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Site de marca: perda de tempo

A sabedoria do consumidor está na capacidade de nos chamar de idiotas se fazendo passar por um.

Pesquisador: Quando você pensa na marca X, como você a imagina na Internet?
João: Ué, mas X não é para beber?

Ainda que essa resposta pudesse ser exatamente a mesma se tivéssemos feito a mesma pergunta 40 anos atrás referindo-nos à televisão, temos um pequeno insight.

A Internet nasceu, tomou biotônico e cresceu como promessa facilitadora.

Quando ela nos ajuda a descobrir como se faz um pão de ló, ela é imbatível. Quando nos permite comparar cré com cré, é muito útil. Quando a gente pode comprar ingresso antecipado para qualquer sucesso de pipoca e gritaria, é um alívio. Quando descobrimos que é possível encontrar pessoas para além do clube, do trabalho e da escola, a Internet cura todo provincianismo atávico. Quando a gente não quer micar na sexta à noite e zerar o fim de semana inteiro, se jogar na Internet é um bom começo.

Síntese do beabá: a Internet é um trampolim de vida lá fora.

Mas e a marca X? De beber, de lavar roupa, de vestir, de dirigir, de pegar dinheiro?

Em vez de jogar o cara lá fora, pra beber, pra lavar, pra desfilar, pra esmerilar ou gastar, vamos inventar moda e parafusar a bunda do cara na frente do computador com falácias de engajamento ou outras histórias pra boi dormir.

Perdemos um tempo doido criando doideiras na Internet.

Mas esquecemos que, salvo patologias nipônicas, as marcas deveriam, antes de todas as pirações online, jogar nego no off.

E todo o resto, todo o resto, é só publicidade.

Rasga-se o soutien, mas o peito sempre cai

Quando dissemos que a televisão estava em estado avançado de putrefação, que os jornais que embrulhavam os legumes na feira seriam substituídos por outras formas mais inteligentes de suportar conteúdos, que a propaganda tradicional estava nos estertores de mentalidades engessadas e caducas, a gente se libertou, rasgou o soutient.

Quem não passou por essa alforria dos discursos e dos paradigmas ainda não aposentou as chuteiras mas perdeu uma grande curtição.

Mas quando percebemos que o peito sempre acaba por cair, a gente encontra dois tipos de postura no mínimo surpreendentes.

A primeira é daqueles que despertaram com uma década de atraso e manifestam um entusiasmo adolescente pelas formidáveis transformações em curso. Nunca é tarde para rejuvenescer, claro, e o tempo perdido é fácil de recuperar. Basta ser capaz de observar e se observar. Mas o que irrita é quando as descobertas “recentes” dessas pessoas são mascaradas pela presunção característica da experiência. Esse tipo de atitude cega o caminho, sempre melhor, que é o do meio.

Mas a segunda é mais maluca ainda e diz respeito àqueles que já nasceram em outra realidade de consumo de meios e perseveram com o discurso e a prática revolucionária. É inacreditável que existam pessoas mais jovens que super-valorizem as mídias ditas “novas” (não tão novas), em detrimento das velhas. É como ver um comunista de 20 anos, de barba e punho em riste, em pleno século XXI, ou um yuppie com 20 primaveras que fala que os fins justificam os meios.

Nem dá raiva, dá é sono, porque a raiva pelo menos excita.

Agora é tarde porque a mídia é morta

Se estamos alarmados – alguns profetizando, outros ironizando – profundas mudanças na forma como se faz propaganda, é porque, tirando todos os excessos praticados de ambos os lados (“quebra tudo” ou “bobagem”), deve haver algum tipo de transformação em curso. Esta observação é pura lógica.

O fogo que produz essa fumaça está evidentemente na estrutura de distribuição livre, incontrolável, universal, crescente, sem filtro, autoral ou mixada, legal ou nem tanto, de conteúdo na Internet. O corolário desse incêndio é que estamos, todos sem excessão, adorando, usando e estimulando o fogaréu. Querendo ou não, assustados ou excitados sopram na fogueira.

Conteúdo abissal e livre de um lado, audiência colossal e imensurável de outro. Eis o binômio da mudança: Conteúdo livre / audiência incontável.

A primeira variável provoca graves comichões nas estruturas de mídia, já que suas histórias e imagens, seus investimentos, seus patrimônios, foram construídos sobre a propriedade de conteúdos.

A mídia tradicional – e por tradicional entenda-se todas aquelas que vendem seus conteúdos direta ou indiretamente, incluindo veículos na Internet, portais, sites que vendem publicidade, etc – faz dinheiro sobre  audiências presumidas ou, mais raro, sobre audiências reais aferidas.

Os conteúdos são criados perseguindo os gostos e preferências das audiências. No entanto, a propaganda  que os financia, tem uma espécie de licença poética, quase parasitária. Os intervalos comerciais ou publicitários, surfam, aproveitando-se delas. A publicidade tradicional – e por tradicional entenda-se todas aquelas que financiam os conteúdos gerados pelas mídias tradicionais, incluindo a propaganda na Internet em quaisquer formatos – não tem “compromisso” com a geração de audiência. Tem como único objetivo “agradar” audiências dadas.

Pois se os conteúdos tendem a escapar pelo dedão do pé, se os conteúdos agora são auto-suficientes e auto-gerados, se os conteúdos estão espalhados livremente na Internet, a propaganda perde seu principal handicap: a dependência que tinha das audiências geradas pelos veículos tradicionais.

