamento que não acredita na tabuada das pesquisas, nem no blablablá metafísico. O planejamento dos bastidores assumidos, que existe para que brilhe o que deve brilhar. Nem dados, nem teorias, nem metodologias, nem egos, mas a comunicação que vai pra rua, que vai ser vista, curtida, lembrada, que influencia, cria desejo e prazer.

A inspiração não nasce da reação de fórmulas previamente experimentadas. Ela tem sua dose incidental e mágica. Por isso é refratária ao método quando ele se impõe dogmaticamente.

Criar e planejar parecem práticas inconciliáveis a menos que ambas sirvam de alacanca uma para a outra, qual uma gangorra equilibrada e divertida.

Internet e a arte do veja bem

Nem tudo que vem do “velho novo mundo” (a Internet) é necessariamente novo ou bom ou eficiente.

Mas apresentar uma plataforma digital é mais fácil porque é necessariamente desconhecido ou barato. Então, mesmo que não seja criativo, veja bem, funciona. Mesmo que não funcione, veja bem, engaja. Mesmo que não engaje, veja bem, temos aquele índice que mensura o envolvimento místico da ação potencializado pelo crescendo exponencial da existência contemporânea, lúdica e holística, acachapante. E veja bem, ainda é cedo para concluir. E veja bem, tem aquela meta digital do seu bônus.

É por isso que qualquer estratégia digital deve vir acompanhada de bula e manual de instruções que percorrem os sete portais iniciáticos do Mistério.

Os incrédulos são heréticos, velhos e caretas demônios da velha mídia, agentes malignos do capitalismo capeta.

Criatividade na velha nova mídia tem outros critérios. Crê-se no veja bem acima da lógica, da experiência e da sensibilidade. Uma espécie de transcendencia esperta.

Criatividade é como honestidade, não tem veja bem.

Talento é pouco

É difícil acreditar que um bom profissional de criação, cheio de referências e festivais na cabeça, possa sentir orgulho de estar em algumas fichas técnicas. Por mais cínico que seja:  “afinal de contas é apenas propaganda”, por mais conformado: “o cliente tem mau gosto”, perdedor: “a pesquisa estragou tudo” ou preconceituoso: “o consumidor é burro”, ainda assim, a grande maioria desses criativos, coeteris paribus, é melhor do que aquilo do que ele coloca na rua.

Talento e inspiração não são fatores de sucesso. O que mais então precisa?

Capacidade de trabalho talvez e a energia para baixar a cabeça, produzir opções, caminhos, pontos de vista conflitantes ou em cadeia. Espremer-se até a última gota de criatividade, esgotar-se até desmaiar exsangüe e em crise: tem alguma coisa nessa pilha? Essa é a técnica da dúvida perpétua.

Aguçar o julgamento também e, com o coração, descartar o que não presta, rápido, sem pena nem arrependimento. Fixar-se num prazo e número: “tenho até amanhã para selecionar 3 ideias”. Essa é a técnica da faxina sem pena.

Finalmente engolir o choro e acreditar messianicamente no talento, na capacidade de trabalho e na força do julgamento. É a fase do guerreiro em transe que não conhece dúvida nem pena. A fase do descarte do processo e da fé no resultado.

Dúvida, julgamento e fé. Mas como é difícil não embaralhar tudo e julgar antes de tentar ou acreditar antes de julgar.

O improviso domesticado

É da natureza de uma agência de comunicação abrigar e atrair talentos com personalidades e gostos distintos. Dessa miscigenação, nasce uma sadia e criativa colisão de pontos de vista. E quanto mais diversos forem os clientes, mais mestiço deve ser o capital humano de uma empresa de comunicação.

Ainda que existam agências com personalidades marcantes e que ainda ditam uma espécie de ética criativa, seu sucesso fica confinado a uma demanda igualmente teimosa. Em um mundo metamórfico, que cultiva a colaboração e celebra a interação, tais posicionamentos são quitoxescos ou caducos.

Mas se é mais contemporâneo, vibrante e criativo conviver com a diversidade, é mais desafiador encontrar um foco convincente, seguro, vendedor. No modelo antigo, era acertar ou errar na mosca (tendendo ao erro reincidente). No novo, o erro é menos frequente, mas os acertos mais diversos. Quanto mais ricos os pontos de vista muito mais difícil ser afirmativo e seguro na recomendação proposta.

E por enquanto só tem um jeito de unir diversidade e assertividade: teatralizando as apresentações. Só tem um jeito de convencer: ensaiando o show.

#FilmeManefasto

Toda história tem começo, meio e fim.

