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Vender ou ler

No Ipad não dá pra ler o último livro do Jonathan Safran Foer. O livro, todo recortado, página por página, mais parece uma lápide à mais formidável invenção humana: o livro.

As bibliotecas bocejam, os autores se aborrecem, as editoras soçobram. O imenso auto da fé e o pesadelo de Ray Bradbury em Farenheit 451 na porta da Apple: Ipads saindo de roldão.

O que será da promessa de universalização do conhecimento com os e-readers? O que será da democratização da cultura e da informação com a alforria das florestas de papel?

Vai ser mais barato, mais prático, mais rápido, comprar, ler, instruir-se, divertir-se, enriquecer-se?

No dia que um teleférico subir o Everest, o Everest não será mais o Everest. No dia do teletransporter, viajar não será mais uma viagem. No dia do sexo sem limite, obstáculo ou possibilidade do fracasso, o sexo divorcia-se-á do desejo.

Nem tudo que simplifica e espalha, enobrece.

Vender mais livro digital, por enquanto, só significa que se vende mais livro digital. E vender só significa vender. Vender, vender e vender não é nada além de vender.

iPad ou a arte do vazio

A maior mentira do milênio é acreditar que a tecnologia é uma mola do progresso.

Desde que ela saiu dos escaninhos, tomou marca e mercado, uma espécie de parnasianismo troncho nos empossou. E, assim, o desejo de transpor fronteiras e cercar-se de potencialidades materializadas por próteses tecnológicas tornou-se irresistível.

Passamos a querer e possuir o inimaginável, o ainda não sonhado. E o encanto dura até que o mistério dos recursos anunciados seja desvendado ou desmascarado. O valor do produto é diretamente proporcional às suas promessas. Quando elas caem por terra, o charme é quebrado. Até a próxima novidade.

Cercamo-nos de sucata em gestação, cada vez mais efêmera, cada vez mais vazia. O nome do bicho hoje é o e-reader, mas daqui a pouco será outra belezura ainda mais cheia de juras.

Então cá estamos nessa situaçãozinha ridícula.

– Funcional significa algo que não sei como usar e que provavelmente nunca vou aprender. E, se aprender, deixará de ser “funcional.

– Beleza – ou uma palavra mais in: design – significa funcionalidade. Portanto, quanto mais “funcional” for uma coisa, mais bela ela será.

– E, no limite, desejamos belas potencialidades vazias.

Assim, o livro vazio, sem uma linha escrita, o disco sem a mais tímida melodia, a partitura sem nota, sem ideia nem forma, ganha valor. E quanto maior a possibilidade de TUDO, quanto maior o NADA, mais valor.

Se tecnologia é sinônimo de progresso, de que progresso estamos falando?

Os Lusíadas valem nada perto de um iPad virgem.