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Agora é tarde porque a mídia é morta

Se estamos alarmados – alguns profetizando, outros ironizando – profundas mudanças na forma como se faz propaganda, é porque, tirando todos os excessos praticados de ambos os lados (“quebra tudo” ou “bobagem”), deve haver algum tipo de transformação em curso. Esta observação é pura lógica.

O fogo que produz essa fumaça está evidentemente na estrutura de distribuição livre, incontrolável, universal, crescente, sem filtro, autoral ou mixada, legal ou nem tanto, de conteúdo na Internet. O corolário desse incêndio é que estamos, todos sem excessão, adorando, usando e estimulando o fogaréu. Querendo ou não, assustados ou excitados sopram na fogueira.

Conteúdo abissal e livre de um lado, audiência colossal e imensurável de outro. Eis o binômio da mudança: Conteúdo livre / audiência incontável.

A primeira variável provoca graves comichões nas estruturas de mídia, já que suas histórias e imagens, seus investimentos, seus patrimônios, foram construídos sobre a propriedade de conteúdos.

A mídia tradicional – e por tradicional entenda-se todas aquelas que vendem seus conteúdos direta ou indiretamente, incluindo veículos na Internet, portais, sites que vendem publicidade, etc – faz dinheiro sobre  audiências presumidas ou, mais raro, sobre audiências reais aferidas.

Os conteúdos são criados perseguindo os gostos e preferências das audiências. No entanto, a propaganda  que os financia, tem uma espécie de licença poética, quase parasitária. Os intervalos comerciais ou publicitários, surfam, aproveitando-se delas. A publicidade tradicional – e por tradicional entenda-se todas aquelas que financiam os conteúdos gerados pelas mídias tradicionais, incluindo a propaganda na Internet em quaisquer formatos – não tem “compromisso” com a geração de audiência. Tem como único objetivo “agradar” audiências dadas.

Pois se os conteúdos tendem a escapar pelo dedão do pé, se os conteúdos agora são auto-suficientes e auto-gerados, se os conteúdos estão espalhados livremente na Internet, a propaganda perde seu principal handicap: a dependência que tinha das audiências geradas pelos veículos tradicionais.

Assim pintado, o quadro é preocupante, pois a propaganda não conhece a ciência e os truques de criação de audiência. Sequer sabe como mensurá-la e usar a informação para realimentar o processo de produção “criativa”.

No entanto, trata-se de uma enorme oportunidade para chacoalhar a poeira acumulada em décadas de relativo conforto. Oportunidade para rever processos, estruturas, aferições, mensurações e talentos. Aprender a fazer conteúdo que atrai audiências. Muitas dezenas de milhões de pessoas e não alguns milhares de internautas desocupados.

E se não corrermos atrás, já já, quem sabe cativar audiências, nossos antigos parceiros, os veículos tradicionais, vão saber também seduzir e agradar nossos clientes, dispensando os intermediários românticos que nos tornamos.

Despertar os consumidores pra quê?

A audiência é cândida. Crente.

Mídias de massa pressupõem públicos dispostos a acreditar, sem partis-pris e até bom senso.

O mecanismo da comunicação publicitária nas mídias de massa não privilegia a mensagem mas a forma, nem o impacto mas a repetição.

O efeito da forma – entorpecente, e da repetição – pavloviana, é a desejada adesão, inconsciente, portanto instintiva, a uma marca.

Mas porque somos cartesianos por formação, não sabemos medir os coeficientes inconscientes de convencimento. É por isso que tantas pesquisas medem o supérfluo. Não existe correlações matemáticas no cérebro límbico.

A gente quer achar causa e efeito entre stopping power e absorção de mensagem, entre absorção de mensagem e intenção de compra. A nossa lógica é cristalina: quanto maior o impacto, maior a concentração na mensagem, e quanto mais assertiva a mensagem, clara, simples, verdadeira, maior o convencimento. O consumidor só  desperta se tiver impacto. Se despertou, ouve. Se ouviu, convenceu-se.

Isso é desconhecer, ou esquecer ou desencanar da nossa própria natureza, humana.

Despertar um consumidor significa pedir para ele ligar o tico com o teco, colocar seu “cogito ergo sum” para funcionar. Ele acorda, ouve a mensagem e imediatamente coloca-se em posição de guarda e crítica. O risco é grande dele achar a mensagem boba ou mentirosa, por puro espírito de porco que é como funciona nossa cachola.

Por que será que queremos acordar os consumidores se eles estão afim de madornar?

Deu no Google

– Você soube?
– Soube o quê?
– Ué, mas você está muito desinformado. A Suécia afundou.
– Afundou
– Sim, afundou.
– Nossa!

– Alô?
– Oi, tudo bem?
– Mais ou menos né?
– Como mais ou menos?
– Fiquei arrasado. A Gina morreu?
– Quem é Gina?
– Não sei, mas fiquei mau.

– Oi, e aí?
– Aqui nada e aí?
– Aqui só essa notícia incrível.
– Qual?
– Bom, parece mesmo que o homem caiu.
– Caiu!
– Caiu!
– Como você soube?
– Você não lê o Google? Deu no Google!

O exército francês, na segunda guerra mundial, ainda tinha cavalaria e garbosos soldados de penacho e roupa vistosa. Do outro lado, os tanques dos alemães, nem fum com os ridículos gauleses. “Esses franceses estão brigando com quem? Com os palhaços do circo?”

Está na hora de descobrir qual é a maior marca de informação, de INFORMAÇÃO do planeta. Não duvidaria nada que fosse: “o Google, né, mané?!”

A audiência escapa pelo dedão do pé

Até bem pouco atrás, a gente ia lá no software e perguntava “ó, augusto oráculo, como é que se cobre essa gente toda?” E as planilhas cuspiam números. Com douta inteligência e paciente aplicação, otimizava-se a grana sem muito erro. E se as previsões furavam, a culpa era da porcaria que o anunciante aprovou, do lixo que a agência criou e da burrice imprevisível dos consumidores.

A audiência era dada.

