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A Internet é lenta

No recente relatório da Advertising Age sobre macrotendências do consumo de mídia, uma delas chama a atenção: “Apesar da Internet, estamos assistindo mais e não menos TV”.

Em média, um ser humano assiste 3 horas e 12 minutos de TV por dia (crescimento de 3 minutos nos Estados Unidos só em 2009).

São várias as inferências possíveis a partir da afirmação, mas a mais óbvia é o movimento que as próprias emissoras e produtoras fazem, em todos os países, para melhorar a sua programação, oferecendo as mais variadas grades, para maiores públicos e com um esforço qualitativo notável.

A televisão permanece com uma combinação de trunfos imbatíveis.

O primeiro deles é a qualidade das transmissões. Embora esse diferencial tenda a perder importância em função do progresso tecnológico, quando se fala de qualidade não é apenas “qualidade de imagem” mas qualidade de curadoria, de escolha de programação. Espera-se que uma televisão faça um filtro editorial no seu conteúdo. Na Internet ainda prevalece a regra do “deixa que acho” e o lixo que parasita em volta, caudatário das equações de busca, pode causar muita frustração e afastamento.

O segundo trunfo – que quando combinado com o da qualidade – ainda é, de longe, o mais poderoso, capaz de atrair cada vez mais audiências: o “ao vivo”. A Internet é tosca, confusa e muito lenta – porque exageradamente variada – para a transmissão ao vivo de qualidade. Não é à toa que os programas ao vivo são recordistas de audiência: programas esportivos (Copa do Mundo ou Super Bowl) ou jornalismo (guerra na favela, eleição ou queda de avião). A própria dramaturgia também caminha para ser cada vez mais “ao vivo”, como é o caso do American Idol ou o Big Brother no Brasil.

Vivemos na era da instantaneidade, característica que tanto beneficia a Internet na sua capacidade de atrair populações incontinentes, mas o fenômeno também contagia a televisão que surpreende as profecias mais negativas, fazendo valer-se de sua ainda extraordinária capacidade de oferecer conteúdos de qualidade ao vivo.

Salvo nichos de consumo, a televisão como meio de massa tem de ser a televisão da sua própria pré-história: sem edição, em moto contínuo de transmissão, no pulso da rua e da vida das pessoas.

A receita publicitária da Internet é uma peneira para as agências

Dizem que 10% de todo o dinheiro investido em propaganda é na Internet (e subindo). Dizem também que desse dinheiro não pinga grande coisa nas agências. Também pudera.

Se acreditarmos que a utilidade final do trabalho de uma agência é decorrente de sua capacidade que um conteúdo publicitário tem de impactar, convencer ou engajar consumidores, faz algum sentido acreditar que esse valor é fator tanto do conteúdo quanto do veículo no qual ele será inserido. No entanto, duas lógicas justificam o cálculo de remuneração de uma agência como mais dependente da mídia do que da criação do conteúdo.

A primeira é óbvia. Como em qualquer trabalho intelectual, é impossível estabelecer uma correlação matemática entre qualidade de um conteúdo e quantidade de horas/pessoas que trabalharam nele. Logo, é impossível precificar, com alguma racionalidade, a remuneração de uma agência.

Por outro lado, um conteúdo mal veiculado, por melhor que seja, não tem valor. Um conteúdo bem veiculado, por pior que seja, tem valor. E o melhor conteúdo bem veiculado tem muito valor.

Existem formas, já clássicas, de gerar receitas atrelando-se a remuneração ao sucesso. No entanto, além desse controle ser difuso, ele não é exclusivamente dependente do produto final da agência. Remuneração por resultado pode ser muito bom ou péssimo para a agência, independentemente da qualidade do conteúdo publicitário que ela criou.

Como agências precisam ganhar dinheiro para existir, parece fazer algum sentido que esse dinheiro seja oriundo de um cálculo feito sobre “a mídia” veiculada. Além da correlação de dependência ser mais clara e lógica, é mais transparente e mais fácil de calcular e justificar.

Só que na Internet tem cliente que compra direto dos veículos e tem veículo que vende direto para o cliente. Só que na Internet tem empresas que compram mídia sem cliente e depois vendem picado para aqueles que aparecerem. Só que na Internet tem agência que acha que a Internet é um bicho diferente e de tão diferente não sabe como cobrar. Só que na Internet tem cliente que acha que a Internet é um paraíso esquisito em que tudo pode e tudo pode de graça.

A crise nos jornais não é culpa da Internet, é culpa de quem achou que na Internet tudo era diferente. Conteúdo de graça igual a receita pelo ralo.

E vem crise por aí, também nas agências, porque toleram veículo bom de drible, agência boa de moita e cliente bom de papo.

Minha tevezinha

– Você vai viajar esse fim de semana?
– Não, quero ficar na minha casinha, tranquila, com minhas gatas e minha GloboNews sem som.

– Menino, tire logo deste desenho!
– Vó, só mais um pouco.
– Vai começar minha novelinha, dá o controle remoto aqui.

– Chato esse canal.
– Parece que nada acontece.
– É. Vamos mudar.
– Vamos. Outras propagandas!

– Vamos na Mostra de Cinema?

– Ver o quê?
– Um filme sueco.
– Suécia? Hoje não! Vou assistir o Seu Silvio.

– Vou ao Brasil no fim do ano.
– Que ótimo! Já tem programação?
– Praia, feijão com arroz e a novela das 8.

– Esse menino é engraçado, sabe?
– Por quê?
– Ele chega da escola, deita no sofá com o PlayStation, fica escrevendo pros amigos no celular, arrasta o computador e só dá para ouvir o tuc-tuc-tuc das teclas.
– Como toda criança na idade dele.
– É, como toda criança: é só ligar no Pânico, na Champion League, no desenho e até no Jornal Nacional que fica abilolado grudado na TV.

Dizem que a TV está ficando tão boçal, tão burra, tão sensacionalista, dizem que a TV tem mal de Parkinson, cólera e urticária, dizem que a TV trona putrefata nos lares de 180 milhões de brasileiros, dizem isso e aquilo e aqui também já se disse muito.