Mas a propaganda está com soluço de histórias com fim, fim e fim. Em 5 segundos você entende a ideia e tem que assistir os restantes intermináveis 25 que são a mesma marmelada.

Primeiro vieram os filmes manifestos que são aquele agrado que fazemos para o cliente entender a ideia. Cumpre uma função ilustrativa.

Um dia alguém resolveu colocar isso no ar. Os clientes acharam que era uma boa maneira de iniciar uma nova campanha ou posicionamento. Mas agora, a moda são roteiros inteiros gaguejando a mesma meia-ideia (que invariavelmente se terminam com um pack-shot chato como todos).

E ainda reclamamos da camisa de força dos 30 segundos. Segundos demais!

Ainda bem que no Youtube, onde se vê propaganda de televisão hoje, podemos acelerar a martelada.

Boa propaganda mata mais do que inspira

Excesso de escolhas mata a escolha. Como aqueles cardápios infinitos que dão preguiça de ler, como aqueles templates que escolhemos afoitamente quando testamos um aplicativo, como entrar na Bloomingdales. Dá pânico. Dá pânico ler guia de cidade turística, o Louvre dá pânico, o controle remoto também e o manual da nova câmera.

Desespera saber que o Bach Werke Verzeichnis (o catálogo de músicas de Bach) tem 1126 obras e que todas universos de infinita imaginação. Dá tremedeira buscar referências. Dá dor no peito e de barriga olhar um short list ou qualquer best of. Dá suor frio browsear as melhores campanhas do mundo. Dá medo. Trava mais do que inspira.

Nossa disciplina, muitas vezes irrelevante para o consumidor, de jamais criar algo que de longe lembre outra coisa, o pavor do olhar crítico de nossos semelhantes, extirpam muita alegria do trabalho.

Para o planejador, referências são como cintos de castidade: exasperam e criam desvios perigosos. O que já foi dito e pensado leva-nos para o que sobra. E talvez não seja a tôa: sobrou porque é ruim.

Para culminar a opressão, ainda lidamos com um caminhão de ferramentas e metodologias. Para os micos amestrados, são um save my ass. Mas para os inspirados, atrapalham e frustram.

Antes de sair enchendo os braços com cabides e mais cabides, antes de metralhar seu repertório com pesquisas e mais pesquisas, que tal pensar no briefing com a cabeça vazia, sem parti pris, sem medos nem referências? Que tal uma dieta de internet, de festival, de conferências? Jejum de todas as metodologias. A propaganda está te deixando chato e medíocre. Pare de ver propaganda imediatamente.

Cannes faz-de-contas

Fui ao Palácio de Versalhes com meu sobrinho, na época com 8 anos. Ao final do passeio, com um ar aborrecido, Gabriel achou o palácio pequeno. “Ué, ele não era o sol?”

O Taj Mahal é mirrado, a capela Sistina parece uma HQ, Paris é uma aldeia provinciana.

É de bom tom voltar do festival de Cannes blasé: “não vi nada que já não tivesse visto antes” ou “nossa, todos aqueles publicitários de bermuda jeans, que brega!”.

É também legal dizer que a qualidade criativa do festival é duvidosa, que passamos vergonha, que é mais do mesmo, que já não é um festival de criação mas uma feira de negócios, que o Carlton é careta e que os restaurantes são caros e vagabundos.

Mas no caso do festival de Cannes, o ar blasé não é só um disfarce cool.

Existem evidências demais do que o Festival de Cannes não é.  Não avalia a melhor criação, nem a melhor agência, não sedia as melhores palestras nem as melhores reuniões nem as melhores festas.  Até porque, tudo que rola lá, rola on-line e on-time sem torrar em euros.

Mas todo mundo emenda o feriadão de Cannes porque continua sendo o maior leilão de head-hunting da publicidade. O festival é um monstruoso circo montado para negociar salários, fees, honorários, in loco ou a distância, na hora ou mais tarde.

Um faz de conta que as agências financiam para roubar ou perder os melhores, ou os melhores faz-de-conta.

O novo criativo, das profundezas e superfícies

A grande sorte da “criação” das agências de comunicação é elas terem, de todos as estabelecidas áreas, o melhor nome: Criação. Criar é uma atividade que conjuga a habilidade para expressar-se de forma escrita com aquela para fazê-lo de forma visual. Criar significa também e principalmente, ambas  as linguagens confundidas, aprofundar-se na essência de uma ideia. Pensar o conteúdo para além da forma.