Hoje, a pitonisa está esclerosada, o software ficou um pouco lento e bem defasado. Não conseguimos mais alimentar tantas variáveis nem tampouco apurar os malditos consumidores que assistem TV na internet, lêem jornal no computador, revistas nos blogs que as chupam sem nenhum arrependimento, cinema no celular, e tudo o mais no Youtube-o-raio-que-o-parta. E o grande irmão que define quem vai ver o que é o Google, maldito seja. Sem falar que os sem-vergonha dos consumidores espalhafatam tudo a torto e a direito, sem avisar ninguém.

A audiência virou adivinhação.

Então, enquanto nenhuma vestal matemática se habilita, enquanto a gente não acha um jeito simples e seguro de calcular com quanta gente se alcança um objetivo de comunicação, só nos resta concentrar-se na mensagem. Já que é tudo meio chute mesmo, aposentam-se as planilhas, as pesquisas, os dados do passado.

Viramos (ou viraremos) fábricas de audiência e essa coragem aí, de acreditar que a mensagem que criamos é capaz de quebrar tudo de forma imprevisível – pro bem e pro mal –  é o novo talento dos anunciantes.

Aposentem-se os estatísticos, é a vez e a hora dos criativos, de todas as laias.

O vício perigoso das concorrências

Concorrências entre agências de comunicação na disputa pela conta de um cliente, e principalmente quando conduzidas a partir de trabalhos especulativos (campanhas hipotéticas), contém intrínsecos vícios sobre os quais muito já se falou.

Não bastasse o calvário do qual participam agências (e anunciantes) que já têm suas contas divididas, a partir de  critérios nem sempre muito lógicos e claros (por produto, por períodos, por verba, etc), não bastasse o sistema de, por vezes, transformar a relação cliente x agência em chantagens contínuas (quando por exemplo cada mísero job passar a ser disputado por concorrência), não bastasse a dificuldade que esse sistema infernal cria na consistência do discurso publicitário, não bastasse a quasi impossibilidade de planejar recursos e equipes, não bastasse isso e não bastasse mais aquilo, o jogo parece mais atraente do que todos os mais óbvios princípios.

Esse neo-liberalismo suicida contraria pelo menos três deles: curva de aprendizado, coerência do posicionamento e integração dos meios.

O processo de conhecimento da cultura de uma empresa, do histórico de suas marcas e principalmente dos seus consumidores é lento por definição. Pitchs incessantes são autos-da-fé irresponsáveis.

Um posicionamento de uma marca não se chama posicionamento à toa. Ele constrói a imagem da marca e esse é o único valor importante a ser construído pela comunicação. O restante é empréstimo dos atributos do produto. Concorrências cíclicas provocam terremotos de percepção no consumidor.

Terceiro e não menos importante, em tempos de integração absoluta de meios, quando uma campanha, uma ação ou uma relação se estabelece a partir de uma engenharia criativa de inter-relação entre os pontos de contato com o consumidor (inclusive os não tão novos digitais), não faz o menor sentido – ou na melhor das hipóteses, dá um trabalho danado – atomizar investimentos e partilhá-los entre diferentes agências.

Nego que vê TV é igual nego que tá na web

Se é verdade que 41% dos americanos entre 8 e 18 anos assiste conteúdo de televisão em outras plataformas além do aparelho que trona na casa de bilhões de pessoas em todo mundo, a constatação pode parecer um atestado de falência premeditada para os fabricantes. (Vale observar que isso é uma tendência de comportamento que irá aplicar-se a todas as faixas etárias e povos). Por outro lado, a previsão parece redentora para quem produz conteúdo televisivo.

É provável que 10 em cada 10 fabricantes de televisão digam que nunca se vendeu tanto aparelho e que 10 em cada 10 críticos da televisão afirmem que nunca a audiência do meio foi tão baixa.

Mas esse debate é chato.

O que interessa mesmo é, a partir dessas evidências, preocupar-se frenética e obsessivamente, em mensurar verdadeiras audiências de conteúdos.

A única saída é calcular de forma exata – e não amostral – todas as audiências somadas e precificar os custos de mídia a partir dessa nova base.

A única saída é um custo único, por audiência, e uma venda verificada. “Nessa estratégia você teve X de audiência – eis a comprovação – portanto você deve Y onde Y é X vezes o custo unitário”. Ou variantes escalonados dessa equação (com tetos e pisos ou faixas de descontos).

Já dá pra imaginar os espíritos de porco dizendo que a audiência do computador é diferente da televisão, da revista, do celular, do vídeo game, do sinal de fumaça, da telepatia. Complicação sócio-antropopops. Audiência é audiência e ponto final.

As marcas de comunicação ainda têm futuro?

–       Como foi o evento?
–       Acho que foi legal, mas sabe como é, nunca falam muito a verdade no tête à tête.
–       Mas e a mídia?
–       Mesma coisa de sempre. Sinceridade é coisa rara na imprensa.
–       Sei
–       Não tive tempo ainda de ver os blogs. Só assim vou saber se foi mesmo legal ou não.

A imprensa é lenta ou só burocrática? Falsa ou só comprometida? E por que os Blogs seriam mais rápidos e verdadeiros? Porque não ganham dinheiro? Porque são pessoais? Porque não são marcas mas pessoas que escrevem?

A gente se esforçou e criou espaço para colaboração dos leitores nos sites de grandes marcas de comunicação. Daí, a gente percebeu que a qualidade dessa colaboração não era grande coisa, que era muito mais um espaço de catarse coletiva do que contribuição qualitativa. Então, criamos sites puramente colaborativos e depois de um tempo, parece que o povo que presta começou a cansar desse formato também.

Nego não vê muita vantagem mais no esquema. Se posso ter o meu, porque vou me subordinar a uma marca ou me misturar com outros negos que eventualmente nem curto?

Enrascada danada. E assim caminha a Internet, de surpresa em surpresa. Parece que toda iniciativa já nasce com síndrome de envelhecimento precoce.

Sei não do futuro.

Só acho que agora (e amanhã pode mudar), a imprensa deveria tentar se tornar uma espécie de agregador, mediador, avalisador, curador de conteúdos individuais (ou marcas individuais), uma espécie de “colunismo” organizado, (contextualizado, concatenado, hiperlinkado, tagueado) do que uma plataforma unilateral (no sentido mais abrangente da palavra, com ou sem surtos participativos).

Só acho que agora (e desde ontem), a imprensa tem que se preocupar muito mais em ser distribuidora tarifada, (espalhadora) de conteúdos do que bunkers abusivos de informação.

