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O Anúncio da Kia, réu duas vezes

Tudo que o homem cria estará voando em nuvens virtuais de instantâneo acesso, mas enquanto estivermos encarcerados em pele, osso e músculos, a matéria será  nossa âncora existencial.

É de péssimo gosto usar o correio e pior ainda uma rede social para enviar um convite de casamento que deve ser impresso com letra caligrafada. Por que milhões se atropelam nos museus se há séculos somos capazes de precisas e fiéis reproduções? Tudo que se escreve estará digitalizado e a leitura dar-se-á em dispositivos apropriados, mas os livros ainda reinarão para as obras dignas de papel e tinta. Obras dignas de materiazar a criação.

Semana passada, cassaram leões de um anúncio de mídia impressa, sim impressa! O anúncio da Kia foi duplamente réu.

Menos importa o coro escandalizado dos puritanos. Já não interessa tal inveja. Culpa velha.

Mais interessante é o choro dos modernos. Nada mais vale e muito menos essa mídia morta que nos sepulta. Agora só é digno de nota, de esforço, de prêmio, o que flutua na rede, o que se integra em múltiplas plataformas, o que desdobra-se, multiplica-se, em incontáveis canais, insondáveis engajamentos, inefáveis resultados. Um anúncio, criado para papel e tinta, em linguagem de HQ, veiculado numa revista que se vende em bancas? Bobageira e cafonice. Moderno sou eu!

Não tem digital integrated, então não presta?

Já tarda o tempo de inverter a lógica: não tem mídia morta, não merece nem um anúnciozinho, um filmezinho na televisão? Talvez a idéia não seja nem tão boa, tão digna, tão nobre, tão merecedora de posar, em papel e tinta, no  anuário de criação.

Os novos fantasmas da propaganda

Muitos anos atrás, a Internet era uma curiosidade intelectual, como o hermafroditismo dos cavalos marinhos ou o matriarcado das sociedades celtas primitivas. Como é da natureza de todas as idéias divergentes, com o tempo, o assunto tornou-se alvo de ideários inflamados, com argumentos simplórios, como as boutades conservadoras do premier israelense ou de algum ditador africano.

Mas já há alguns anos, a Internet tornou-se uma coceira agradável no discurso de muitos profissionais de comunicação. Uma feridinha que a gente acalenta com prazer, um pecadinho, íntimo, gostoso.

É que na Internet, muitas frustrações se acobertam e o ambiente sorri de volta a ambições fora de moda.

Se a mídia tradicional fechou suas portas para experimentações e ousadias desconexas, temos a Internet para veicular nossas quimeras no Youtube. Se a mídia tradicional encafifou com a forcinha espontânea que sempre deu a idéias originais, sempre haverá um blog “muito influente” afim de dar cobertura gratuita.

Então vemos surgir defesas mirabolantes para investimentos eufemisticamente corajosos: “põe na Internet que a coisa se espalha!” ou “vai dar mídia espontânea”. O intangível e incontrolável justifica.

É assim que nascem os cases de vaudeville que se empilham nos festivais de propaganda.