Apesar da merda anunciada, TV é como cheirinho de café, refogado cozinhando, bolo assando. Dá para viver sem, mas que dó de saudade que dá!

O Apartheid entre as mídias ditas novas e as “mal ditas” velhas

Passamos um bom tempo, nos últimos 10 anos, tergiversando para as novas mídias, sobre a mudança de consumo dos meios de comunicação e sobre o impacto que a Internet tem sobre a forma como eles são consumidos.

Entusiasmos e ceticismos à parte, a originalidade desse discurso virou lugar comum.

Assim, desfilam diuturnamente pastas recheadas de belos cases online. E como todo social-climber que regurgita sua declaração de renda para dourar seu sucesso, os números de visitas, usuários, views, bounce-rate, time on site, conversão etc. determinam a qualidade do trabalho. O números pontificam o sucesso. É como aquelas cintas que indicam “mais de um milhão de livros vendidos em todo o mundo” nos livros que mais um milhão comprará justamente por isso. É como se a televisão estampasse no canto da tela o número de televisores ligados on-line.

Mas assim como nem todo mundo lê os best-sellers que compra, assim como nem todo mundo assiste à TV que liga, nem todo mundo aprecia os conteúdos contabilizados com pompa e circunstância no YouTube.

As mídias novas ainda pautam seus argumentos comerciais de forma quantitativa, exatamente como as mídias ditas velhas.

Será que assim dá para poder comparar? Será que ainda precisam equalizar uma espécie de disputa de investimentos entre as diferentes mídias?

No entanto, ainda que possamos justificar a simplificação para fins didáticos, o que acelera a tomada de decisões cada dia mais precoce, essas análises esquecem ou ocultam uma fronteira nítida na atitude fundadora do consumo das mídias ditas passivas (velhas) e as ditas ativas (novas).

Nas mídias velhas, na TV, na revista, no jornal, o hábito determina o ativo de audiência. Os conteúdos são submetidos aos públicos com poucas, ou retardadas,  possibilidades de interação. Os conteúdos são achados por força do hábito. Nesse caso, faz muito sentido quantificar a audiência: são tantos milhões de pessoas do target impactadas. A volatilidade dos públicos é previsível. Sua fidelidade, idem.

Nas novas, na Internet, é a vontade que determina a audiência Os conteúdos estão à deriva para serem buscados. E muitos são esses conteúdos na infinita geleia digital. Na Internet, a qualidade dos conteúdos não pode mais ser mensurada quantitativamente. Ou não apenas. A volatilidade dos públicos é infinita. Sua fidelidade, imprevisível.

Nas mídias antigas, a qualidade do conteúdo determina a audiência futura. Mas a audiência de hoje (que se vende) é a audiência do hábito, portanto, deve e pode ser vendida de forma quantitativa.

Já nas novas, a qualidade do conteúdo não determinará a audiência futura. A audiência de hoje (que vale) é a audiência daquele conteúdo, portanto, não pode ser vendida de forma (apenas) quantitativa.

O gerúndio da mídia

Vivemos um momento de extraordinária ebulição na mídia que ninguém é capaz de apreender ou explicar. Para não ficar no já desgastado padrão de comparação “Mídia tradicional” x “Nova mídia” que se refere basicamente à oposição de plataformas “Erráticas” x “Dinâmicas” ou a práticas editoriais distintas “Broadcast” x “Colaborativas”, a atividade vulcânica do debate é proporcional à velocidade com que novos comportamentos no consumo de mídia se tornam hábito. E, evidentemente, a “radicalidade” dessas transformações – todas interrelacionadas – tem profundos impactos na organização de toda uma indústria muito habituada à autocrítica e pouco afeita a mudanças práticas.

– Borboleteando

O consumidor de mídia não tem mais nem tempo nem paciência para acomodar-se aos ritmos de apuração e produção tradicionais. Sua capacidade de pesquisa é inversamente proporcional a sua voracidade: qualquer busca tem de ser atendida num piscar de cliques, e quanto maior essa velocidade, mais rápido o consumo. Ele quer muito e muito rápido, como se fosse morrer no final de todo dia. O nó górdio que os produtores de conteúdo não conseguem desatar é como atender a essa escalada de superlativos. Como equilibrar um investimento em estrutura de produção com uma demanda tão exigente e fugaz ao mesmo tempo?

– Franqueando

O consumidor de mídia nunca entendeu direito por que certos conteúdos custam e outros não. Ele não percebe com clareza qual é a moeda que lhe paga a audiência que ele gera. Isso se intensificou obviamente com a explosão indiscriminada e desregulada do acesso a conteúdos que ele considera bons e gratuitos na Internet. A televisão aberta e o rádio ainda permanecem as únicas mídias “tradicionais” tão transparentes quanto a Internet: a audiência é remunerada pelo conteúdo, e o conteúdo é remunerado pela audiência. O pacto está quebrado com a mídia impressa e é nela que se concentra a maior das crises.

– Verdadeando

O consumidor de mídia já não crê mais na verdade, mas nas verdades. Ele entende ou intui a intenção ideológica por trás de cada produção, de cada opinião, de cada apuração. Assim, ele adere ao princípio de que a verdade é um processo multifacetado, é uma construção colaborativa, é um gerúndio. Isso não significa que ele despreze a qualidade. Ao contrário, ele crê na temporalidade, na efemeridade das verdades que se sedimentam com o filtro do tempo e da unanimidade. Assim, o compromisso de um veículo de comunicação desloca-se. Sua reputação passa a ser assegurada não mais por uma verdade “comprovada”, mas pela capacidade plural de debater verdades “temporárias”.

Antes das discussões acaloradas e infrutíferas sobre modelos de negócio que sejam capazes de enfrentar a dilaceração das audiências que não querem mais pagar e desprezam a pretensa autoridade das grifes de mídia, a questão central é obviamente de reforma cultural no seio dos veículos.