Evoluir com parcimônia, reflexão e muita coragem para enfrentar o inexorável.

A Internet não é uma mídia. Nem as outras

Uma mídia pode ser classificada de diversas formas: suporte físico, periodicidade, linguagem, público, distribuição, comercialização, etc. No entanto, convencionou-se separá-las pelo primeiro critério.

Grosseiramente, um jornal e uma revista são impressões em papel “de Jornal” ou “de Revista” respectivamente, a TV é aquela tela que emite luz, o Rádio é uma caixinha que recebe ondas de rádio, e por aí vai. A Internet, se mídia for, é aquela coisa que se recebe através de um computador.

Aqui começa a primeira confusão porque essa Internet aí, se mídia for, pode estar em outros suportes físicos e o jornal, a revista, a TV, o rádio podem estar no computador.

Existia o reino animal, o vegetal e o mineral. Nunca entendi porque se chamava de reino nem a qual pertencia a gripe, a micose, minha avó falecida e Jesus. Daí inventaram outros reinos, como o dos fungos, dos vírus e dos espíritos.

A Internet, se mídia for, bagunçou, e temos uma atávica dificuldade de entender enquanto não formos capazes de propor outra forma de classificar e, se for o caso, criar outros reinos.

Ainda existe outra maneira de classificar as mídias: o formato de comercialização de publicidade. Tem as mídias que “vendem” centímetros e são os jornais; outras, páginas (múltiplos e frações) e são revistas; segundos de áudio e vídeo e são as TVs, segundos de áudio e são as rádios.

E tem a Internet, se mídia for, que “vende” pixels (uma forma mais moderna de falar centímetro), interrupções flutuantes ou saltitantes (a página reinventada), segundos de áudio e vídeo, e palavras-chave, e conteúdos patrocinados, e invisibilidades e o que chamam eufemisticamente de propaganda de contexto.

Qualquer tentativa de classificar a Internet, se mídia for, é um fracasso.

E se a Internet só fosse mídia para os autores, os teóricos, os professores?

E se a Internet fosse assim: é jornal no caso dos jornais na Internet, TV, rádio, revista para a TV, rádio e revista online?

E se a gente só falasse de marcas de comunicação e pouco importasse o suporte e o formato de publicidade?

E se a gente simplesmente parasse de classificar?

Quem é que vai sentir falta, de verdade, dessa classificação pouco prática? Estatísticos, Jornalistas,  Economistas?

E se não existisse mais Jornais, nem Revistas, nem Televisão, nem Rádio nem Internet?

Se a gente comprasse (e vendesse), por exemplo, a Globo, O Globo e a GloboNews?

Pirataria digital é um motor econômico

Não deveríamos amornar a discussão da pirataria digital porque ela está no centro do tufão que se abate sobre poderosas indústrias. Cabe precisamente intensificar as pesquisas justamente porque o “gratuito” é um dos fatores que mais motiva a inclusão digital e seus indiscutíveis benefícios. Afinal, pirataria, é bom ou ruim?

Uma pesquisa da Ipsos MediaCT entrevistando 6.521 pessoas em 12 países no começo do ano, revela que o Brasil é o sexto pais que mais baixa ou ouve musica e o terceiro que mais baixa ou assiste vídeo em sites não oficiais.

A mesma pesquisa dá conta de que, quanto maior o numero de pessoas que baixa ilegalmente, maior aquele que baixa legalmente (com exceção da China, claro).

Ainda e mais interessante, se os piratas não tivessem baixado ilegalmente músicas e vídeos, a maioria deles não teria comprado nada. Portanto, o mercado não está sendo “roubado” já que esses indivíduos não comprariam.

Mas o mesmo estudo também assinala que os piratas consomem mais produtos culturais (cinema, concertos, shows, etc).

Quando estima-se um mercado potencial, a base é o numero de pessoas dispostas a comprar algo. Não deveríamos, portanto e no estágio atual da indústria, considerar os piratas como potenciais consumidores?

Não vamos confundir “público alvo” com “potencial de mercado”. Os piratas devem ser alvos e, convencê-los das vantagens que se pode ter em comprar “legalmente” (com argumentos de custo benefício), deveria ser o principal esforço da indústria. São eles que interessam e isso vale não somente para as gravadoras e estúdios de cinema, mas vale, e muito também, para a mídia como um todo (os leitores de blogs para os jornais, por exemplo).

Finalmente, muitos estudos dão conta de que, a curto e longo prazo, a troca livre de arquivos fornece aos consumidores o acesso a um leque de produtos culturais muito mais largo, o que se reverte em benefícios econômicos inegáveis.

Há quem diga que estamos no começo do começo do começo de enormes mudanças de comportamento. O início do início do início de gigantescas revoluções. Esse pensamento só presta se ele for útil para a ação. É só visitar uma gravadora “tradicional”: lá, até as moscas morrem de tédio.

Quem tem tempo para a televisão?

No fundo, no fundo – lá no fundo – por que a gente assiste menos televisão (ou acha que)?

Porque somos elevados espíritos que não rastejam nas baixezas exibidas. Porque temos um incômodo ideológico com a dominação das programações broadcast. Ou porque somos mentes privilegiadas, plenamente decididas e com programação mental de desejos. Porque somos capazes de filtrar e criar hierarquias de conteúdos que atendam nossas necessidades, nosso ócio, nosso vazio existencial. Porque nossos ídolos bem-pensantes martelaram que a Televisão aliena. Que a televisão é a casinha do demônio.

E tantos outros álibis intelectuais que somos capazes de criar com mais ou menos convicção, mais ou menos ironia.

Talvez seja bem mais fácil: não ordenamos mais nosso tempo e simplesmente não conseguimos mais acompanhar as grades televisivas. Hoje, não conseguimos assistir o Jornal porque não estamos em casa, ou a novela, porque ontem não conseguimos chegar à tempo de vê-la. E, claro, não temos energia nem o menor saco para gravar coisa nenhuma, muito menos conteúdos tão efêmeros.

Hábitos não se criam por causa de. Não são decisões, portanto racionais, são reflexos, logo involuntários.

Substituímos os rituais pelo movimento, a rotina pela busca descabelada, a regra pela quebra.

