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Humanidade bonsai

A vida é a deliciosa ilusão de tentar se encontrar indivíduo.

Talvez nosso mais importante discriminante seja a capacidade que temos de formar um gosto e seu corolário, o senso crítico. É o que nos define, identifica, diferencia, individualiza.

A maturidade não é nada mais nada menos do que o desabrochar do senso crítico.

Mas a modernidade é uma corrente contrária: um contra-fluxo poderoso que incentiva a padronização e premia a vulgaridade.

O gosto que formamos, hoje, se dá através da reputação e da fama em detrimento do conhecimento. Quanto mais estrelas um livro tiver, mais recomendável ele se torna. Quanto mais likes uma notícia, mais relevante. Quanto mais views um fato, mais verdadeiro.

Não importa a opinião referenciada. Não importa a fonte. Não importa a prova. Só importa o sufrágio.

O que será de nós quando a grandeza de uma obra literária será atribuída através da quantificação robotizada de pseudo-inteligentes algoritmos? A Amazon, ou melhor dizendo, o robô da Amazon, monopolista e perdulário, será o crítico definitivo, absoluto, inquestionável, universal, plenipotenciário.

É, muita internet infantiliza. Atrofia.

 

O mau humor é crime e a crítica, pecado

Viver em um mundo cada vez mais apertado tem suas desvantagens, e uma delas é escancarar as diferenças.

Se, algum dia, os estágios de desenvolvimento dos países já pareceram consequência da evolução histórica de suas culturas e portanto, o atraso era tolerável, hoje ele é desesperador.

A evolução não é necessariamente progressista, linear e tampouco inexorável. O pobre pode ficar mais pobre. O ignorante mais ignorante, o doente mais doente, o careta mais careta. Portanto tudo pode piorar e como dá muito menos trabalho piorar do que melhorar, essa é a regra.

No Brasil, no entanto, uma espécie de miopia patriótica contaminou nosso senso analítico. É atávico acreditar que as coisas vão sempre melhorar. E porque dias melhores sempre virão – é nossa bandeira – a gente não exercitou a dialética. Não sabemos e não gostamos de pensar, elaborar, argumentar.

Por aqui, toda crítica de ideias vira crítica pessoal. Os debates não terminam em proposições mas em abraços ou tapas. Tem-se medo do confronto, por simples covardia, falta de argumentos ou preguiça.

No Brasil, a pior piada vence a melhor das teses, sempre.

A incontinência da crítica na Internet

A crítica, assim como o riso, é própria do ser humano.

A crítica faz andar pra frente, e o riso, uma espécie de  antídoto, dá trégua à caminhada. A crítica dá rugas, o riso é anti-age. E, quando a crítica consegue divertir, é como um porre sem ressaca.

E, apesar do lugar comum (“criticar é fácil, difícil é fazer”), a crítica está na origem de qualquer fazer minimamente criativo. A energia inovadora nasce da crítica (ou autocrítica). É quando não concordamos, não gostamos ou não nos basta que surge mais inspiração. Referenciamo-nos, cercamo-nos de outras autorias e, consciente ou inconscientemente, criticamos para criar. Negamos, destruímos, relativizamos, para construir.

E a crítica alheia, maldosa ou condescendente, vulgar ou educada, do nosso próprio trabalho, também acende novas gasolinas internas.

Mas, porque o exercício da crítica é viciante, ela apaixona, e a paixão é uma doença incurável.

Daí vem a Internet: nego compra um megafone na liquidação e sai fazendo passeata por qualquer galinha atropelada.

Lidar com essa enxurrada de opiniões pode causar sérios danos ou muito sono.

Mas, afinal, incentiva-se ou censura-se? É bacana ver todo o mundo tendo opinião de tudo, sobre tudo e, pior, falando para todos despudoradamente?

Então vem o sábio da montanha e diz ” A crítica exige responsabilidade ou costas largas”. Em outras palavras, deixa estar, deixa fazer, e que cada um assuma seus próprios riscos ou acione seus pistolões.

Mas aí vai uma dica: se você tiver venta grande e incontinência digital, lembre-se do riso. Faça graça. A crítica gozada é sempre mais difícil de entender. A crítica que faz rir é também muito mais fácil de digerir. Isso afasta uma pá de problemas.