Antes de lamentar, rebelar-se e unir-se em torno de pactos desesperados e de pressões institucionais, mais vale reestabelecer transparência na relação entre produção e consumo de conteúdos.

A corrente parece ir muito mais na direção da reciprocidade: toda audiência e toda colaboração serão remuneradas.

Para ser capaz de atender à demanda feroz por mais e mais conteúdos, parece ser mais efetivo responder com semelhante ferocidade, explodindo, terceirizando e universalizando a produção. Colaboração remunerada, evidentemente, na proporção da audiência que ela gera.

Os veículos transformam-se assim em hubs editoriais que viabilizam a comercialização publicitária dos conteúdos gerados pela miríade de criadores independentes que negociam “a quem mais der” ou sem nenhuma exclusividade suas produções.

Estabelece-se de volta um pacto claro de toma lá dá cá com as audiências que também são, no limite, elas mesmas produtoras.

Por fim, como conciliar os interesses de um ocaso ainda muito rentável e uma competição muito dinâmica, agressiva e monopolizadora? Parece não haver nenhuma saída a não ser o enfrentamento com aporte de recursos proporcionais aos desafios e alianças muito estratégicas.

Parece não haver outra possibilidade a não ser uma faxina profunda e radical de mentalidades.

Publicado originalmente no jornal Meio & Mensagem de 20/09/2010

O New York Times sem papel. E daí?

O que tem de bombástico o anúncio de Arthur Sulzberger Jr. de que “algum dia, o New York Times deixaria de ter versão impressa”?

Nada. E impressiona o fato do que a mídia, no mundo inteiro, repercutiu a frase, como se fosse uma profecia assegurada.

A mídia continua confundindo o meio de campo e segue achando que a revolução que está em curso refere-se tão somente a uma questão de plataforma ou device.

Se o papel vai deixar de ser um suporte para o New York Times ou qualquer outro veículo de mídia impressa, é, com muito boa vontade, uma simpática afirmação digna de um congresso de ambientalistas histéricos. Portanto, tão irrelevante quanto óbvia.

Há muito tempo que a questão não está mais em como sustentar um suporte velho como o papel e que sempre chega e chegará com atraso à casa das pessoas.

As questões centrais estão na forma como o conteúdo é produzido, quais são seus custos fixos, como lidar com os direitos de autor e como garantir um mínimo de apuração.

O centro das preocupações deve ser como construir um novo laço de conexão com os leitores que não dependa mais da superioridade decorrente da propriedade da informação, pretensiosamente encabeçada pela mídia. O consumidor de informação não tolera mais essa superioridade, de poucos para muitos.

Os jornais podem desistir amanhã do papel e estar só online, no éter ou nos sinais de fumaça, que eles continuarão ameaçados ao persistirem com uma estrutura própria e exclusiva de produção de conteúdo.

A Internet é mais que uma plataforma

Já existe mais de um celular por habitante no país e já, já vamos encontrar uma situação similar na Internet: as pessoas tendem a ter muito mais do que um ponto de acesso a ela.

Quando o F/Radar, pesquisa que calcula há 3 anos os comportamentos dos consumidores em várias áreas, inclusive Internet, a primeira providência na montagem do questionário foi tentar encontrar uma forma nova de acessar esse dado sem cair nos vícios burocráticos tradicionais (filtros inadequados, perguntas mal compreendidas etc.). Logo na primeira leitura, o número de “internautas” (palavra odiosa criada no ultrapassado apartheid digital) saltou significativamente em função da metodologia e principalmente porque em vez de medir a “posse” de acesso à Internet simplesmente mediu-se o acesso. Muitas pessoas (a maioria) não pagam uma assinatura de Internet, mas nem por isso podem ser consideradas excluídos digitais. Afinal de contas, lan-houses, pontos de acesso gratuitos, casas de amigos e parentes dão oportunidade a muitas pessoas que não podem pagar por um provedor, mas mesmo assim são “internautas”.

Mas ainda falta uma população muito grande de brasileiros com acesso à Internet muito pouco pesquisada quantitativamente. Trata-se de toda a geração de pessoas que nasceu quando a Internet já era relativamente popular: os adolescentes entre 12 e 16 anos. Quando começarem a ser contabilizados e estudados, o número deve saltar mais uma vez e, principalmente, veremos surgir, nos números, uma geração multiconectada, com hábitos e comportamentos muito distintos daqueles que se adaptaram.

Esses indivíduos, que somam mais de 10% da população brasileira, certamente têm a Internet como central nas suas vidas. A mesma centralidade que a televisão tinha numa geração anterior. É muito provável que, para eles, muitos paradigmas válidos para a mídia tradicional  estejam invertidos, em particular no acesso à informação e entretenimento. Para eles, a Internet é sem dúvida a  plataforma prioritária.

Quando comparamos as plataformas (Internet com TV, por exemplo), podemos inferir que a interatividade e a colaboração exercem uma mudança radical de comportamento nesse público. Um veículo que não considere essas duas características como centrais (e não adereços pseudomodernizantes como o fazem a maioria dos veículos tradicionais em suas plataformas digitais), seria um veículo com menos prestígio, credibilidade e popularidade.

Da mesma forma a velocidade no fornecimento da informação e a gratuidade do conteúdo são os alicerces de qualquer veículo que pretenda atingir essa geração, e consequentemente, a geração seguinte, daqui a alguns anos. Pagar por algo não palpável é um contrassenso para eles. Muitos pensam que a responsabilidade dessa maneira de pensar é dos veículos que disponibilizaram seus conteúdos de graça no início. É miopia pensar assim, porque o que está em questão é a própria credibilidade da estrutura tradicional de geração de conteúdo: broadcast de poucos para muitos. Na Internet tudo é de muitos para muitos.

Ainda, o conteúdo livre de direitos é outra pedra de toque para essa geração. Para eles, a reserva autoral de lei não é injusta, é incompreensível. A própria noção de autoria não é fator da origem criadora do conteúdo, mas da divulgação deste. Em outras palavras, criador não é quem cria mas quem espalha.