A televisão (e outras mídias tradicionais) crê que hábitos podem ser sugeridos ou impostos. Que a grade é um decalque das rotinas das audiências e que os conteúdos são encaixes. O culto à grade é o conforto comercial que aprisiona os conteúdos.

O gesso imutável das programações, que se eternizam,  são o ocaso da televisão. Não acompanham o ritmo das audiências mais contemporâneas, sedentas por conteúdos e avessas à rituais.

Ou será que você já está esparramado no sofá na hora do Jornal Nacional?

O quarto poder da imprensa é democrático?

De chapéu baixo e girando o charuto entre os dedos gordinhos, o homem se faz anunciar. Sua visita, embora aparentemente intempestiva era aguardada. Negócios após o expediente são mais importantes, assuntos, cuja magnitude, só a calada da noite pode abafar.

– Caro amigo, estamos pois de acordo. Meu silêncio vale muito do mais do que minhas palavras. Os jornais ficarão calados.

A imprensa sempre esteve na intersecção do dinheiro: porta-voz presumida do povo e do poder, seu papel é o calcanhar de Aquiles da democracia. De que vale uma arma se ela só pode apontar para um lado? Assis Chateaubriand Bandeira de Melo muito conhecia o valor de suas coberturas e omissões jornalísticas. Ele cobrava por isso.

O que tem por detrás do canto do cisne da imprensa broadcast são princípios e valores que pairam muito abaixo das nobres intenções.

O que emerge com a explosão da distribuição de informação que a Internet proporciona não é apenas o ruir do negócio da mídia, é o desmoronamento progressivo de um sistema de poder. Não é apenas a rentabilidade das empresas que está em jogo, é uma certa lógica de dominação econômica.

Houve um tempo, ainda recente, em que um jornal, uma revista, uma televisão, barganhavam reputações em troca de mais poder. Ontem ainda era possível – e ainda é –construir impérios econômicos sobre uma articulada e insidiosa estratégia de imprensa.

O mega-fone dos calados está a um login de distância de qualquer cidadão e de todos eles.

Já era tempo de entregar o “quarto poder” ao povo.

O milagre da multiplicação do consumo de mídia

É fácil hoje em dia diagnosticar os erros da Televisão: programação calibrada pela busca desesperada de audiência (portanto que fere os cérebros dos bem-pensantes críticos) e excesso de espaços publicitários de má qualidade (logo, que irrita os bolsos dos bem-comprantes algozes). Para uma mídia que poucos anos atrás era acusada por seus nefastos poderes manipuladores, os argumentos tornaram-se simplórios.

Estranhamente, a TV Paga simboliza ainda melhor a decadência presumida da plataforma, uma vez que os assinantes compraram a quimera de que a assinatura seria capaz de, simultaneamente, elevar o nível da programação (seja lá o que isso queira dizer) e dispensar a propaganda (supondo que ela irrita).

Detratar a TV Aberta e, mais ainda, a Fechada, está na ordem do dia. Mas a excitação excessiva dos ânimos parece esconder inconscientemente algumas verdades mal assumidas.

A primeira estatística inquestionável, dá conta da audiência. Não é verdade que ela está caindo de forma acentuada. A menos que o ódio reprimido seja cego. O que houve, sim, é verdade, foi uma redistribuição das audiências entre as diferentes ofertas e canais. Mas as pessoas não estão assistindo, globalmente, menos Televisão do que 10 anos atrás.

A segunda constatação qualitativa (os canais e operadores pesquisam muito mais do que os críticos) é de que – salvo em grupos muito segmentados, micróbios estatísticos – falar mal da Televisão é parte da atração que ela exerce. Estimulado, o público encontra argumentos que por vezes se aproximam daqueles dos analistas, mas em geral é tudo muito básico e nada muito novo. As pessoas não costumam achar que piorou, é como sempre foi. E, verdade verdadeira, a paixão que a Televisão exerce é infinitamente mais palpável e contagiante do que o entusiasmo que a Internet pode suscitar.

Outro dia, eu estava em um ambiente cujo target é quase que majoritariamente de bem nascidos, bem instruídos e bem jovens. Do ponto de vista de consumo de mídia, poderia ser uma espécie de Internetlândia. Pois havia Televisões ligadas nos capítulos finais da novela, aquela da fantástica Brasilindia. Estava todo mundo assistindo de soslaio a morte do Raj. Quando o corpo apareceu, todos pararam suas atividades e fixaram-se, sem vergonha, de frente para a tela. Mandei imediatamente um sms para uma amiga “O Raj morreu?”. E com a resposta em punho, declarei aos aflitos telespectadores que era tudo uma farsa, Raj não estava morto. Ganhei muitos agradecimentos e fiz vários amigos.

Que milagre é esse que nossa critica não é capaz de apreender?

Já ouviu falar no Busk?

Muitos de nós abandonaram o hábito de abençoar o dia com a leitura de um jornal. Ele era uma espécie de despertar da consciência. Ler o jornal de manhã era uma corrente de conexão com o mundo. Mas para além dessa elaborada razão, o ritual era a inconsciente motivação, uma âncora que conforta a nossa dramática condição de merdinhas soltas no espaço.

Mas a gente resolveu achar que existiam maneiras mais rápidas, baratas e livres de interligar as baterias, de se informar e informar. Operamos a transferência do comando que nos pareceu justa e merecida. Não é mais um mundo peneirado, filtrado, manipulado às vezes, que me encontra na soleira da porta. Eu vou ao mundo se, quando, para o que e na plataforma que quero.

A gente resolveu desistir do ritual religioso – coisa de gente fraca! Mas toda renúncia tem um preço: onde diabo estão as coisas?

Search nelas!

Livramo-nos da dominação que se esconde por detrás de todo curador/editor e entregamo-nos alegremente na boca do caos mecânico, a mercê das ferramentas de busca na Internet.

Somos seus fervorosos devotos.

Vocês já conhecem o Busk?

Um agregador/search de notícias com funcionalidade intuitiva, simplicidade refrescante e lindo (a menos que a gente ainda ache bacana o design monástico do Google).

Um beta a quem entrego, com carinho, meu novo ritual diário.

A liberdade é o antônimo da devoção. Busk neles!