Assim pintado, o quadro é preocupante, pois a propaganda não conhece a ciência e os truques de criação de audiência. Sequer sabe como mensurá-la e usar a informação para realimentar o processo de produção “criativa”.

No entanto, trata-se de uma enorme oportunidade para chacoalhar a poeira acumulada em décadas de relativo conforto. Oportunidade para rever processos, estruturas, aferições, mensurações e talentos. Aprender a fazer conteúdo que atrai audiências. Muitas dezenas de milhões de pessoas e não alguns milhares de internautas desocupados.

E se não corrermos atrás, já já, quem sabe cativar audiências, nossos antigos parceiros, os veículos tradicionais, vão saber também seduzir e agradar nossos clientes, dispensando os intermediários românticos que nos tornamos.

A Internet enche que até transborda

Com a Internet, uma nova economia nasceu. Com a Internet, muitas gente ficou milionária da noite para o dia. Com a Internet, a democracia renasceu, e a política e a justiça. Com a Internet, as pessoas estão menos sozinhas, mais participativas, mais poderosas, mais instruídas, mais inseridas, mais criativas, mais, mais, mais.

E também com a Internet, o mundo está menor e mais igual. Com a Internet rouba-se mais, infringe-se mais a lei. Com a Internet o lixo tem seu lugar ao sol, a produção cultural perdeu referências de qualidade. E a produção tout court também. Até nossos valores. E nossa ética. E nossa fé. Com a Internet, ninguém quer mais saber de olhar no olho, nem tocar, nem falar, nem trepar, nem, nem, nem.

Todas as virtudes e todos os vícios: é tudo culpa da Internet.

Tem até uma patologia nova, os internetisícos, que tossem bits. Coitados, ficam doentes se não tiverem um computador, um pad, um celular, uma lan-house à mão.

E tem aqueles outros, os internetofóbicos, que ficam verdes se alguém falar “google”, azuis se ouvirem a palavra “youtube” e explodem só de ver o passarinho azul.

Se pessoas morrem em acidente de carro, não é culpa dos carros, nem das estradas, nem das montadoras. Se as pessoas engordam, não é culpa da gordura, nem da lanchonete, nem do maldito azteca que inventou o chocolate.

Tomara que chegue logo o dia em que a palavra Internet fique obsoleta, careta, saudosista ou bizarra. E que a palavra Criação ou Deus ou Liberdade cresçam e apareçam no tag-cloud.

A conectividade é mais potencial do que real

Costumamos professar o novo paradigma desses nossos tempos: o olho foi para o dedo. Consumir informação e conteúdo é ato voluntário e volúvel ao extremo.

A recitação do mantra libertário nos leva a concluir precipitadamente que a imersão é completa e absoluta, mas se um terço dos brasileiros tem acesso à Internet, isso não significa, no entanto, muita coisa além de uma tendência, uma perspectiva, uma esperança.

As estatísticas são vagas, mas esse contingente colossal, na sua enorme maioria, continua comportando-se exatamente como a Dona Maria que assiste TV enquanto passa uma pilha de roupas: a atividade ainda é esporádica. Não ultrapassa em cliques no teclado, aqueles dados no controle remoto.

Os que barbarizam abrindo tab sobre tab no browser enquanto fuxicam em comunicadores instantâneos, espalhafatam em perfis sociais e compram chocolate em Paris sem sair da poltrona, ainda são poucos. Aqueles que copiam e colam, mushapeiam e produzem conteúdo, menos ainda.

Tendemos a acreditar que o sujeito que assiste um comercial no Youtube, se linka nele, posta nos blogs, twitta pra lá e pra cá aquele brilhante conteúdo publicitário “integrado” em todas as pretensiosas estratégias de redes sociais que criamos. É desconhecer demais a volatilidade das audiências.

Se convém ser abrangente e cobrir variadas plataformas, é boba a ilusão de achar que cada iniciativa vai suportar, incentivar, inflar e torcer pela outra. Esse tipo de raciocínio além de suscitar expectativas equivocadas, leva também a sub-utilizar cada iniciativa individual: a soma de muita coisa “mais ou menos” não significa que o total vai ser muito bom.

Por essas e outras, a maioria das estratégias on-line é muito boa como estratégia e muito ruim no resultado, porque a gente fica achando, sempre, que o povo está muito mais conectado do que realmente está, deseja estar e jamais estará.

A audiência escapa pelo dedão do pé

Até bem pouco atrás, a gente ia lá no software e perguntava “ó, augusto oráculo, como é que se cobre essa gente toda?” E as planilhas cuspiam números. Com douta inteligência e paciente aplicação, otimizava-se a grana sem muito erro. E se as previsões furavam, a culpa era da porcaria que o anunciante aprovou, do lixo que a agência criou e da burrice imprevisível dos consumidores.

A audiência era dada.

Hoje, a pitonisa está esclerosada, o software ficou um pouco lento e bem defasado. Não conseguimos mais alimentar tantas variáveis nem tampouco apurar os malditos consumidores que assistem TV na internet, lêem jornal no computador, revistas nos blogs que as chupam sem nenhum arrependimento, cinema no celular, e tudo o mais no Youtube-o-raio-que-o-parta. E o grande irmão que define quem vai ver o que é o Google, maldito seja. Sem falar que os sem-vergonha dos consumidores espalhafatam tudo a torto e a direito, sem avisar ninguém.