A questão central pra mídia não é mais a adaptação de plataforma (embora muitos ainda patinem nessa chucrute);  o fulcro da mídia na Internet é interatividade, colaboração, velocidade, gratuidade e uma nova autoria.

Informar-se é tão inútil quanto relacionar-se

Nem percebemos, mas por que consumimos tanta informação? Será mesmo que instrumentalizamos tanta coisa, que tem alguma função prática nas nossas vidas saber do último crime passional, do mais recente sobressalto econômico, da insurgência libertária de um país distante, da catástrofe natural que assola os paquistaneses? E, ainda que nos entretenha, divirta ou acrescente alguma pimenta à vida feijão com arroz que levamos, ainda que tenham-nos incutido que informar-se genericamente é bom para nossa carreira, definitivamente, saber do último hit noticioso é tão útil quanto as últimas diabruras da Narizinho.

Mas o que faríamos na segunda-feira de manhã? No jantar da terça, no break da academia, nos almoços, cafés, preâmbulos de reunião e outras horas tão inúteis do nosso dia a dia? O que faríamos senão comentar tanta inutilidade?

Nem percebemos, mas por que somos tão socialmente ativos? Será mesmo que precisamos de tantos amigos, camaradas, relações, contatos? Para que serve conservar laços com aquele amigo que bifurcou para longe na infância, do amigo do camarada da relação do contato de quem nem lembramos o nome? Ainda que ter um address book transbordante seja uma marca de relevância pessoal, ainda que tenham-nos incutido que bem relacionar-se genericamente é bom para nossa carreira, definitivamente, ser o campeão das conexões é tão útil quanto as amizades da pelada no recreio da escola.

Mas o que faríamos no Orkut, no Facebook, no Twitter? O que faríamos de tanta coisa que armazenamos sem utilidade, o que faríamos de tanta gente de relevância duvidosa? O que faríamos senão pescar assunto para alimentar nossas redes? Pescar assunto na “Mídia” para alimentar a “nossa mídia”.

Alguém ainda tem dúvida de que as redes sociais online são muito mais relevantes na vida das pessoas do que as mídias tradicionais?

Alguém ainda tem dúvida de que as pessoas se informam mais e com mais prazer no Orkut do amigo do que no jornal quatrocentão?

Se houvesse um único real para investir em novas plataformas de distribuição de informação, esse real deveria ir para as redes sociais.

Matar e morrer pela audiência

Um agregador de conteúdo de informação compila o que está disponível, organiza, ranqueia e, geralmente, cita a fonte do material. A Internet criou esses megaclippings gigantes e gratuitos. São muito úteis.

Os produtores de conteúdo de informação não estão muito contentes, claro, porque acreditam que perdem audiência (sic) e, consequentemente, receita. Eles alegam que não é muito justo porque produzir custa caro, enquanto que agregar não custa nada (sic). Também dizem que esses ladrões estão ganhando às suas custas (sic).

O nó górdio do debate, no entanto, não está nesses agregadores (Yahoo News, Google News), mas sim em duas regrinhas que decorrem do hábito de consumo de conteúdo na Internet: nada é exclusivo e nada é pago. Portanto, a justa remuneração de todos os jogadores deve advir da venda da audiência gerada. Matar e morrer pela audiência.

Produtores e agregadores só deveriam preocupar-se em geração de audiências, massivas, qualificadas, segmentadas, fidelizadas e, para isso, é preciso entender as audiências, pesquisá-las, atendê-las, convidá-las a participar. Ouvi-las.

Produtores de conteúdos de informação ouvem pouco suas audiências. Medem muito, mas ouvem pouco.

Agregadores só ouvem. Ouvem muito e mudam muito.

Existem duas formas típicas de se informar. A passiva, o hábito; e a ativa, a procura. Os produtores de conteúdo de informação investem – sempre investiram – em estimular, acalentar ou criar o hábito. Já seus novos concorrentes só querem saber de adaptar-se aos hábitos das audiências.

O bonde está passando. Não é dando as mãos que a gente vai segurá-lo.

A mídia tradicional cada vez mais irrelevante

Quantos anos tem a Internet comercial no Brasil? 15 anos? Se assim for, vamos chamar a geração nascida a partir de 1995 de geração W. Para eles, inclusive para os digitalmente excluídos, a Internet não é um aprendizado, é um dado. Que você tenha ou não carro, a invenção do carro mudou a forma de organização da sociedade, dos tecidos urbanos, das mentalidades, da cultura. Que você tenha ou não acesso à Internet, a transformação é semelhante em intensidade e provavelmente maior em velocidade e abrangência.

É provável que esse menino de 10, 12, 15 anos tenha hábitos de consumo de mídia diferentes. É tão natural para a geração W assistir a um filme na Internet quanto era para nós assistir ao Tela Quente. É tão natural para ela baixar músicas gratuitamente na Internet quanto era para nós copiar para cassetes os discos dos amigos. É tão natural para ela se informar na Internet quanto era para nós assistir ao Jornal Nacional. É tão natural para ela ter 300 amigos de redes sociais quanto era nos relacionar com meia dúzia de colegas da escola. É tão natural copiar e colar da Wikipedia para o trabalho de escola quanto era xerocar páginas da Britânica.

E basta observar para se dar conta de que isso muda muita coisa. Por exemplo, esses garotos talvez estejam mais maduros do que nós na idade deles e a informação que eles regurgitam talvez venha prioritariamente das microrresenhas das ferramentas de busca, das notícias espalhadas pelos amigos nas redes, da enciclopédias online.

Uma marca constrói sua reputação e adesão no imaginário das pessoas desde cedo. Essa também é a função da propaganda: influenciar prospects. O menino pode até nem tomar cerveja, mas a imagem das marcas se forma inconscientemente para torná-las preferidas ou rejeitadas quando ele puder ou quiser experimentar. E essa experimentação será influenciada pela imagem que se criou desde sempre, na sua cabeça, no seu coração. Boa se ela é boa, ruim se ela é ruim.

