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Se os olhos são as janelas da alma, o Instagram são as portas

Registrar e dividir o olhar é de uma eloquência reveladora. Tipificar essas observações do mundo é um exercício curioso.

O mundo orbita

A auto-câmera dá a exata dimensão do olhar deste tipo: “farejo o mundo da ponta do meu – imponente – nariz”.

O mundo modelo

Monocromático ou em contrastes saturados a percepção é uma abstração estética: “filtro e higienizo o mundo ao meu clique preciso”.

O mundo mal passado

São tomadas tremidas, impulsivas, repentes de um reflexo obsessivo: “o mundo hostil e cru que me assusta, congela, inofensivo, ao meu toque protetor”.

O mundo enorme

Pulsos aleatórios, agregadores, inclusivos, tentam neutralizar a solidão: “se eu morrer, que saibam onde encontrar meus restos, nesse mundo de meu Deus”.

O mundo elegia

Desilusões do viver, abandonos, dores da ausência carecem de desabafos: “fugi para longe, um longe estranho e diferente. Me esqueçam. In memoriam de mim.”

O mundo se exibe

Finalmente o tipo comum, vulgar e pornográfico: “olha como sou inteligente, bonito, interessante, querido. Olha como eu me amo”.

“Viral virou trivial” ou “É viral, mas não pega”, ou melhor, “Viral de cu é rola”.

Parece que todo mundo descobriu a pólvora molhada. O que liga agora é fazer viral. “Vamos fazer um viralzinho aí, gente!”

Não dá mais para suportar esses modismos, esses surtos modernizantes, essas febres, essas sim, virais.

Mas sejamos construtivos.

As pessoas de repente descobriram que viral é uma maneira barata de difundir uma mensagem. Só não descobriram também que é a mais preguiçosa delas. De repente caíram da cama e acordaram para um fenômeno avassalador. Só não se deram conta de que há mais mistério entre o céu e a terra, etc. De repente, acharam que tudo pode virar viral. Só não falaram “Sim, Pedro Bó!”.

Mas o que está por detrás desse frenesi? Talvez um entendimento gauche do que está acontecendo de verdade nas mídias, digamos, novas.

Será que não era tempo de entender que hoje, o poder está com o consumidor que virou editor que virou media-man? Será que não deu para sacar que quem decide o que vai se “viralizar” (que palavra feia, meu Deus) é o consumidor? Será mesmo que ainda achamos que se manipulam as audiências?

Isso para não falar dessas insuportáveis gincanas baseadas em fatos pretensamente verdadeiros. Isso se tornou hoje quase um atentado à inteligência coletiva. E não se engane quem ache que as pessoas são tolas a esse ponto. Estão carecas de saber que é tudo mentira e só se interessam pelo prêmio. Acho mesmo que está na hora do povo ler William Gibson sem atrasos.

Quando se descobre uma coisa dessas, quando de repente está todo mundo fazendo, quando aparecem “empresas especializadas”, quando enterram caminhões a torto e a direita, eu já desconfio.

Vamos lá, funcionar funciona. Às vezes. Mas o que é funcionar? Se funcionar for “milhares de pessoas foram atrás”, então, beleza. Funcionou. Agora, se funcionar significar “fizemos uma ação ousada que ajudou minha marca a ser mais querida”, aí, sei lá, acho que não. Acho o contrário até. Acho que as pessoas estão mais para dizer “Olha só que trouxa essa marca, ela acha que me engana!”.

Talvez seja mais simples a gente se concentrar um pouco. Vamos fazer filmes legais e daí, pode deixar, não se preocupe não, ele se viraliza facinho, facinho. Vamos fazer promoções, gincanas, jogos, coisas para celular (ai, que preguiça!), legais.

E chega de modismos. Chega de pensar primeiro a mídia, depois a idéia.