A audiência virou adivinhação.

Então, enquanto nenhuma vestal matemática se habilita, enquanto a gente não acha um jeito simples e seguro de calcular com quanta gente se alcança um objetivo de comunicação, só nos resta concentrar-se na mensagem. Já que é tudo meio chute mesmo, aposentam-se as planilhas, as pesquisas, os dados do passado.

Viramos (ou viraremos) fábricas de audiência e essa coragem aí, de acreditar que a mensagem que criamos é capaz de quebrar tudo de forma imprevisível – pro bem e pro mal –  é o novo talento dos anunciantes.

Aposentem-se os estatísticos, é a vez e a hora dos criativos, de todas as laias.

Nego que vê TV é igual nego que tá na web

Se é verdade que 41% dos americanos entre 8 e 18 anos assiste conteúdo de televisão em outras plataformas além do aparelho que trona na casa de bilhões de pessoas em todo mundo, a constatação pode parecer um atestado de falência premeditada para os fabricantes. (Vale observar que isso é uma tendência de comportamento que irá aplicar-se a todas as faixas etárias e povos). Por outro lado, a previsão parece redentora para quem produz conteúdo televisivo.

É provável que 10 em cada 10 fabricantes de televisão digam que nunca se vendeu tanto aparelho e que 10 em cada 10 críticos da televisão afirmem que nunca a audiência do meio foi tão baixa.

Mas esse debate é chato.

O que interessa mesmo é, a partir dessas evidências, preocupar-se frenética e obsessivamente, em mensurar verdadeiras audiências de conteúdos.

A única saída é calcular de forma exata – e não amostral – todas as audiências somadas e precificar os custos de mídia a partir dessa nova base.

A única saída é um custo único, por audiência, e uma venda verificada. “Nessa estratégia você teve X de audiência – eis a comprovação – portanto você deve Y onde Y é X vezes o custo unitário”. Ou variantes escalonados dessa equação (com tetos e pisos ou faixas de descontos).

Já dá pra imaginar os espíritos de porco dizendo que a audiência do computador é diferente da televisão, da revista, do celular, do vídeo game, do sinal de fumaça, da telepatia. Complicação sócio-antropopops. Audiência é audiência e ponto final.

A morte anunciada do Copyright

Em 1878, em um congresso literário, Victor Hugo disse:

“O livro, como livro, pertence ao autor, mas como pensamento, pertence – a palavra não é grande demais – ao gênero humano. Todas as inteligências têm nele direito. Se um dos dois direitos, o direito do escritor e o direito do espírito humano devesse ser sacrificado, seria, certamente, o direito do escritor, porque o interesse público é nossa preocupação única, e todos, eu declaro, devem passar antes de nós”.

A ousada declaração dispensaria qualquer comentário, não fossem os tempos que vivemos e que o gigante não conheceu.

Victor Hugo não sabia que menos de um século depois, o gênero humano se conectaria em rede, através da união anárquica e orgânica de bases de dados, pilotadas a distância por qualquer membro da espécie munido de um computador e da boa vontade atávica no desejo de aprender, crescer e dar sentido à vida.

Victor Hugo não sabia que a força que move essa união exponencia-se em função da mola motriz dos homens, a tecnologia e o consumo.

Victor Hugo não sabia que da extraordinária capacidade de processamento, integração e comunicação que a Internet permite, nasceriam uma produção intelectual, cultural, científica e humanista sem precedentes.

Victor Hugo não sabia que a Internet seria tão vital à sobrevivência humana quanto o ar que ele respirava.

Mas ele sabia que, dos confins de uma espécie de consciência primitiva, o homem é egoista. Que o domínio do saber e do pensamento é um privilégio e uma arma de opressão. Ele também sabia que o domínio público é mais forte e mais fértil.

No final do século XIX, antes mesmo de existir, decretou-se o fim do copyright.

Os especialistas dos “Tempos modernos”

Vamos chamar um specialist da silva pinto e um expert de souza quadro.  Quanto mais arcana, misterioso ou difícil de entender uma atividade, mais a gente complica inventando cargos, funções, responsabilidades e organogramas.

Desde que a Internet virou a ultima fronteira, nunca se criou tanto apertador de parafusos. De fazer Adam Smith parecer ingênuo. Utilizar a grande rede, só se for partilhando o trabalho em minúsculas atividades, cuidadosamente costuradas por uma espécie de governança, um tarefeiro muito valorizado chamado gerente de projeto. Tem nego que só faz escarafunchar as redes sociais, outro que inventa moda pra gerar a fofocaiada vital, mais um que toma as medidas e as temperaturas, mais um que responde, outro que pergunta, outro que escreve, outro que apaga, outro que filtra, outro que toma café e outro que cobra. E tudo isso tem lindos nomes.

É como aquele monte de rituais que a igreja inventou, aquela liturgia sagrada, cortina de fumaça para esconder a volúpia por debaixo das batinas.

Tem gente que nem chegou a essa suprema sofisticação, tem gente que ainda usa os profetas multi-poli-sábios, mas esses estão fora de moda.

O que pega agora é montar essas estruturas, esses polvos organizacionais “para te atender na sua estratégia on-line”. Chama o especialista em unha encravada, doutor!

