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O debate cansa a beleza

Foi-se um tempo em que eramos educados no espírito de porquismo. Por definição, eramos do contra, antes mesmo de ouvir. O jogo da racionalidade exigia essa dialética. Não ocorria a ninguém, minimamente educado, ouvir um sermão, uma palestra, uma aula, silenciosamente. O espírito combatente aflorava na mais vaga e sutil tentativa de catequese ou difusão indireta de ideais, quaisquer que fossem. Foi assim que foram às ruas de Paris em 68. Foi assim que tiraram as roupas em Woodstock em 69.

E o que mudou de lá pra cá? Nas idéias e nas descobertas intelectuais, pouco, muito pouco avançamos para além da  sede de participação, de liberdade, de colaboração, de conexão, de ativismo. As ferramentas mudaram, mas o pensamento atrofiou-se confortavelmente. Iludimo-nos com as inovações mas elas operam na superfície. Requentamos as idéias, revestindo-as de uma tradução contemporânea e só.

A tecnologia nos ilude e a despeito de pensar, brincamos com gadgets intelectuais.

Mas o que mudou de lá pra cá? Se nada ou pouco nas idéias, muito na forma. A forma evangélica, identidária, inflamada e enebriante tomou o lugar dos longos embates intelectuais, irreconciliáveis, sanguíneos, guerreiros.

A festa dócil mobiliza mais do que o debate. O pensamento fragmentado seduz mais do que a construção teórica. A reciclagem é mais tentadora do que a originalidade.

Não tem errado nem certo, nem melhor ou pior. Errado só a pretensão de uns e outros. A pretensão inconformada dos jovens de antes e a pretensão messianica dos jovens de agora. Certo mesmo é não se levar a sério.

Criar não é ter idéias

Dizem que Leonardo da Vinci passou 30 anos pintando a Mona Lisa. Ele jamais vendeu nem se desfez da obra que ficou como uma espécie de herança espúria para o rei da França, que abrigara o artista em seus velhos dias. É possível imaginar o barbudão de pijama, pela manhã, admirando a tela inacabada, tomar do pincel e retocar  mais uma vez o sorriso perpétuo. Tá legal, da Vinci foi demais. Aleijadinho se esculhambou inteiro esculpindo seus profetas. Muito também?

Minha amiga é pecuarista. É uma grande artista também. Mas quem disse que ela fica atrás do computador, do telefone, tomando seu chá indiano, fumando sua piteira de marfim, acariciando seus galgos suecos. Ela calça suas botas (de cromo alemão), toma seu cajado (de jacarandá da Bahia), escolhe um dos muitos chapéus corsos e vai para o pasto, pra cocheira, pisa na bosta, toca a boiada.

Criar não é conceber e terceirizar, é conceber e fazer. Porque a criação é um organismo carente que evolui, que se transforma.

Criar não é ter idéias, é fazer as idéias acontecerem. E para isso é preciso conhecer, estudar, inventar. Técnicas, artesanatos, improvisos.

Se Beethoven não fosse pianista, ele não teria composto a nona. Se Rodin não fosse fundidor, ele não teria feito o pensador. Se tantos incríveis diretores de arte não fossem fotógrafos, ilustradores, estilistas, editores, designers, eles só teriam sido medíocres photoshopeiros ou razoáveis art-buyers.