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Uma capa de revista nunca fez história, um pessimista nunca foi feliz

O bullying da moda é assediar os otimistas: “bobo alegre, ingênuo, ignorante” e a quintessência do palavrão da atualidade, “esquerdista”. O bem pensante, politicamente informado, socialmente responsável é pessimista. Nesse mundo em que a bíblia virou uma revista de economia inglesa pretenciosa (e seus arremedos brasileiros decadentes) é de bom tom profetizar o apocalipse.

A armadilha está pronta. Quanto mais a gente gesticula, mais se enforca porque a confiança é determinante de todas as equações econômicas. Mais importante que o dólar, que a inflação, que a taxa de juros, que a sonegação e a corrupção.

Mas nem Candido acredita mais que estamos bem no melhor dos mundos possíveis: estamos em uma crise que talvez não seja só conjuntural mas abaladora das estruturas e dos sistemas.

E como é que a gente sai dela? Só tem dois jeitos historicamente comprovados: revolução de verdade (e não o convescote nacionalista da Avenida Paulista) ou fé.

Se Napoleão fosse pessimista, ele nunca teria sido imperador. O corso precisou de segurança, autoestima e muito otimismo para transformar derrotas numéricas em conquistas morais irrefutáveis.

Outro dia, uma entrevistada afirmou peremptoriamente “é só não ver as notícias que não tem crise”.

Assim como o pessimismo e a mídia são palavras que se curtem, o pessimismo e a propaganda se odeiam. De um lado da página, a catástrofe, do outro lado, a esperança. E o equilíbrio pode ser saudável.

Mas quem ousa ser pessimista numa agência de propaganda em 2016? Vai levar chumbo. Nos bate papos, nas reuniões, nos briefings, é de bom tom ser reservado, compenetrado, desconfiado, franzir o cenho e soltar um “estou pessimista, viu!”. Mas o trabalho – enorme hipocrisia – a propaganda elle même, será sempre, por definição, alto astral, alegre, crédula, otimista.

Ainda bem, porque se virássemos todos jornalistas, pontificando com a autoridade do número, se a gente desistir de ser publicitário, criador de sonhos, talvez nunca, nunca mais a gente saia do buraco.

Crise de quê?

Existem muitas teorias sobre a crise menos porque saber as causas ajuda a tratar, mas principalmente porque ajuda a suportar as consequências.

Mas a psicologia das causas são um objeto de estudo divertido.

Politização das causas públicas, corrupção, paternalismo do Estado, falta de infraestrutura, de educação, blablabla. Todas elas, sem exceção, terceirizam a responsabilidade, porque também faz parte daquele mesma dinâmica: encontrar um álibi intelectual para sofrer menos e se for a culpa dos outros, melhor.

Todas elas também são causas opacas, complexas e em cuja relatividade reside uma espécie de mística para manter afastada das discussões a grande massa ignara.

Mas esqueceram uma: a crise, esta crise, também é uma crise de fé.

“Não tem jeito. O Brasil não tem. Isso não vai funcionar aqui. Aqui é diferente, nem adianta tentar.”

Essa mesma gente que se empoleira atrás das causas arcanas, suportadas por números transcendentais, é a mesma gente que nunca teve um pingo de fé. Fez de conta que acreditava mas no fundo, não queria porque acreditar significa abalar privilégios.

Mas tem gente que ainda acredita. Muita gente acredita até porque tem pouca alternativa.

E como antes, é essa gente que não tem opção senão acreditar que vai fazer a gente sair da crise. Com ou sem políticos dinamarqueses, com ou sem infraestrutura alemã, com ou sem educação coreana.