Mas tem algo que não orna. A Web é por definição, interligação; por gênese, “faça você mesmo”, por vocação,  espírito de porco.

Muita técnica, muita bíblia, muita moral, civismo e ética, muita matemática e excesso de regras … esse monte de especialista, sei não…

Porque a produção publicitária é tão tosca?

Existem poucas histórias. Talvez uma única. Um herói que se dá bem no começo e acaba se dando mau no final. Ou o contrário. E existe uma única estrutura para contá-la: “é assim”, “não é bem assim”, “e ficou assim”. Ou uma baguncinha dessa lógica.

Assim como Haydn criou algumas centenas de sinfonias em apenas 24 tonalidades, 7 notas, 5 linhas na pauta e só duas claves, escreve-se aos borbotões há milênios, e é sempre a mesma coisa. Da bíblia aos panfletos evangélicos, de Boccaccio a Dan Brown, de Montesquieu a Jabor, do Gorila da Cadbury a … cite uma propaganda porcaria, são tantas…

Não se criam histórias novas há milênios, e por isso tenta-se relativizar: é original nessa linguagem, é inovador para essa categoria, é totalmente surpreendente para essa marca.

Quando queremos contar histórias, na televisão ou no cinema, no namoro ou no boteco, na literatura ou na propaganda, a arte está no contar e não na história.

Sofismas à parte, a gente persegue demais a história e de pouco o contar. E contar é “como” e não “o quê”.

Isso tem duas conseqüências desastrosas – pelo menos duas – para a qualidade da nossa propaganda.

A primeira é o calvário paralisante do arsenal de pesquisas que tentam dar colo à insegurança. As pesquisas contam a história para as pessoas em formatos primitivos, animatics, storyboards e outras monstruosidades, nivelando sua capacidade de apreciação abaixo da linha do analfabetismo funcional.

O segundo desastre é a qualidade das produções que são precisamente o coeficiente “contar”. Como a história parece mais importante do que a forma de contá-la, de que vale o acting, a locação, os efeitos, a música?

“Economiza aí que isso não é importante. Faça um filminho vagabundo, desses que tem na Internet que dão milhões de views. O importante é a história”, como se qualidade de produção fosse a mesma coisa que qualidade da imagem, como se os consumidores que perseguimos, ignorantes, pobres e burros presumidos, não se acotovelassem para ver o “Avatar” da vez nos cinemas. Blockbuster com uma história bunda em um contar inebriante.

Vai dar saudade do Twitter

A Internet é pródiga em fenômenos que surgem como cogumelos endiabrados. Nascem e prosperam em uma madrugada, apodrecem ou procriam e ensinam um pouco.

Assim é o Twitter, uma ferramenta de relacionamento que virou estilingue de reputação ou pedestal da vaidade.

O “fenômeno” tem seus momentos de grandeza quando obtém esporádica redenção na mídia doura-pílula, manifestando vozes mudas do Irã ou do Haiti.

Mas profecias e estatísticas à parte, o Twitter é o que ele não nascer para ser: uma RSS comunitário. É nisso que é bem sucedido, sob uma perspectiva de mais fôlego. Se ele vai sobreviver como marca e plataforma independente é cedo para dizer.

Se o Twitter é isso aí, um espalha conteúdos entre pessoas pertencentes a uma mesma confraria, o que vem primeiro, o feature ou a comunidade? Dá para prever que o Twitter está mais para um apetrecho, um aplicativo de comunidades já estabelecidas do que um agregador de pessoas. Ele não conseguiu ser mais do que uma única boa idéia, que, como todas, para sobreviver, deve fermentar outras, sem parar.

Ele despertou para o estrelato como sempre é, na Internet: o pequeno bonitinho foi a bola da vez. Mas não sucumbiu, foi sucumbido, sem querer, ao star-system. Ele nasceu para estar na origem de agrupamentos comunitários do tipo “meus amigos do Twitter” e virou isso aí, uma catapulta para o Big Brother ou de outras mais renomadas estrelas do show bizz ou do esporte. Catapulta de esperteza.

O Twitter já perde fôlego, já perde velocidade, já perde interesse.

É uma pena, mas é assim mesmo, coisas do mundo líquido.

A Internet acabou com a nossa raça

Quando inventaram a imprensa, inventou-se o Estado. Nasceu o rádio e o mundo ficou pequeno. Viajamos para o espaço e a terra era azul. Criamos a televisão e a humanidade ficou parecida.

Surgiu a Internet e nos perdemos.

O que é mais útil? O baço, o pâncreas, a vesícula biliar ou o Google, a Wikipedia, o MSN? Quantos minutos da sua vida, quantos dedos do pé, quantos cabelos você dispensa por um acesso à Internet?

Por que o saco de alguns macacos adultos é azul? Por que os Gnus são os melhores amigos das zebras? Por que a gema dos ovos da Tanzânia é branca? E por que, por que diabos a gente precisa saber disso tudo?

Por que é que quando não chega email na caixa postal me sinto abandonado? Por que é que só me sinto vivo com muitos  gigas à mão? Só me sinto Eu com meus perfis? Não saio de casa sem a parafernália digital ao primeiro clique?

Sempre achamos que quanto mais se soubesse das coisas e quanta maior a nossa memória, mais evoluídos seríamos, bem sucedidos, grandes, fortes e raçudos.