Assim usurpado o sagrado coração da profissão, os impostores desenvolveram proteções ardilosas que empurram as outras “especialidades” numa periferia necessária mas acessória.

Sem querer entrar na retórica cliché de “agência de ideias em todas as áreas”, um mutável virus introduziu-se na indústria da comunicação: a o big bang dos meios, a Internet. As habilidades de redator e diretor de arte não parecem mais suficentes para Criar. Uma garotada domina outra linguagem, que, embora pareça suja de graxa, é curiosamente celebrada nos grotões novos ricos da indústria tecnológica. A primeira reação é enquadrar os energumenos que nascem nesse mar subterrâneo numa lógica conhecida: designers digitais e programadores – tipos novos de produtores. Assim (e ainda), para salvar a proteção territorial, incorporam-se esses novos à “criação”.

Mais vale, no entanto, entender que linguagem “nova” é essa que as plataformas digitais demandam? Certamente não se trata apenas de uma habilidade específica para produzir em ambientes virtuais.

De forma sintética, os novos “criadores” são pessoas que possuem talento ou desenvoltura, para “criar” horizontalmente, numa multitude encadeada e estratégica de meios. Não são designers nem programadores – embora possam sê-lo, assim como podem ser diretores de arte ou redatores clássicos – mas falam uma língua que pensa transversalmente mídias afora. Podem ser também mídias, planejadores, atendimentos.

E por que essa “habilidade” é uma habilidade que soma (e integra) e não substitui?

Voltemos à definição de “criativo” do primeiro parágrafo: “criar” é aprofundar-se na essência de uma ideia. Como era esse o talento necessário para tornar-se um dos bons (e não só um original pirilampo), com o tempo, as atividades acessórias aproximaram-se desse olimpo, e em particular o planejamento. Até chegarmos ao momento em que “planejar” e “criar” confundem-se na busca da conceituação profunda de mensagens, discursos e histórias que seduzam, envolvam e fidelizem o coração dos consumidores. “Criar” é (ou era) portanto verticalidade, essencialidade.

Isso funcionava, e bem, em um mundo em que poucas e domesticáveis são as interfaces com os consumidores. Não funciona mais depois do big bang.

Criar é portanto, hoje, verticalidade e horizontalidade ao mesmo tempo. É a habilidade indissociável de intuir e pensar profunda e superficialmente, na largada, desde o primeiro briefing. E essa nova Criação está na mídia de um novo tipo, no atendimento de um novo tipo, na “criação” de um novo tipo e principalmente no planejamento de um novo tipo.

Publicitários são pedreiros sem pedreira

Muitos desenham enormes raciocínios para tentar revisar a segunda palavra de nossa denominação: publicidade, propaganda, ideias, comunicação, etc. Somos agências de publicidade, propaganda, ideias, comunicação, etc. Vá lá que hajam diferenças, semânticas e de fato, em cada uma das entregas.

Mas muito pouco ou quase nunca se discute a primeira palavra: assumimo-nos sem questionamento como agências. E agênciar significa que intermediamos serviços de terceiros. Por isso somos remunerados.

No entanto a palavra “agência” subentende que nada ou pouco se obra. Usamos recursos intelectuais, criativos, produtivos de terceiros que escolhemos (nem sempre) e organizamos (mais ou menos).

Não é humildade nem abnegação muito menos compartilhamento generoso. É que os publicitários secretam a crença de que o trabalho intellectual – ou criativo – abstrato, inspirado, de fonte secreta, misteriosa e portanto de valor inefável, vale mais do que o trabalho produtivo, que faz coisas, que suja as mãos, que pode se mensurar, se equacionar e automatizar. Conceber é mais do que fazer.

Ainda que a mística criativa encanta e seduza, a capacidade de produzir é uma arte em si que não deveria ser tão menosprezada e desvalorizada.

Quem cria também faz, pelo menos é assim na indústria mais flamejante do século, na teconologia da informação ou seja lá como chamemos o ramo de atividade da Apple, do Google, do Facebook. Quem inventou a Internet não a concebeu numa prancheta e intregou seus rabiscos a excutadores diligentes, sentou a bunda na cadeira e programou. Quem cria faz e quem faz cria.

Por que agências continuam sendo agências, que nada fazem, nada produzem? Até quando essa crença na lâmpada, na maçã, na banheira, no estalo divino, concedido e não obrado?

Só que vivemos um mundo mais complexo e histérico que no passado. Mais competitivo e com recursos mais escassos do que queremos crer. E se não formos capazes, rapidamente, de usar nossa inteligência e sorte para fazer ao invés de agenciar, corremos o enorme risco de virarmos resignados executores de criações alheias.  Pedreiros sem pedreira.