O cabo da TV a cabo

Em recente pesquisa (de tão óbvio o resultado, nem preciso citar a fonte que esqueci), em média, pouquíssimos telespectadores de TV por assinatura memorizam canais e horários. A escolha é sempre aproximativa ou aleatória. Faça você mesmo o teste. Na coluna da direita, você deverá escrever a grade do seu canal de TV aberta mais freqüentemente assistido. Na da esquerda, o mesmo para um canal pago.

Audiência máxima e máxima qualificação são como gato e cachorro. Convivem mas com muitas reservas.

A busca pela audiência é baseada no binômio “mínimo denominador de apelos e conteúdos” e “programação generalista”. Esta é a receita da mídia de massa: facilidade de compreensão (no jornalismo), estímulos a sentimentos básicos (no entretenimento) e variedade (nas revistas televisivas que mesclam notícias e diversão). A televisão aberta cria portanto uma grade de programação que aprisiona (sem conotação negativa) os públicos. E nisto reside seu segredo de perpetuação: facilidade de comercialização e formação do hábito.

Já a TV por assinatura pretende ser segmentada, por assunto ou por público (ou complicando a equação, por assunto e público). A receita é baseada em profundo conhecimento das audiências e na produção de conteúdos sob medida.

E dessa pretensão nasce seu calvário.

É da natureza humana ser generalista, interessar-se por muitos assuntos, mudar de gosto e opinião. A segmentação por conteúdo gera, intrinsecamente, um apelo irresistível à fuga.

Somos animais volúveis, influenciáveis, instáveis e flutuamos sempre num mar de dúvidas. Embora sejamos educados para a auto-definição (homem ou mulher? sensível ou racional? liberal ou reacionário? esportista ou intelectual? Fla ou Flu?), tudo não passa de um fingimento social, uma máscara. A segmentação por público é uma areia movediça.

E não precisamos de muitas análises para perceber que os canais de TV por assinatura, diante de tanta incerteza, muitas vezes recorrem às velhas receitas da TV aberta, com a competência dramaticamente comprometida pela pobreza. Quando o canal fechado resolve ser um pouquinho “aberto”, mais parece uma TV com 30 anos de atraso.

Isso sem falar na miríade de canais enlatados, sem personalidade e identidade.

Os canais por assinatura nasceram para libertar o espectador da prisão monopolizadora mas o excesso de escolha e a segmentação matemática (a toque de pesquisas inócuas) aprisionaram seu sucesso no zapping: esse assassino de construção de marca.

E eis que surge a Internet. Precisamos aprofundar ou já deu para sacar?

Normatização do uso de blog e Twitter, por que não?

A Globo normatizou o uso dos blogs, Twitter e outras manifestações digitais para seus contratados. E muita gente já grita retumbantes palavras: “onde está a liberdade!”, “é o monopólio da informação!”, “defesa do que resta de poder!” e por aí vai.

Na prática, o que Rede fez foi restringir o xaveco das estrelas com os fãs a seus dotes próprios. Em outras palavras, o cara pode falar dos seus causos e casos, desde que eles não estejam relacionados ao trabalho. Uma espécie de pito de ética profissional básica. Só isso.

Não vamos pirar na exploração-capitalista-do-sistema-bruto-da-mídia-monopolizada nem no golpe-de- misericórdia-da-mídia-em-estado-de-putrefação-avançada-na-sua-marcha-desesperada-contra-a-Internet.

Se tenho um perfil no Facebook no qual documento minha excitante vida para os voyeurs que me amam, escrever que meu chefe X acabou de comer um cheese-salada com porção de maionese extra, que meu colega W está pegando minha colega Y, ou que amanhã vai ter uma reunião decisiva com o cliente Z (e supondo que isso seja realmente fascinante), estou é pisando na bola, feio. Seria mais ou menos a mesma coisa que mandar notinhas para a imprensa revelando coisinhas para pagar algum favorzinho que um veiculozinho me fez.

Se o artista da Globo usa o Twitter para divulgar seu programa, não seria mais decente que o programa tivesse o seu próprio? Ah, espertinhos, sacaram que ninguém está muito afim de ficar seguindo uma novela no Twitter, né? Então a gente faz assim: tem um ghost-writer (que chamaremos de editor para não ficar feio) que escreve para o galã. Fica todo mundo doidinho atrás do cara e assim a gente usa a Internet para dar uma bombadinha na TV e ainda por cima parece moderninho. Malandro!

Mas o que desandou então? Desandou porque tem uns mais espertos que preferem se virar com seus próprios big-brothers sociais: eles mesmo assumem o leme de seus perfis (nunca entendi direito esse “ovo ou a galinha”: o Galvão Bueno deve sua fama à Globo ou a Globo deve sua fama ao Galvão?). Mas quem resistiria a dar uma palinha da Cidade Proibida para ganhar mais “amigos” e “seguidores”? O que custa, né? Quem sabe o Twitter não vira uma espécie de Rede Globo do ciberespaço? A equação é assim: vaca sagrada na televisão = famosão no Twitter. E famosão no Twitter = independência da televisão. E independência da televisão = garoto propaganda de universidade, banco, loja de gato, sapato, imóvel, automóvel.

A Folha também baixou umas normas: os jornalistas “não devem colocar na rede os conteúdos de colunas e reportagens exclusivas. Esses são reservados apenas para os leitores da Folha e assinantes do UOL”.

De novo, lá veio o grito “é uma visão centralista” que não “vai aonde o povo está”. Mas raios, não é disso que estamos falando! O que aconteceu – de novo – é que o jornalista está construindo “fama própria” às custas do jornal. A Folha pode ter seus Twitters e ela está tendo uma visão distributiva do conteúdo. Tudo certo. E sem sacanagem, o conteúdo da Folha já está aberto, online.

Por que será que esse assunto virou notícia? Porque a anatomia da Internet subentende liberdade total de expressão? Porque a Internet é uma espécie de horda selvagem sem tabu nem ética?

Não.

Malandro é malandro, inclusive na Internet. Malandro na Internet é malandro na TV e no jornal, malandro na Internet é malandro na sala lá de casa, na firma, na rua, na cadeia e no quinto dos infernos.

Se a Internet é um vale tudo, onde tudo vale nada, quem ainda tem carne e osso precisa ter vergonha na cara. Quem ainda usa dinheiro pra comprar o leite das crianças, precisa defender o seu cofrinho.

Censura combina com CQC?