E com a Internet, acabam-se as dúvidas e o saber individual perde  sentido. Está todo mundo igual demais.

Como isso é chato.

A Internet e a evolução

O que faz o gnu pastar impassível ao lado do leão? A  zebra dividir o riacho com a hiena? O leopardo se espreguiçar calmamente por sobre o rebanho de gazelas? E turistas barulhentos exaltarem-se com o rinoceronte impávido?

A evolução é uma luta desesperada pela sobrevivência. Uma lei natural que descarta o mais fraco e premia o mais adaptado.

O fingimento, a mentira, a brincadeira, a piada e até a má intenção são incidentes sem importância que se perdem na noite dos tempos.

Desde que a primeira forma de vida surgiu na Terra, a verdade como reflexo manifesto é fator da soma, da multiplicação de interações idênticas.

E o homem inventou a Internet, uma espécie de conexão planetária entre os humanos, uma reafirmação definitiva, inatingível, incontrolável também, de pertencimento. Nem as estradas romanas, as circunvoluções marítimas dos portugueses, as regras mercantis dos árabes e chineses, os tratados territoriais, os organismos políticos, as leis internacionais, as telecomunicações e tampouco as religiões, os mitos e historias universais, nada foi capaz de conectar a humanidade, dando-lhe sentido. A Internet inventou a comunidade de humanos.

Quando bilhões de pessoas interagem na wikipedia, no google e nas redes sociais, dá-se a realidade, outrora relativa, intangível e interpretativa.

As verdades deixam de ser abstrações. São realidades, doravante e para sempre, documentadamente “evolutivas”.

Matem os profetas

Ainda se discutem muitos modelos. É o esporte favorito das agências de propaganda: desenhar estruturas para integrar as novas mídias na dinâmica de trabalho.

Resistências à parte, culturais ou financeiras, ignorantes,  teóricas ou pragmáticas, o debate passa por delimitação de espaços.

Ninguém duvida mais que do nível de energia gasto nessas definições depende a sobrevivência do negócio de comunicação e das ambições pessoais.

A Internet é o presente da era de aquário: bagunça criativa. É mídia e não é. É concentração e descentralização. É livre e devassa. É início, meio e fim. É emissora e receptora.

As agências de comunicação organizaram-se, há décadas, em torno de uma lógica: anunciantes precisam comunicar-se através de meios de comunicação que vendem espaços publicitários nos quais são veiculados os conteúdos criados para as marcas.

Dessa lógica, nasceu a estrutura básica das agências: uma área para receber o pedido do anunciante, o Atendimento, uma para negociar espaços, a Mídia, e mais uma para criar o conteúdo, a Criação. Os outros cacarecos, são suporte, back-up e produção (planejamento, pesquisa, e tal e coisa).

Daí vieram os profetas que vaticinaram milhões de veículos-consumidores ou milhões de consumidores-veículos.

– Vamos comprar o quê, Santo Deus?

– Pagar com que moeda, Virgem Nossa Senhora?
– Em que formato, meu Pai do Céu?

O Atendimento, que foi treinado a resolver problemas não sabe mais onde enfiar o pedido do cliente: na mídia, na criação? Na criação depois da mídia ou na mídia depois da criação? Todos ao mesmo tempo?

Complicações que vêm se resolvendo no tapetão. Se a mídia da agência é poderosa, ela decide. Se for a criação, passa por cima e se for o atendimento, resolve tudo sozinho. Daí, a mídia cria, a criação faz mídia e o atendimento vai fundando uma agência por cliente.

É uma zona que preferem chamar de integração. É uma briga de poder que preferem chamar de inovação. É uma fogueira de vaidades que preferem chamar de revolução.

Matem os profetas ou vamos tomar um lexotan: que tal se a mídia só fosse atrás dos espaços? A criação atrás dos conteúdos? O atendimento atrás dos clientes?

A opressão do Google

Uma pesquisa aponta que mais de 70% das pessoas que fazem compras em supermercados consideram essa atividade um pé no saco. Tem outra que diz que a maioria das pessoas vai às compras com a lista, ou parte dela – inclusive de marcas – decidida.

O suplício tem muitos motivos: orçamento apertado, mau humor do cônjuge, histeria infantil, luz gelada, fila, gente feia e a constatação de que todo esse tempo e dinheiro estraga a dieta. Compras de supermercado: se não matam, engordam.

Mas quando você tem a chance (ou o azar) de ir às compras sem obrigação, é possível isolar um indizível motivo de sofrimento: a liberdade de escolha. Colocar pesos e medidas, racionais e emocionais, entre tanta oferta é fator de insegurança. Fora a tentação pecaminosa do supérfluo. Liberdade uma ova.

Excesso de escolha aprisiona.

Um rebelde caçador na savanas africanas costumava lembrar-se dos elefantes em disparada quando encontrava-se na cadeia. Uma tropa de paquidermes sem freio era sua metáfora de liberdade salvadora.

Será mesmo que a Internet é nossa Meca de liberdade? Conceitualmente talvez, na prática nem um pouco.

A Internet peca por opressão de abundância e a falsa sensação de livre arbítrio.

E se os motores de busca fossem tiranos disciplinadores? E se os indecifráveis algoritmos de relevância, monetizados ou não, premeditados ou não, fossem obscuros inquisidores?

E se o Google fosse o HAL-9000 de “2001 – Uma odisséia no espaço”?