Portanto, para essa gurizada, informação e notícia quem dá é o Google, o YouTube, a Wikipedia. Não é o jornal do seu pai, a TV da sua mãe e a enciclopédia do seu avô.

Julgamentos de valor à parte – se isso é bom ou ruim não interessa mais pois é irreversível – qual é o valor que as marcas tradicionais de informação e entretenimento estão construindo?

Ainda que se possa dizer que não há produção de conteúdo no Google, no YouTube e na Wikipedia, que tudo o que lá está é agregado de outras fontes criadoras, a relevância nessas novas plataformas é dada por popularidade e não por reputação. Essa diferença pode fazer um blogueiro ser mais importante que uma redação de 200 jornalistas, um filme caseiro mais visto que um de milhões de dólares, um verbete escrito por uma pessoa mais acreditado que toda a biblioteca do congresso americano.

Por outro lado, se uma marca é indicada por outra, a imagem da segunda é subserviente à primeira. O Top of Mind, que tanto determina a prevalência de uma marca sobre as outras, fica sempre para a primeira, a indicadora, o Google, o YouTube. E isso tem consequências dramáticas para as receitas publicitárias que, na melhor das hipóteses, são divididas. O agregador fica com o bolo; e o criador/produtor, com a sobra.

Enquanto os produtores de conteúdo continuarem desprezando esses já consolidados aprendizados, as novas gerações continuam acreditando, difundindo e realimentando relevâncias que não têm mais nada a ver com tudo o que nós achávamos relevante.

O Mundo não está perdido

Semana passada, selou-se um memorável acordo: a troca de participação do mais tradicional jornal da França, “Le monde”, mais que uma empresa jornalística, uma instituição nacional.

Por mais de 100 milhões de Euros, três investidores assumem o desafio de salvar o jornal: Pierre Bergé, Xavier Niel e Matthieu Pigasse.

O que tem de surpreendente essa nova investida para enfrentar os tempos bicudos que assolam os jornais de todo mundo há vários anos? O que tem de arrojado o compromisso que derrotou a poderosa oferta do Nouvel Observateur (uma espécie de Veja no conteúdo e na ideologia), do Grupo Prisa (uma espécie de Abril nos tenáculares poderes) e da France Telecom (uma espécie de estatal privada)? O que tem de irônica essa vitória que tanto desagradou ao presidente Sarkozy, com seu apetite pela cobertura midiática e que enfrenta os piores indices de popularidade já registrados por um presidente francês?

Acima de tudo, a biografia dos novos donos da casa.

Por detrás das manchetes “people” que estampam Pierre Bergé como companheiro por décadas de Yves Saint Laurent, há também o formidável empresário que construiu a marca YSL, o homem de grandes causas como a Sidaction, a bem sucedida campanha de arrecadação de fundos para a luta contra a Aids na França, o amigo dos socialistas poderosos, o idealizador e proprietário de “Tétu”, a revista GLS mais influente do país. Bergé também é um homem com um gosto apurado pela cultura e manifestações artísticas.

Xaviel Niel é o mago da Internet que dá dinheiro. Proprietário da Free, o maior provedor de acesso à Internet na França, Niel começou sua carreira criando os endereços de encontros eróticos no Minitel (o avô francês da Internet commercial). É também um feroz e contundente defensor da liberdade na Internet, opondo-se do alto de sua imagem de “enfant terrible” do empresariado francês e 12o homem mais rico do país, à todas as tentativas de coibir, legislar ou regulamentar o acesso (como a lei Hadopi, um projeto anti-diluviano que restringe e pune os infratores do direito autoral on-line).

Matthieu Pigasse foi o mais jovem talento a assumir a direção geral do banco de investimentos franco-americano Lazard Frère, aos 34 anos. É um empresário que curte Beckett e recita Spinoza, além de ser fino conhecedor do Rock. No ano passado, adquiriu a revista Inrockuptible, um sucesso de vendas há anos na França, e talvez a mais importante publicação independente de cultura jovem do País.

O Le Monde vendeu no ano passado, em media 288 mil exemplares (dos quais 130 mil assinantes) por dia, ou seja uma repetição paulatina das quedas de tiragem dos anos anteriores: – 4%.  O grupo emprega mais de mil pessoas, dentre os quais 280 jornalistas só para o jornal.  Além do jornal, a empresa possui revistas (Télérama, La Vie, Courrier International e Monde diplomatique) e uma plataforma na Internet (lemonde.fr e lepost.fr). Apesar da diversificação e dos investimentos continuados em meios digitais de fazer inveja a qualquer periódico brasileiro, Le Monde acumulou um prejuizo de 25 milhões de Euros só em 2009.

É evidente ainda que o contrato de controle acionário prevê total e absoluta independência editorial à redação. Os novos donos do jornal não podem, por contrato, ter qualquer ingerência no conteúdo dos veículos, sendo esse integralmente controlado por um conselho editorial de jornalistas. Ainda que essa ética nos pareça ficção, principalmente no nosso país em que os principais jornais são de propriedade majoritária de famílias que nem sempre são fãs da deontologia e transparência, esse tipo de estrutura é comum no mundo, digamos, tarimbado de civilização.

Ainda que não se possa prever com exatidão quais serão os movimentos de mudança pelos quais o Le Monde irá inevitavelmente passar, é de admirar-se e encher-se de esperança com a guinada modernizadora ancorada pela biografia dos novos donos do jornal.

É de um novo protagonismo que a mídia carece, aqui como lá. De ar fresco, sangue nos olhos, menos pretensão e mais ousadia. Caso contrário, a condenação, ainda que não venha por mecanismos mercadológicos e econômicos, virá por atentados democráticos e culturais irreversíveis. Ainda que não percamos nossos respeitáveis jornais, perderemos as novas gerações.