Don Draper dança minueto

O que o melômano sem formação teórica percebe da música são melodias e harmonias e, vez por outra, surpreende-se com as estruturas. Não por acaso, a música é popular não somente quando as melodias e harmonias são simples, mas porque as estruturas são intuitivas, sem sofisticação.

A criação publicitária ficou nesse mesmo “been there, done that” por décadas. Ainda que o pensamento tenha evoluído e “as ideias estão em toda a parte” seja um leitmotiv (planejamento criativo, mídia criativa, atendimento criativo, criação criativa), o clichê nem sempre é real.

Nas novas plataformas de comunicação, é um equívoco isolar-se das estruturas, sempre novas, que movimentam o comportamento das pessoas. A mídia display, recentemente ainda soberana, perde espaço para as novas experiências de engajamento dos consumidores. É preciso, sim, envolver-se com mecanismos mais técnicos, caso contrário a criação – como ela ainda é – não passa de decorativa.

É difícil quebrar o ritmo, chacoalhar as mentalidades calcificadas por sistemas embriagadores que funcionaram por tantos anos. Os festivais e prêmios publicitários, apesar do esforço de renovação, são o exemplo mais evocativo do vício do qual a criação publicitária clássica padece.

A menos que resignifiquemos a palavra criação publicitária, ela não passará em breve de uma especialização, uma necessária mas não crucial atividade, perdendo sua centralidade e atratividade para as marcas. Decoração versus arquitetura.

Mad Man é charmoso mas, se ainda parece que os modelos de trabalho atuais são parecidos com os da Sterling Cooper, então continuamos fazendo minuetos e sarabandas na criação publicitária.

Criação ou colaboração

O desenvolvimento tecnológico tem aceleração progressiva. Isso significa que, se levamos milhares de anos para descobrir a fala, levamos menos milhares para a escrita, menos ainda pra a imprensa, e não vemos a hora de anunciarem logo a nova versão do Ipad, que se não ocorrer em meses, nos fará anunciar a decadência irreversível da Apple.

Outra constatação inegável é que o progresso é uma cadeia que ocorre por uma sucessão infinita de pequenas descobertas que se sucedem. Embora tendemos a valorizar as grandes mentes, Guttemberg não inventou a imprensa, juntou cacos de descobertas tão maravilhosas como a sua, como os tipos móveis, criados milênios antes, pelos chineses.

Aceleração progressiva e cadeia criativa é a base de nossa superioridade.

Tomar consciência disso é um exercício de humildade saudável porque a dependência desses dois fatores de superioridade é inexorável, inapelável, incontrolável.

Queremos sempre mais e quanto mais rápido queremos mais, mais interdependentes precisamos nos tornar, menos vaidosos, poderosos e ricos, também.

No limite que já alcançamos, a capacidade criadora – reputada ser de herança mágica ou divina – atomiza-se, esfacela-se, perde relevância.

Não é mais da presumida conexão com o éter criativo que devemos atribuir valor ao trabalho, mas da capacidade integradora e colaborativa.

Engolindo o choro

Imaginemos um país muito cordial, no qual as pessoas são tão fanáticas por futebol que praticamente todas as conversas – no trabalho, em casa, na escola – se estabelecem por meio de metáforas futebolísticas.

Este país é tão sofisticado no trato da matéria que inúmeras organizações se formam para discutir e debater o esporte, suas táticas e seu futuro. Existem Confederações Nacionais, Federações Estaduais, Agremiações Municipais, Associações de bairro, Clubes interdisciplinares e até um Grupo de zagueiros que, de tempos em tempos, organiza uma Conferência Nacional na qual são colocadas à mesa as problemáticas da classe, suas bandeiras, suas frustrações, suas ideias, suas visões.

E também, por vezes, as atitudes dos profissionais do Grupo são debatidas com pompa e polêmica: “Devemos ser subservientes para com a classe dos juízes ou é melhor sermos ardilosos face à prepotência da dos centroavantes?”.

Uma agência de comunicação é um time que defende, ataca, cria estratégias, faz sonhar. As diferentes áreas de “especialidades” jogam para um objetivo comum que, por coincidência, é o mesmo do cliente. Assim como não parece fazer muito sentido um zagueiro ser ardiloso com sua classe, não é elogio dizer que um planejador é subserviente à criação ou ao cliente. Assim como um ataque agressivo não ganha campeonato se a defesa for fraca, um planejamento forte não serve para nada se a criação for fraca. E vice-versa o contrário.