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Vamos plantar árvores para poder matá-las!

Um amigo me colocou diante da seguinte pergunta: “Se houver um incêndio em sua casa, o que você salva primeiro: seus CDs ou seu iPod?” A resposta foi fácil: “Meu iPod porque tenho amor à vida.” Mas tenho certeza de que eu ficaria infinitamente arrasado de ver tudo queimar. Se todos os livros que quero existissem em suporte digital, eu correria a comprá-los e, de preferência, se eles pudessem vir pelo correio acompanhados do livro de papel.

O que o as modernidades de suporte digital proporcionam é portabilidade, praticidade e economia.

E o prazer de pegar? Prazer sem toque é prazer? Quem nunca acariciou uma bunda de mármore num museu?

E o prazer de ter? Prazer sem posse é prazer? Quem nunca quis prolongar infinitamente um abraço?

Quando Malraux descreveu longamente Tchen apunhalando um homem em “A Condição Humana”, ele legitimava o crime político com o prazer carnal de enfiar a faca no corpo do traficante de armas.

A dead tree society, como todo rótulo em inglês, é muito chique. Mas ainda prefiro folhear uma revista a browsear um site. Ainda prefiro ver os livros empoeirando na estante do que aquele monte de bits adormecidos nos HDs.  Ainda prefiro o manifesto ao espírito.

Quando Jean Genet foi preso por roubar um livro e disse que não sabia quanto custava, mas sabia seu valor, ele talvez também estivesse se referindo ao prazer de esconder o volume junto ao corpo, numa espécie de simbiose sensual com a obra.

Baixar um livro numa biblioteca digital ou uma música na Internet é sensacional. Mas não é roubo porque não tem esse valor aí, o valor de tocar e possuir. E se não tem valor, não deveria custar. Ou muito pouco.

O gozo físico da coisa vale muito mais do que o fugidio simulacro de prazer intelectual proporcionado pelo digital.

Talvez seja por isso que pagar pelo digital só faz sentido se for ridiculamente pouco. Talvez seja por isso também que o físico descuidado, mal-acabado, só faça sentido se custar muito pouco. Um download tem que ser quase de graça. Uma publicação vagabunda idem. Assinaturas digitais e impressões em papel de pão não têm valor.

Não há sacrifício mais nobre do que uma árvore morrer por um belo livro. Não abro mão deles, mesmo que para isso eu tenha que plantar uma floresta dentro de casa.