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 11/07/2010

Nossa propaganda da geração espontânea

Faça assim: pegue uma camisa de marinheiro, dessas bem fedidas e jogue no porão de um navio. Espere alguns meses e quando você menos esperar, daquela coisa podre, nascerão milhares de horrorosos mickey mouses com peste bubônica.

O povo tem se acanhado cada vez mais em programar e defender as chamadas mídias tradicionais. É quase como se estivessemos pedindo desculpas: “olha, aqui vamos fazer uma campanha de televisão, mas não se preocupe, vão ser filminhos de 30 segundos, daqueles lá que se fazia antigamente, com atores, trilhas e tal, sabe? Mas veja que todo o suporte de mídias stroboscópicas vai complementar a estratégia”.

E até situações mais inusitadas ocorrem: “caro cliente, essa é uma coisa revolucionária, vai acontecer bem devagarzinho, nas mídias sociais, e vai crescendo, crescendo, crescendo de tal forma que não vamos precisar de nenhum único filmezinho na televisão, nem revista nem coisa nenhuma. Vai ser uma bafafá e iremos cobrir todo o nosso target apenas com a boa vontade da mídia falada, escrita e televisionada que vai se acotovelar para publicar nosso feito”.

Ou mais psicodélico ainda: “vamos criar um fato novo, que nunca ninguém sequer imaginou possível. E sabe o que vai acontecer? Não vamos fazer nenhuma mídia e sequer vamos precisar produzir nada. É uma espécie de estratégia pré-pasteuriana: vai ser tudo geração espontânea. Quem tem que nos consumir vai também nos divulgar.”

Ficou tão escalafobético mostrar um mapa de X que os mídias estão com os dias contados. Ou os planejadores já que tudo é espontâneo e intuitivo. Ou os criativos porque estão terceirizando a mão de obra com os consumidores.

E no final, para a broxada geral, a decepção e a mágoa, vem o dono da caneta que nos lembra que ele comprou um pacote de televisão. O dono da batata que avisa que no dia seguinte ele quer todas as Severinas fazendo fila na porta da loja. Ou nerd maldito: caiu o servidor. Ou o patrão que só se arrisca nos festivais.

Pergunta ingênua: qual foi a última vez que você trabalhou, como consumidor, para uma dessas campanhas de mídias sociais? Não minta: eu disse trabalhou, ou seja, acompanhou, seguiu, produziu, espalhou, tudo ao mesmo tempo, como se fosse a última coisa que você quisesse fazer na vida?

O jovem divorciou-se do jornalismo?

Outro dia, num evento lotado de gente bacana, jovens na maioria:

– Tem muita reportagem de televisão aqui, né?
– Pode crer. É para meus pais essa parada.

Era assim que os dois analisavam a cobertura jornalística do acontecimento, referindo-se em particular à equipe do CQC presente para seus rompantes.

Não existia possibilidade de ir para a escola e depois para a faculdade sem ter lido o jornal, de preferência a Folha, e obrigatoriamente a Ilustrada, que muitas vezes carregávamos dentro do caderno. Ler jornal era uma questão de sobrevivência social. E também era importante ver o Jornal Nacional e ler a pré-degringolada da Veja.

Responsabilizar a Internet pelo desinteresse da molecada pelo jornalismo tradicional, broadcast, encurta demais o raciocínio. Sim, a função hard-news desempenhada pelos veículos tradicionais perdeu algum sentido. Sim, a fome por liberdade e voz é incomensurável.

Mas, sem dúvida nenhuma, a responsabilidade é no mínimo compartilhada. Muito pouco ou quase nada se fez nos jornais, nas revistas e na TV – o rádio é um caso à parte – para entender o novo contexto do consumidor de notícias, particularmente o jovem.

As incorporações “participativas” do jornalismo cidadão nos veículos tradicionais são um truque muito meia-boca para dar conta do recado de reconquistar, seduzir e fidelizar o jovem. Sempre soa como um arremedo que não parece funcionar em plataformas nascidas para serem broadcast.

Por outro lado, os esforços de reforma editorial tampouco parecem ser fundamentados ou inspirados para atrair nossos leitores/espectadores do futuro. Parecem maquiagem porque pouco se ousa em nome daqueles que ainda não aposentaram seus hábitos. Quem assumiria o risco de enfrentar o vovô, enfurecido cada vez que seu jornal muda uma coluna de posição?

Por isso, talvez seja mais inteligente e rápido criar produtos paralelos, mais ousados, para aprender e experimentar o diálogo com essa galera que acha que jornalismo é coisa de paizão querendo saber o que está acontecendo com o mundo, com a rua, com o jovem.

A Veja é só uma espécie de Arnaldo Jabor

Na Grécia antiga, a platéia era parte do espetáculo. Ao coro que julgava, dirigiam-se os personagens. Numa tourada, o público decide quantas orelhas o matador merece, ou o rabo de glória suprema. No estádio, a torcida é camisa 12, joga e decide.

Quando a audiência passou a ser vendida ela se tornou um ponto na curva. Quando a audiência virou número, ela deixou o espetáculo e seu julgamento é tardio. Quando a mídia passou a ser hábito antes de deliberação voluntária, o público virou massa. E a propaganda nasceu.

Nessas mídias de massa, o conteúdo é comandante que move as audiências em migrações quase involuntárias.

Até que um dia, a gente acordou e sacou que tinha sido enganado. Que nosso gosto tinha sido lobotomizado por décadas de conformismo crítico. Porque de repente você vê algo que lhe emociona e que não estava na mídia. Porque você sabe de algo que a mídia omitiu ou mentiu ou traiu. E a gente vira pária da bem-pensante burguesia e do mundo.

Mas quando surgiram outras vozes, infinitas novas vozes, alguns, de massa, desceram do pedestal e foram para a vida também. Outros calcificaram-se de soberba.

Quando isso aconteceu com quem viveu a transição, foi uma revelação mas para a maioria das novas (e futuras) audiências, a Veja é só uma opinião bizarra. Para esses, a Veja não passa de um partido rarefeito.