A Rede Globo era o grande irmão? Sei não.

Um dos nós górdios da audiência na Internet

Existe um número mágico que mede o alcance de algumas mídias, em particular as impressas. Estima-se, há muitos anos, que cada exemplar de um jornal e revista seja lido por 3,5 pessoas em média. Esse número, embora queiramos crer que em algum momento tenha sido comprovado, é uma convenção. Ele serve de base para todos os cálculos e, assim, permite uma aproximação mais realista da audiência desses veículos. É claro que ele é discutido, pois é provável que uma revista, por exemplo, de conteúdo adulto ou de variedades seja lida por mais pessoas do que uma de engenharia ou de caminhoneiro. Da mesma forma que convenções de discurso como “bom-dia” e “obrigado” são salutares ao bom convívio social, esses multiplicadores de alcance são universais e benéficos.

No entanto, o número mágico não se aplica aos conteúdos publicados on-line. Há uma lógica por detrás disso, é claro. A Internet, como mídia, está baseada num fundamento matemático: tudo pode ser medido com exatidão. Sabe-se a quantidade de visualizações de um conteúdo, a quantidade de visitantes únicos, o tempo de permanência dos visitantes naquele conteúdo, etc. A Internet é uma mídia precisa. Porém, assim como não é aceitável considerar que uma revista seja lida apenas por um único leitor (o dono da revista), ainda que um conteúdo na Internet seja lido em primeiro grau por apenas uma pessoa (ninguém empresta seu computador ou celular), existe um componente nunca mensurado nas pesquisas, a saber, o potencial de viralização do meio.

É, portanto, válido aceitar que um conteúdo publicado (ou veiculado) em um site tem um coeficiente multiplicador, na medida em que ele pode ser facilmente difundido, seja através de um simples copy-paste num email, seja através de RSS ou reproduções automáticas. Em decorrência disso, um mesmo conteúdo (integral, em trechos ou modificado) pode alcançar muito mais pessoas do que simplesmente o visitante de primeiro grau quantificado pelas estatísticas de mensuração. É precisamente nessa qualidade intrínseca do meio on-line que reside seu poder diferenciador. É exatamente aí que reside um dos nós da audiência na Internet e, por falta de raciocínio a respeito, uma parcela significativa do impacto de um conteúdo é expurgado de todos os cálculos.

Antes de propor uma solução (ou uma tentativa de), é importante relativizar a comparação entre a mídia referida no início (jornal ou revista) e a Internet (em qualquer meio, jornal ou revista on-line, blog, rede social, etc). Na mídia tradicional, o que define o multiplicador é o suporte físico do conteúdo. É uma espécie de fator da “durabilidade” do meio. Um jornal ou revista só pode ser lido por certo número de pessoas, porque a temporalidade é limitada. E, assim, convencionou-se que essa validade é de 3,5 leitores por exemplar. A Internet, por sua vez, é uma mídia autorrenovável. Não existe vida útil de um conteúdo publicado on-line. Ele pode perpetuar-se inumeravelmente como uma fênix.

Podemos dizer que um conteúdo on-line tem sua vida útil condicionada a dois fatores: a pertinência ou simplesmente o interesse, por um lado; e a capacidade de viralização de cada pessoa impactada, por outro. Em relação ao primeiro, quanto mais “interessante” for o conteúdo, maior a capacidade de reprodução. Esse é o dado intangível e impossível de mensurar. Vai de sua criatividade, impacto, estilo, originalidade, etc. Propomos, portanto, não nos aventurarmos em tentar quantificar tal fator, para não entrarmos em divagações conceituais.

Quanto ao segundo, a capacidade de viralização de cada pessoa impactada, esse sim, talvez seja possível mensurar ou convencionar.

Tomamos como base a visitação do conteúdo. É o ponto de partida que deveria, portanto, ser multiplicado por um fator. Vamos aceitar como referência de cálculo os número de visitantes únicos do conteúdo, dado simples de obter.

A Internet proporciona diferentes atitudes por parte de seus visitantes. Alguns contentam-se com a interação do zapping. São visitantes passivos, na medida em que frequentam a Internet apenas e tão somente para ler, assistir ou ouvir conteúdos produzidos por outros. Esta é a primeira classificação de atitude. A segunda atitude diz respeito àqueles que, além de serem passivos, em maior ou menor grau também produzem seus próprios conteúdos (um email é um conteúdo produzido, assim como um blog, um comentário em uma comunidade, etc.). A terceira atitude refere-se aos que viralizam conteúdos produzidos por terceiros, seja através de um simples copy-paste ou de qualquer edição mais ou menos sofisticada.

A proposta aqui é, por conseguinte, encontrar a parcela de pessoas que possuem um comportamento de “viralizadores” na Internet. Esse número não é difícil de obter. É um valor que só se mensura por declaração dos entrevistados, mas ele é possível. Ele pode ser mensurado em clusters ou pela média (viralizadores gerais da Internet, viralizadores entre usuários de determinado tipo de conteúdo, entre usuários de redes sociais, etc).

O segundo fator a ser pesquisado é encontrar ou estimar o número de contatos de cada pessoa. Ou seja, o número médio de pessoas com os quais cada indivíduo se relaciona na Internet. Mais uma vez, o resultado pode variar de acordo com o tipo de cluster, número de contato gerais médio da Internet ou em determinada rede, o que também pode ser obtido facilmente e de duas maneiras: por declaração em pesquisa ou por informação do cluster estudado, quando se trata de uma rede social, por exemplo.