O jornalismo é a profissão de dilemas de consciência medicados com cabrestos éticos e regras de conduta. Afinal de contas, além de escarafunchar, debater e analisar os fatos de sociedade, o jornalista torreia seus impulsos e epifanias para que o retrato seja limpo, claro, inequívoco e acima de tudo, honesto.

Assim rezam os ortodoxos.

Mas nos tempos da mídia espetaculosa e seus rolos compressores de audiência, o homem atrás da notícia também estrela a pantomima do carisma. A observação, a  análise, são o palco da intenção e opinião. O script deve cativar e emocionar. Sensacionalismo oblige.

Assim doutrina a mídia de massa.

E eis que surge o big bang: os meios de distribuição de informação explodem ao infinito e os públicos se esfacelam. Quando existe um jornalista potencial atrás de cada cidadão, quando existe um órgão de imprensa em gestação por detrás de cada browser aberto, o ofício quebra todos os juramentos. Improvisa-se com seus próprios parcos meios e métodos.

Todo mundo que já é técnico de futebol vira jornalista.

Temos também um híbrido de tudo isso. O jornalismo honesto, carismático e caseiro, mais conhecido como jornalismo pentelho e mal educado. Aquele jornalismo com pose de inocente mas cheio de malícia. Mascarado atrás de um humor imberbe, ridiculariza-se o mundo, os fatos e as pessoas. É o jornalismo do senso comum e da obviedade ululante.  Quando a inteligência, o carisma e o improviso estão a serviço da sabedoria de boteco, o desperdiço de talento desopila o fígado mas cansa.

Há espaço e utilidade para os doutos vovôs, os super stars maquiados e os palhaços.

Na coluna do Ancelmo Góis de ontem, um repórter do Globo entrevistava um integrante do CQC à La CQC. Nada demais, mas engraçado. E lá fui eu, indicar o link para ilustrar esse post. Mas vejam que curioso: o vídeo indica: “esse vídeo não está mais disponível devido a reivindicação de direitos autorais da Rafinha Productions”. Quem é Rafinha Productions?

Odeio o Arnaldo Jabor, o Diogo Mainardi e o Galvão Bueno

Ele é um vomitador prolixo de adjetivos. Há anos que fala a mesma coisa: sua indignação beira o histerismo. Seu jeitão pseudo-intelectualoide que maneja o verbo com uma erudição Wikipédia, flexiona a voz como um ator de novela mexicana. Ouvir o Arnaldo Jabor na rádio CBN, entre o helicóptero e as notícias do dia, é celebrar a segunda-feira com o mau humor que ela merece.

Já o segundo, é um doge de calça de veludo rota. Sua obsessão cáustica contra o Brasil e os brasileiros é quase engraçada. Mas sua amoralidade, aética, apartidarismo e a-qualquer-outra-coisa cansam até o mais azedo dos apátridas. O Diogo Mainardi é um personnal-luggage- arrumator competente: te manda nego, que aqui nunca vai prestar.

Finalmente, o imperador da Globo, estatístico de relevância duvidosa, o cheer leader televisivo, o criador de mitos, reis e santos de calça curta, o referido apresentador da Vênus Platinada, é um herói da resistência: quem é que ainda aguenta seu “Amigos da Rede Globo”?

O primeiro eu ouço, o segundo lia, o terceiro assisto religiosamente. Apesar do desperdício de paciência, algo ensinam essas grifes do jornalismo brasileiro.

Sabe aquele tênis velho, quase furado, quase puído, que não alegraria nem o mais pobre dos mendigos? Ouvir rádio é isso, o velho companheiro de armas, de quem se tolera até traição. O Jabor é uma injeção na bunda: dói, mas passa rápido.

A mídia impressa é mais seletiva, mais exigente, mais cansativa também. O Jabor no jornal não serve nem pra embrulhar o cocô do meu cachorro. Mas passo seus latidos (do Jabor) sem comprometer minha leitura. Já  Mainardi na “Veja” não é só um articulista articulado, compromete. Sua bandeira contamina a revista inteira e sua linha editorial.

O que se perdoa no rádio e no jornal pode ser bilhete azul para a revista, por definição sintética, e, portanto, da qual se presume extrair o sumo opinativo.

Na TV tudo é mais profundo. Nunca mais tive o azar de ver o Jabor no “Jornal Nacional”, mas prometo que da próxima vez que ele se atrever a interromper meu torpor, zapeio por superstição inamovível. Mas na hora do jogo importante, há alguma graça em assistir sem peso e circunstância? Sem xingar com outros milhões de torcedores? Futebol na televisão não é um prazer solitário é uma comunhão universal. É por isso que se quer um mestre de cerimônia que faça jus à catarse deliciosamente coletiva. O Galvão não é ruim para a Globo, é ruim para o país porque é na Globo.

À Globo nada se perdoa porque a relação é visceral, e as paixões têm razões que nenhuma razão é capaz de acalmar.

E na Internet? Santo RSS que me filtra todos os caga-na-saquinha!

Propaganda de gozo autoprovocado

A propaganda é baseada em um princípio sagrado, o da tolerância.

Trata-se de uma espécie de toma-lá-dá-cá. “Aceito ser impactado por algo que não quero, em troca de algo que quero”. Simples assim. É baseadas nesse princípio que funcionam quase todas as mídias: a TV aberta e o rádio, por exemplo. A Internet também. Os outros meios, como a TV por assinatura, o jornal e a revista, embora não sejam gratuitos, são tolerados porque o valor pago parece irrisório quando comparado aos benefícios oferecidos.

No entanto, quando o valor pago pelo serviço solicitado ou desejado parece desproporcional à mensagem “não desejada”, a propaganda é intolerável. É o que acontece, lamentavelmente, com quase toda propaganda chamada “below the line”, eufemismo publicitário para qualificar a propaganda invasiva, como a propaganda veiculada em aviões, o que vem sendo praticado de forma pornográfica por algumas companhias aéreas. É propaganda na mesinha, no encosto do assento, e, suprassumo do mercantilismo selvagem, nos lanches patrocinados. É mais uma vez uma questão de proporção: passagem aérea não é algo irrisório quando comparada ao bombardeio publicitário a que deve se sujeitar o passageiro. O mesmo acontece com a prostituição visual da mídia exterior gratuita que, sorte nossa, está sendo banida das nossas retinas (exceção dada aos relógios, pontos de ônibus, sinalização e outros mobiliários). O que falar então da festejada mídia indoor, dos monitores mudos dos ônibus urbanos, dos malhos feios nos shopping centers, dos mictórios decorados com televisão de plasma? Promiscuidade comercial e vulgarização do tempo.