Enquanto a mídia e a propaganda inteligentes (inclusive as de massa), seguem construindo audiência, as outras inflamam seus milhõezinhos de velinhos caretinhas ou muito burrinhos.

Propaganda, fiel da balança de audiência

Desde que inventaram o controle remoto e sua diligente criada, a TV por assinatura, a identidade dos diferentes canais ficou difusa e por vezes caímos nas armadilhas que pasteurizam as programações.

Já se foi o tempo em que achavam que o vilão dispersor de audiência era o intervalo comercial. Mais inteligente considerar que o ponto de fuga é o mau conteúdo, todos eles confundidos, inclusive os comerciais.

Manter a saliva do telespectador no grau é, portanto, um compromisso que interessa a todos: anunciantes e veículos.

Bons conteúdos emprestam audiência para conteúdos menos bons e os ruins fazem um vácuo difícil de recuperar. É um pulso sensível manter a audiência ao longo da programação.

Este é ano de copa e de eleição. É ano de excitação econômica. Já está tudo atropelado e as entregas comerciais prometem alongar os intervalos comerciais.

Dia 23/05/2010, Fantástico, dois intervalos distintos.

Primeiro. Conteúdo premiado: Fiat Uno, Claro, Skol, VW Gol, Nextel, mas também Código do Consumidor e Unip.

Segundo. Sente o drama: Casas Bahia, Dupla Sena, Globo na copa, Hyundai, Tigre, Torpedo Campeão, Governo de SP, Sex and the City.

Zefa assiste televisão concentrada olhando a tela.

No primeiro break, atenção permanente. Audiência preservada.

No segundo, Zefa não resistiu ao comercial da Dupla Sena. Virou a cabeça para o lado e adormeceu. Audiência perdida para sempre.

Intervalo comercial é grade, e quando o comercial é chato, ela não prende ninguém.

A improbabilidade provável das novas mídias

Primeira pensata: alguém disse que o ateísmo é a mais improvável das escolhas.

Segunda pensata: aposta de Pascal. Escolhamos que Deus existe. Duas possibilidades. Se ganharmos, ganhamos tudo. Se perdermos, nada a perder. Melhor que Ele seja, então.

E, assim, Candido pergunta: “Vale a pena acreditar que a mídia de massa vai diminuir de importância e que o direito autoral idem?”

Vamos acreditar nos sinais e de forma muito prematura, quase irresponsável, é possível sentir que a mídia de massa já não é mais aquele balaio todo. Pois, se isso for verdade, o que se tem a ganhar ao se investir em conhecimento, experiência e energia nas novas mídias? Tudo, se o prenúncio for verdade. E nada a se perder, caso a hipótese não se confirme.

Vamos crer na tendência subterrânea, na pirataria com baque solto na Internet. O que perdemos se for verdade e não nos mexermos para encontrar fórmulas alternativas de distribuição? Tudo. E se for mentira, se a Internet não passar de miragem e as pessoas não forem tão más e desonestas como parecem? Ganhamos uma nova forma de ganhar ainda mais dinheiro sobre a criação autoral.

Mas há improbabilidade nas coisas que não emanam da vontade universal.

A borboleta bate as asas no Japão, move o caule da flor que num movimento pendular despeja o orvalho na terra que se junta a mais gotículas que se amontoam para formar um filete de água que move um galho que empurra outro e mais outro até chegar ao riacho, formando uma barragem que com a pressão da água irá romper-se despejando mais água imprevisível no rio que sobe de nível até o mar que estava já muito cheio por conta de outras borboletas em outros lugares que tiveram o mesmo gesto frágil simultâneo. E assim ocorre um maremoto nas ilhas Sakalina que um repórter da televisão noticia dando conta precipitada de causa ambiental. Milhares de pessoas mobilizam-se à porta da minha casa e fazem tanto barulho que acabam importunando meu sono.

E porque tanto se fala das mídias novas e porque tanto se burla o direito autoral que dois fatos aparentemente improváveis tornam-se tão prováveis quanto a improvável perturbação do sono pelo bater de asas de uma borboleta no Japão.

Comprei uma Rede Globo de 50 polegadas

Televisão é um objeto retangular preto ou uma espécie de quadro cheio de imagens em movimento? Um CD é um disco de vidro ou um bagulho que toca músicas? Um portal é um computador cheio de fios e plaquinhas superpoderosas ou um bocado de imagem, texto, vídeo clicáveis?

Pergunta estúpida pode ajudar a dichavar os miolos.

Até outro dia, era bem fácil saber a diferença entre um macaco e outro, embora eles tivessem a mesma denominação. Era assim: quem fazia o aparelho, o troço que dá pra pegar, era um, e quem produzia o que só dava pra ver ou ouvir era outro. Diferenciação, digamos, sensorial. E ninguém se atrevia a pular no galho do outro porque podia quebrar as pernas.

Daí apareceu a Internet e um conto do vigário chamado convergência. Pronto, confundiu tudo. Os craques do conteúdo resolveram fazer o aparelho, e os do aparelho, conteúdo. Confusão danada porque os portais que pertencem a uma empresa de conteúdo também fornecem acesso à Internet. Ou seja, está tudo na mesma razão social: o computador, a imagem, o texto, o telefone, a conexão. E daí todo mundo ficou concorrente de todo mundo. Maior festa do caqui.

Tem gente muito polivalente, tipo o Mozart de Salzburg e o Wesley do Santos, ou o Seu Wagner lá de casa, que conserta portão, máquina de lavar e bicicleta. Mas esses casos aparecem uma vez na vida e outra na morte. É o que chamamos de prodígios.

Mas nêgo é sempre melhor numa coisa. Sempre. Quer ver?

Tipo o YouTube e a Rede Globo. A Globo é a melhor pra fazer conteúdo. Não tem pra ninguém. Não tem nem quem chegue perto. E o YouTube é bom de fazer portal de distribuição (de conteúdo). Bom é apelido. Quem tenta rivalizar, os danados dos meninos chegam lá, compram o concorrente e fim de papo.

