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A síndrome do Nike Fuel

Existem algumas palavras ungidas de superpoderes: inovação é uma delas. Todo mundo quer ser inovador. Todas as empresas têm programas de inovação. Todas as campanhas, os argumentos, as apresentações, os penteados, trajes e trejeitos devem ser inovadores. Ninguém será crucificado por ser inovador. Pelo contrário.

O processo segue mais ou menos o seguinte fluxo.

– Briefing: cabeludo ou banal, dá no mesmo. O cliente quer uma solução de comunicação, tá legal?
– Primeira tentativa: vai de prima, mano.
– Não colou. Tenta mais.
– Segunda tentativa: muda um pelinho na prima-ideia. Estica daqui, remenda dali.
– Não colou. Pensa um pouco, vai.
– Não seja tão racional. Criar é irracional. Boçal. Bestial. Animal! Mais uma tentativa.
– Não colou. Mais uma, vai!

Lá pras tantas, a musa dá o ar da graça e a luz.

– O problema é o produto, pô. Ou o preço. Ou o marketing, o acionista, o sistema capitalista, o consumidor estúpido das pesquisas.
– Sei.
– Andei pensando.
– Opa. Animal!
– E acho que precisamos inovar.
– Ah, inovar, claro!
– Vamos criar um produto que é um aplicativo que é uma ativação que é um troço foda, que tipo assim, vai resolver.
– Titanium, animal?
– Titanium animal!
– E o filme?
– Filme? Quem quer saber de filme? Por isso que eu digo, vocês só pensam em filme de televisão. Depois desse troço foda, o filme é bico. Retrógrado!

Inovar é uma desculpada esfarrapada para desorientar e distrair a audiência. Um santo álibi para a incompetência ou preguiça.

Você já inovou hoje, meu filho?

Inovação é um mantra que vicia dez em dez publicitários, um elixir mágico que transforma um sapo em príncipe, uma mezinha que cura da ressaca criativa, um band-aid que socorre a hemorragia de atenção dos consumidores.

E a gente se envergonha facilmente de tudo aquilo que é normal e tradicional.

Daí a gente bola estratagemas ardilosos, arma a arapuca e engraxa o anzol para pegar o cara. Onde quer que ele esteja.

Na TV, quando ele não está brigando com o Skype; no rádio, quando ele não está falando no celular; na Internet, quando ele está se instruindo com o último sucesso do YouTube; na revista, quando ele vai cortar o cabelo; no jornal, enquanto o sinal não abre. E também no email, quando ele se distrai da tecla delete; na rua, quando ele tropeça e cai de fuça no adesivo guerrilheiro; no show, quando ele responde pesquisa na décima ligação “ativa” de número não identificado às 8 da manhã de sábado.

A regra é “pegue o cara na curva”, e trezentos e sessenta mil graus é a circunferência de nossas estratégias de comunicação.

E lógico, se você descobrir uma maneira de fazer o cara olhar para o céu bem na hora que sua mensagem estiver passando, se você souber que ele vai meditar sobre sua mensagem cifrada – para não dizer envergonhada – simplesmente pelo fato de que você lhe deu pistas a cada passo que deu, se você se assegurar que ele é refém de sua extraordinária estratégia de impacto e freqüência, muito além das ondas catódicas, você alcançou seu objetivo de comunicação: você catou o cara. Parabéns.

Você também conseguiu justificar com maestria sua voracidade libidinosa por inextricáveis planilhas, você deu demonstrações claras de suas antenas conectadas nas mais remotas tendências, você levantou aplausos pela sua sensibilidade transcendental.

Isso sem falar que você disfarçou com virtuosismo sua falta de criatividade.

Que tal pensar um pouco na idéia, antes de calcular em quantos graus se dispersa uma verba?