Lamentavelmente, muita gente ainda defende a propaganda da forma mais selvagem possível: a efetividade é proporcional tão somente ao impacto visual e sonoro. Para esse tipo de troglodita, é o tamanho da voz que determina o resultado. E pouco importa se a voz está gritando, poluindo, estressando ou insultando. É a lei bruta do mais forte ou do mais esperto. A lei da exploração safada da fragilidade alheia: que alternativa nos resta a não ser ler que uma marca de carro está lançando um modelo novo, uma empresa de consultoria é a melhor do mundo e a sopa de saquinho é feita de improváveis ingredientes naturais?

Mas há outro tipo de propaganda. É aquela admite que, embora por vezes haja tolerância, mesmo assim a invasão precisa ser compensada. É aquela que sabe que a mensagem deve servir antes àqueles que irão consumi-la e depois àqueles que a financiam. É aquela que entende que propaganda pode ser conteúdo, pode ter um sentido para além do tamanho da voz e da simplória informação: é a propaganda que diverte e emociona sem precisar lustrar o umbigo da marca. Quando ela consegue isso, então ela assume uma dimensão cultural, ela é referência e inspiração. Essa transcendência além de responsabilidade, engendra um potencial comercial muito mais rentável porque a mensagem incorpora a linguagem comum e as mentalidades. Aí sim pode se falar de “investimento” e não “despesa” publicitária.

Propaganda pode ser muito mais do que egotrip e gozo autoprovocado. Quando o desserviço é tal, quando a propaganda masturba a marca, ou o marketing ou o publicitário que a cria, dá muita vontade de proibir ou sabotar.

Um dos nós górdios da audiência na Internet

Existe um número mágico que mede o alcance de algumas mídias, em particular as impressas. Estima-se, há muitos anos, que cada exemplar de um jornal e revista seja lido por 3,5 pessoas em média. Esse número, embora queiramos crer que em algum momento tenha sido comprovado, é uma convenção. Ele serve de base para todos os cálculos e, assim, permite uma aproximação mais realista da audiência desses veículos. É claro que ele é discutido, pois é provável que uma revista, por exemplo, de conteúdo adulto ou de variedades seja lida por mais pessoas do que uma de engenharia ou de caminhoneiro. Da mesma forma que convenções de discurso como “bom-dia” e “obrigado” são salutares ao bom convívio social, esses multiplicadores de alcance são universais e benéficos.

No entanto, o número mágico não se aplica aos conteúdos publicados on-line. Há uma lógica por detrás disso, é claro. A Internet, como mídia, está baseada num fundamento matemático: tudo pode ser medido com exatidão. Sabe-se a quantidade de visualizações de um conteúdo, a quantidade de visitantes únicos, o tempo de permanência dos visitantes naquele conteúdo, etc. A Internet é uma mídia precisa. Porém, assim como não é aceitável considerar que uma revista seja lida apenas por um único leitor (o dono da revista), ainda que um conteúdo na Internet seja lido em primeiro grau por apenas uma pessoa (ninguém empresta seu computador ou celular), existe um componente nunca mensurado nas pesquisas, a saber, o potencial de viralização do meio.

É, portanto, válido aceitar que um conteúdo publicado (ou veiculado) em um site tem um coeficiente multiplicador, na medida em que ele pode ser facilmente difundido, seja através de um simples copy-paste num email, seja através de RSS ou reproduções automáticas. Em decorrência disso, um mesmo conteúdo (integral, em trechos ou modificado) pode alcançar muito mais pessoas do que simplesmente o visitante de primeiro grau quantificado pelas estatísticas de mensuração. É precisamente nessa qualidade intrínseca do meio on-line que reside seu poder diferenciador. É exatamente aí que reside um dos nós da audiência na Internet e, por falta de raciocínio a respeito, uma parcela significativa do impacto de um conteúdo é expurgado de todos os cálculos.

Antes de propor uma solução (ou uma tentativa de), é importante relativizar a comparação entre a mídia referida no início (jornal ou revista) e a Internet (em qualquer meio, jornal ou revista on-line, blog, rede social, etc). Na mídia tradicional, o que define o multiplicador é o suporte físico do conteúdo. É uma espécie de fator da “durabilidade” do meio. Um jornal ou revista só pode ser lido por certo número de pessoas, porque a temporalidade é limitada. E, assim, convencionou-se que essa validade é de 3,5 leitores por exemplar. A Internet, por sua vez, é uma mídia autorrenovável. Não existe vida útil de um conteúdo publicado on-line. Ele pode perpetuar-se inumeravelmente como uma fênix.

Podemos dizer que um conteúdo on-line tem sua vida útil condicionada a dois fatores: a pertinência ou simplesmente o interesse, por um lado; e a capacidade de viralização de cada pessoa impactada, por outro. Em relação ao primeiro, quanto mais “interessante” for o conteúdo, maior a capacidade de reprodução. Esse é o dado intangível e impossível de mensurar. Vai de sua criatividade, impacto, estilo, originalidade, etc. Propomos, portanto, não nos aventurarmos em tentar quantificar tal fator, para não entrarmos em divagações conceituais.

Quanto ao segundo, a capacidade de viralização de cada pessoa impactada, esse sim, talvez seja possível mensurar ou convencionar.

Tomamos como base a visitação do conteúdo. É o ponto de partida que deveria, portanto, ser multiplicado por um fator. Vamos aceitar como referência de cálculo os número de visitantes únicos do conteúdo, dado simples de obter.

A Internet proporciona diferentes atitudes por parte de seus visitantes. Alguns contentam-se com a interação do zapping. São visitantes passivos, na medida em que frequentam a Internet apenas e tão somente para ler, assistir ou ouvir conteúdos produzidos por outros. Esta é a primeira classificação de atitude. A segunda atitude diz respeito àqueles que, além de serem passivos, em maior ou menor grau também produzem seus próprios conteúdos (um email é um conteúdo produzido, assim como um blog, um comentário em uma comunidade, etc.). A terceira atitude refere-se aos que viralizam conteúdos produzidos por terceiros, seja através de um simples copy-paste ou de qualquer edição mais ou menos sofisticada.