Se multiplicarmos a porcentagem de pessoas que viralizam conteúdo pelo número médio de contatos, podemos obter um aceitável multiplicador de visitantes.

É claro que nesse número estão expurgados os graus subsequentes, mas é mais razoável ater-se ao primeiro grau: já que procuramos estabelecer uma convenção, é prudente encontrar um número bastante conservador.

Para fins comparativos, é possível também estabelecer diferentes convenções para cada tipo de categoria em que se insere o conteúdo: o potencial de viralização de uma rede social, por exemplo, é certamente maior do que o de um portal, para categorizar em apenas dois grupos.

Para ficar ainda mais fácil de entender o princípio, vamos a um exemplo:

Digamos que determinado site da categoria “portal” tem 1.000 visitantes únicos por mês. O número médio geral de “viralizadores” é digamos 20%, e o número médio geral de contatos é 20. Portanto, a audiência desse site é de 1.000 + (1.000 x 20% x 20) = 5.000. O multiplicador convencionado de um “portal” seria, portanto, 5.

Se esse mesmo conteúdo estiver inserido em uma rede social com o mesmo número de visitantes únicos, teremos um cálculo de audiência diferente, já que há um número maior de viralizadores entre aqueles que pertencem a redes sociais, assim como é maior o número médio de contatos desse ambiente. Por exemplo, se o número de viralizadores é de 40% em redes sociais e o numero médio de contatos for 50, a audiência desse conteúdo passa a ser 1.000 + (1.000 x 40% x 50) = 20.000. O multiplicador convencionado de uma rede social seria, assim, 20.

Esse cálculo pode fazer toda a diferença para efeitos comparativos do impacto potencial de um conteúdo publicado em uma determinada mídia on-line e outra. Ainda, esse número pode ajudar a parametrizar a Internet na mesma lógica de outras mídias tradicionais.

A presente proposta é, evidentemente, uma idéia; entretanto, já é mais do que tempo de nos debruçarmos sobre esse tema, para não corrermos o risco de continuarmos considerando a Internet uma mídia misteriosa e de difícil apreensão. Dessa forma, quanto mais cedo criarmos essas convenções, mais rápido poderemos converter inteligências para um cenário de mídia que a cada dia cresce em complexidade.

Finalmente, o número multiplicador resolve apenas parte do problema, uma vez que a lógica da Internet como mídia deve continuar a ser alvo de estudos e raciocínios próprios. Devemos cessar de raciocinar com adaptações acochambradas, imprecisas, e míopes, ou o controle fundamental das ferramentas de mensuração inviabilizará definitivamente o mercado editorial e publicitário tradicional. Ou tentamos desatar os nós, por mais inexatas que pareçam essas tentativas, ou a esfinge nos engolirá.

O mea-culpa da mídia de massa

“O jovem está menos na TV por causa da Internet”, “O hábito de consumo de mídia mudou por causa da Internet”, “A TV e o jornal morreram por causa da Internet”, Blá-blá-blá-blá-blá.

Profetiza-se muito sobre o futuro das mídias e, apesar disso secretar uma interrogação perturbadora, uma
espécie de dor de cotovelo ou um entusiasmo reacionário, ninguém ousa mais revelar suas angústias.

“A plataforma não interessa mais”, “As plataformas são complementares”, “A TV tem que convergir pra Internet”, “A Internet tem que convergir pras outras mídias”, Blá-blá-blá-blá-blá.

A conclusão de dez entre dez raciocínios bem-pensantes do “novo papel das mídias” passa inconscientemente por uma espécie de fatalismo: “Vamos nos adaptar, a Internet é uma realidade”. Conclusão essa que resulta num mash-up trágico: conteúdo televisivo na Internet, internauta na televisão, e por aí vai para citar só alguns.

E agora, a questão não é mais apenas entender o funcionamento de cada mídia, o papel do conteúdo em cada plataforma, o formato, a gramática e a linguagem de cada meio.

Talvez seja mais construtivo entender a Internet como consequência e não causa. Não é “por causa da Internet que a TV deve ser isso ou aquilo”, mas porque a TV é isso ou aquilo, que a Internet é o que é.

Em outras palavras, energia de mais é investida em adaptar as mídias antigas ao ambiente digital e energia de pouco em pensar como as mídias antigas deveriam se adaptar às novas demandas das pessoas. Não é por causa da Internet, é por causa das pessoas.

Antes de assumir a derrota, deveríamos assumir os erros. Antes de pensar na Internet, deveríamos pensar nas nossas mídias “antigas”. E pensar nas mídias antigas não deve significar necessariamente “internetizá-las”.

Não é só porque as pessoas querem participar, não é porque as pessoas não aceitam mais a estrutura hierárquica da difusão de informação e entretenimento, que as mídias antigas estão ameaçadas. É porque elas erram em outras lógicas próprias, de formato e linguagem, que elas despertaram nas pessoas essas vontades.

Essa inversão de raciocínio é muito mais excitante e desafiadora: como é que voltamos a ter importância, como é que voltamos a cativar o jovem, como é que voltamos a ser hábito, sem mexer uma única linha na lógica das mídias de massa, por definição de poucos para muitos e com uma postura passiva das audiências?