Mas por que diabos a Globo tenta fazer a coisa que o outro faz melhor? E por que diabos o YouTube não quer nem saber de fazer aquilo que a Globo faz?

E viva a carochinha.

Você vai sentir falta do papel jornal?

Há mais de uma geração, quase da noite para o dia – porque é assim que as grandes cagadas cagam-se – os jornais liberaram seu conteúdo de graça na Internet. E quando a merda é grande, a gente manda pra análise.

Nem precisamos falar dos coitados que nem liberar, liberaram: morreram constipados.

A maioria dos outros abriu o acesso em vários graus. Alguns acreditam que foi por entusiasmo, outros por desespero, mas talvez tenha sido só fruto da fleumática e pernóstica superioridade dos jornalistas: “isso aí não é nada não, são só as alucinações de um bando de fanáticos que passa a vida atrás de um computador”.

Num propagandeado ato de generosidade contemporânea, os jornais investiram a fundo perdido. E quando fizeram conta, sacaram que só a propaganda não pagaria. Porque a propaganda não salva, é uma Messalina aproveitadora.

E está essa zona aí: os vovôs aposentados, que pegam o jornal de pijama todos os dias, pagam a fatura dos milhões de vagabundos, Internet afora.

Como é que a gente faz agora? Porque vovô quer o jornal de cabo a rabo, do obituário às tiras, dos editoriais às fofocas, por tudo isso ele paga.

Já os vagabundos da Internet só sabem borboletear, pulam “daqui, dali, pelo vento em atropelo, seguido, vão de porta em porta, como a folha morta.”

Não, os vagabundos que já aprenderam a catar as coisas na faixa, não, eles não vão querer pagar por 99% de conteúdos que eles não querem.

E assim os jornais estão morrendo com seus últimos clientes. Talvez também porque lhes falte coragem para franquear o jornal pros assinantes de papel e cobrar o conteúdo fragmentadamente na Internet.

A propaganda dos fominhas e brucutus

Toda agência de propaganda tem atacante fominha, lateral que dribla pra trás, meio de campo perdido e zagueiro brucutu. Para quem assiste de fora, a falta de entrosamento é a alegria dos comentaristas. Mas para quem está em campo, a bola está em jogo e não tem replay.

Como no futebol, o esquema de jogo é quase sempre caudatário do talento de alguns. A vitória é dos craques, a derrota é dos técnicos.

Toda agência de propaganda tem criação, planejamento, atendimento e mídia. Todas, inclusive as modernas, inovadoras, hypadas, desesperadas, desconectadas ou desencanadas.

Como no futebol, na propaganda existem regras do jogo.

A regra do nosso jogo é a seguinte: trabalhamos para clientes que comandam uma grana que devemos investir em veículos de comunicação que escolhemos em função das audiências que eles geram.

Não mudou muita coisa desde tempos imemoriais. Ainda temos a grana dos clientes, ainda trabalhamos com veículos de comunicação e ainda temos que investir neles.

Mas uma coisinha singela está diferente: as audiências não são mais dadas. Elas agora estão voláteis, independentes e incertas. Elas estão hoje em um bilhão de lugares e amanhã estarão em um bilhão de outros lugares. As audiências foram alforriadas.

Novas regras se impõem e novos times também.

A mídia não pode mais ser fominha e encastelar-se atrás dos dados. A criação não pode mais ser brucutu e achar que só Jesus salva. O planejamento não pode mais dar drible pra trás com sua sapiência do consumidor de ontem e o atendimento não pode mais dar dribles para trás da sua cautela.

Com essa audiência liberta, não dá mais para prescindir de esquema de jogo e não dá mais pra fazer gol sozinho.

Mais importante que criar idéias (seja lá o que isso algum dia significou), a gente tem que aprender a criar audiências e para isso, talento e umbigo não bastam.

Ninguém precisa de um jornal na Internet para procurar uma notícia

A Internet é uma formidável base conectada de dados, que, no limite, liga todos os conteúdos criados pelo homem.

A Internet não é portanto uma mídia, nem uma plataforma. A Internet é um banco de dados.

Uma biblioteca é uma base de dados. Tudo bem que é bonitinho e romântico, mas, no frigir dos ovos, não passa de um agrupamento de dados. Esse agrupamento, para além de sua beleza estética, não serve para absolutamente nada se não existir um jeito de achar aquilo que se procura. A não ser para os saudosistas, não se flana numa biblioteca e por isso a coisa mais importante de uma biblioteca não é aquele monte de estantes, é a bibliotecária. “Bom dia dona Adelaide. Procuro “O alienista de Machado de Assis”, e a simpática velinha vai lá pegar o livro para a gente, não sem antes dizer, com riso malicioso “Cuidado para o Bacamarte não internar o Senhor!”

A Internet é a biblioteca da Dona Adelaide e a Dona Adelaide, na Internet, se chama Google ou Yahoo, para a velha guarda.

Uma livraria é uma enorme base de dados. Além de ser um lugar simpático, onde é bacana de ser visto, ninguém fica horas passeando entre as prateleiras. Por isso, existe uma Dona Adelaide, a vendedora: “Olá, como posso ajudar, procura algo?” e lá vem a Adelaide com o algo, comentando “tá saindo muito esse daí, viu!”.  Uma livraria também tem umas vitrines que ajudam um pouco a Adelaide a não precisar se desdobrar com os clientes. Essas vitrines exibem os lançamentos, as recomendações, as ofertas.

A Internet é a livraria da Adelaide e a Adelaide, na Internet, se chama Google. As vitrines, na Internet, se chamam veículos de comunicação.

Na Internet, quem é mais importante, a Adelaide ou as vitrines, também conhecidos como veículos de comunicação ou, se preferirem, os curadores de conteúdo?

Um veículo de comunicação, na Internet, sem uma Adelaide muito eficiente e prestativa não passa de uma vitrine empoeirada.