A proposta aqui é, por conseguinte, encontrar a parcela de pessoas que possuem um comportamento de “viralizadores” na Internet. Esse número não é difícil de obter. É um valor que só se mensura por declaração dos entrevistados, mas ele é possível. Ele pode ser mensurado em clusters ou pela média (viralizadores gerais da Internet, viralizadores entre usuários de determinado tipo de conteúdo, entre usuários de redes sociais, etc).

O segundo fator a ser pesquisado é encontrar ou estimar o número de contatos de cada pessoa. Ou seja, o número médio de pessoas com os quais cada indivíduo se relaciona na Internet. Mais uma vez, o resultado pode variar de acordo com o tipo de cluster, número de contato gerais médio da Internet ou em determinada rede, o que também pode ser obtido facilmente e de duas maneiras: por declaração em pesquisa ou por informação do cluster estudado, quando se trata de uma rede social, por exemplo.

Se multiplicarmos a porcentagem de pessoas que viralizam conteúdo pelo número médio de contatos, podemos obter um aceitável multiplicador de visitantes.

É claro que nesse número estão expurgados os graus subsequentes, mas é mais razoável ater-se ao primeiro grau: já que procuramos estabelecer uma convenção, é prudente encontrar um número bastante conservador.

Para fins comparativos, é possível também estabelecer diferentes convenções para cada tipo de categoria em que se insere o conteúdo: o potencial de viralização de uma rede social, por exemplo, é certamente maior do que o de um portal, para categorizar em apenas dois grupos.

Para ficar ainda mais fácil de entender o princípio, vamos a um exemplo:

Digamos que determinado site da categoria “portal” tem 1.000 visitantes únicos por mês. O número médio geral de “viralizadores” é digamos 20%, e o número médio geral de contatos é 20. Portanto, a audiência desse site é de 1.000 + (1.000 x 20% x 20) = 5.000. O multiplicador convencionado de um “portal” seria, portanto, 5.

Se esse mesmo conteúdo estiver inserido em uma rede social com o mesmo número de visitantes únicos, teremos um cálculo de audiência diferente, já que há um número maior de viralizadores entre aqueles que pertencem a redes sociais, assim como é maior o número médio de contatos desse ambiente. Por exemplo, se o número de viralizadores é de 40% em redes sociais e o numero médio de contatos for 50, a audiência desse conteúdo passa a ser 1.000 + (1.000 x 40% x 50) = 20.000. O multiplicador convencionado de uma rede social seria, assim, 20.

Esse cálculo pode fazer toda a diferença para efeitos comparativos do impacto potencial de um conteúdo publicado em uma determinada mídia on-line e outra. Ainda, esse número pode ajudar a parametrizar a Internet na mesma lógica de outras mídias tradicionais.

A presente proposta é, evidentemente, uma idéia; entretanto, já é mais do que tempo de nos debruçarmos sobre esse tema, para não corrermos o risco de continuarmos considerando a Internet uma mídia misteriosa e de difícil apreensão. Dessa forma, quanto mais cedo criarmos essas convenções, mais rápido poderemos converter inteligências para um cenário de mídia que a cada dia cresce em complexidade.

Finalmente, o número multiplicador resolve apenas parte do problema, uma vez que a lógica da Internet como mídia deve continuar a ser alvo de estudos e raciocínios próprios. Devemos cessar de raciocinar com adaptações acochambradas, imprecisas, e míopes, ou o controle fundamental das ferramentas de mensuração inviabilizará definitivamente o mercado editorial e publicitário tradicional. Ou tentamos desatar os nós, por mais inexatas que pareçam essas tentativas, ou a esfinge nos engolirá.

Michael Jackson morreu antes de ter morrido

Quando Napoleão voltou de sua campanha na África, ainda como general, sua máquina de propaganda tratou de enviar notícias de suas vitórias. Ele apanhou feio em algumas batalhas, mas, mesmo assim, entrou em Paris como filho pródigo da Revolução, coberto de glórias. Afinal de contas, a verdade sempre foi – e sempre será – um fator diretamente proporcional à intensidade e à velocidade das notícias, mesmo quando elas são falsas.

Pouco mudou de lá pra cá: quem fala primeiro ganha. Na pior das hipóteses, 15 minutos de fama. Na melhor, reputação ilibada.

Michael Jackson morreu uma hora antes no site de celebridades TMZ do que nos principais veículos de comunicação. Se ele morreu mesmo, de verdade, pouco importa. O que importa é a expectativa de sua morte. É isso que segura a audiência, é o que dá fome de notícia, é o que excita o planeta. Depois do fato consumado – ou seja, quando a notícia virou unanimidade – a audiência desloca-se para outras mentiras temporárias: teria sido suicídio? Ou autodestruição? Os filhos são dele mesmo? Ele ainda é rico?

É na construção da expectativa da verdade, na criação de mentiras temporárias que reside o segredo da audiência. E quanto mais quente for a mídia, mais importante essa máxima. Na Internet, na TV, no rádio.

Entre a barriga e o furo, o furo, mesmo que ele seja uma potencial barriga. Depois desmente-se, relativiza-se, justifica-se, aluga-se outro furo e administra-se outra barriga.

Já estou vendo os bem-pensantes de plantão me xingando: “E a ‘credibilidade’? A ‘respeitabilidade?’”

Claro que de vez em quando é bom acertar, isso é óbvio. Mas não é disso que estamos falando. Jornalismo é diferente de História. E tampouco vamos filosofar se isso é bom ou ruim, se a verdade existe ou é uma quimera.

Por que a Internet enferruja as mídias antigas? Por que as mídias antigas tornam-se velhas? Há muitos argumentos; um deles, porém, pouco debatido, consiste nessa lógica da credibilidade, da checagem de fontes, das regras éticas. Na Internet parece haver uma licença para ser menos realista que o rei, porque a lógica não está mais no furo, mas na precedência do furo.

A noticia, o fato, o furo em si não interessam tanto quanto a história que o precede. É o suspense que segura a audiência, e não a morte da bezerra. E se não confirmarmos sua morte, o furo passa a ser sua ressurreição.