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A propaganda do futuro

O futuro é uma abstração; o passado, uma interpretação; e o presente, uma zona.

É justamente por isso que só o futuro é inquestionável.

Como será o propaganda no futuro?

A pergunta é maliciosa porque ainda é preciso acreditar em um futuro para a propaganda. Na bagunça do presente, é incerto crer em tanto positivismo. São tantos os policiamentos que resta pouco, muito pouco espaço para conseguir fazer da propaganda o que ela sempre foi quando era boa uma crítica bem-humorada da sociedade, dos costumes, dos hábitos, da vida e dos críticos.


Ilustração: João Linneu

Vivemos num mundo em que os melindres das minorias são muito mais importantes que as piadas da maioria. Qualquer sorriso, qualquer palavra alheia ao vernáculo estéril dos briefings ou dos jurídicos vira ofensa. Tudo não passaria de guerrinha entre concorrentes, se as pessoas – esses seres chamados consumidores – não estivessem cada dia mais caretas, intolerantes e sem senso de humor.

Mas vamos imbuir-nos de otimismo e ter fé em que no hipotético futuro as pessoas vão perceber que fumar não é um crime de lesa-pátria; que chupar chupeta não provoca um holocausto; que gordos, feios e sujos são gordos, feios e sujos; que mulher é diferente de homem e que homem é diferente de mulher; que homens gostam de ver mulheres bonitas e mulheres gostam de ver homens bonitos; e mulheres, mulheres e homens, homens também; que a sátira não é uma ofensa e que não existe humor sem sátira; que o mundo sem humor é chato e monótono e, finalmente, que propaganda é só propaganda.

Nesse futuro aí, ainda deve-se crer que o livre-arbítrio continuará sendo um direito do cidadão, que ele poderá não assistir à televisão se ele achar que a televisão ofende, poderá não entrar num site se este estiver cometendo vergonhosos vícios de opinião, poderá ter uma vida próspera sem nunca na vida ter visto uma única propaganda e viver com saúde só vendo propagandas o dia inteiro.

Para que no futuro possa existir propaganda e se conjecturar sobre ela, ainda será preciso acreditar que ela serve para alguma coisa e que essa coisa não é só entuchar na cabeça das pessoas palavras de ordem e gritarias. Será preciso crer que a propaganda é ruim quando ela subestima as pessoas e que ela é boa quando as surpreende. E que surpreender as pessoas se faz sem perguntar para elas o que querem ver na propaganda, porque não há surpresa assim.
Profecias cifradas, à la Nostradamus, têm alguma graça estilística ou cinematográfica; as outras são divagações.

Se futuro houver para a propaganda, profetizo que ela será legal para quem precisa dela, para quem a vê e para quem a faz.