Só pensamos naquilo

Todos vocês já devem ter notado como estamos ficando mais rápidos, mais informados, mais inteligentes e preparados. São os bônus dos tempos pós-pós-modernos.

Não é um problema de estresse pelo excesso de conteúdo informativo. Acreditamos na quase infinita capacidade de expandir a nossa percepção.

Não precisamos de curadores. Desejamos amplificadores de informação.

Não queremos um guru. Queremos milhões de sacerdotes da palavra.

Não gostamos de economia nem de essência. Gostamos de fartura e de multiplicidade.

Somos desplanejados e imediatistas, graças a Deus.

Mas também estamos ficando com mais olheiras, piores motoristas e muito mal-educados.

“O que vou escrever no meu twitter, facebook, blog etc”. Dormimos cada dia mais tarde porque temos que ler tudo que queremos ler, escrever em todas as comunidades que precisamos alimentar. Haja creme anti-age, compressa de chá de camomila, botox ou óculos escuros.

O trânsito está um caos. Sorte das redes sociais, dos blogs, dos aplicativos de celular. E só tende a piorar, porque é um olho no carro da frente, outro no celular. Uma mão no volante e a outra no teclado. Um neurônio na rua e três bilhões nas infovias. O trânsito não é um problema, é uma solução.

E como é bom descobrir todos os dias os milagres da vida: “Como é que eu vivi tantos anos sem isso e isso e aquilo!” Não dá mais para almoçar com os amigos sem verificar o nível de decibéis da sala, se a mesa está no prumo, qual é a temperatura (presumida e falsa) em Moscou. É falta de educação, mas estão todos na mesma, às vezes postando no twitter o que iremos ver segundos depois entre uma garfada de frango e uma goiabada (tudo no mesmo prato, claro).

No fundo, são poucos os prejuízos, não é mesmo? Porque, para os possíveis danos cerebrais, basta dar um reboot, de vez em quando, e bem rápido. Crtl-Alt-Del em algum lugar bem primitivo, ridiculamente ultrapassado, tipo um spa, uma viagem de avião sem internet ou uma noite, dormida.

E pronto, estamos novos de novo pra só pensar naquilo.

Ressuscitem São Tomé

No último relatório da Organização Sul-Africana para o Desenvolvimento da Pesquisa Científica (SACR), pesquisadores da ou University of Cape Town anunciaram o isolamento de um vírus de computador de incontrolável efeito. Nada de muito novo, não fosse esse um vírus de verdade, como os que nós humanos pegamos a torto e a direito. Um vírus orgânico.  Para Jackson Jukjevick, autor da descoberta, “a agressividade desse vírus é tal, que ele atua não somente nos softwares e sistemas operacionais, mas nos circuitos internos dos computadores”.

Uma lei acaba de ser aprovada pelo Senado francês: pessoas que se apropriam de conteúdos regidos pelas leis universais dos direitos autorais copiando-os em seus ambientes digitais são passíveis de prisão inafiançável. Embora a lei não pareça surpreendente, um dispositivo especial também foi aprovado, segundo o qual não são necessárias provas formais da cópia, bastando apresentar uma impressão de tela do conteúdo copiado para caracterizar crime.

Um hacker inglês entrou mês passado nos servidores da Wikipédia em sua versão romena e, fazendo uso de um robô, alterou todas as definições ali encontradas, negando todas as afirmações. Todas. Por exemplo: onde se lia “a Mona Lisa foi pintada por Leonardo da Vinci”, lê-se agora “A Mona Lisa não foi pintada por Leonardo da Vinci”. O engraçadinho ainda teve requintes de substituir autorias como, por exemplo, no caso da lei geral da gravidade, o hacker atribui a formulação ao obscuro cientista romeno Vladislav Marinono.

É tudo verdade? Não. Essas afirmações foram integralmente criadas para o propósito desse artigo. Mas digamos que essas pequenas mentiras tenham sido publicadas blogosfera afora e que elas tenham tido alto poder de contaminação. Em tempos de informação fragmentada, em tempos de desvirtuação das autorias, em tempos de bagunça virtual, a veracidade é diretamente proporcional à capacidade de reprodução. Toda mentira tem seu momento de glória na Web.

Ainda vivemos em um momento de incipiente anarquia. Mas ela promete piorar muito. Ainda convivemos com o conforto proporcionado por velhas (decrépitas) instituições. Enciclopedistas ainda existem. Dicionaristas idem. E livros e publicações e outras mídias centenárias. Mas não por muito tempo. A menos que…

A mídia (velha) morre a cada dia um pouco, quando tenta competir com criação e produção de informação. Como competir com milhões, bilhões de autores ensandecidos? Como competir com a gratuidade dos conteúdos postados por qualquer mané? Como competir com bilhões de correspondentes que testemunharam o fato in loco? A menos que…

A menos que a velha mídia ressuscite e cumpra um novo papel. E seu papel talvez tenda a ser uma espécie de “autenticador de veracidade”. Em vez de criar, validar e dar provas.

E, em tempos de informação push, recebemos o que nos interessa a qualquer momento, em todas as plataformas. A velha mídia ganhará um renovado valor quando ela for capaz de vender a comprovação.

Vem aí, em breve, o reconhecimento de autenticidade on-line que filtra o joio do trigo, o gato da lebre, a verdade da mentira. Uma espécie de São Tomé virtual.