Tag Archives: Nizan

Fernando Campos X Nizan Guanaes

Indicaram-me dois artigos sobre o festival de Cannes de 2012 que, como uma ladainha surrada, todo ano, concentra as atenções, mágoas e êxtases do mercado publicitário.

É provável que tudo já tenha sido dito, e não é de hoje, sobre o Grand Casino de Cannes. Portanto, não é sobre o fundo – batido – mas sobre a forma – reveladora – que a reflexão cabe aqui, ao ler os artigos do Fernando Campos no CCSP e do Nizan Guanaes na FSP (pessoas que não conheço, portanto sinto-me isento de interesses).

Primeiro, um artigo desabafo, vagamente metafórico, escrito com as tripas. Fernando Campos solidariza-se com suas próprias percepções e a sinceridade de suas palavras transbordam, perdoando o estilo ejaculatório. O autor não barganha elogios ou admiração, nem de forma indireta. É uma opinião sobre uma observação.

Segundo, um informe publicitário, trôpego, escrito no smartphone. Nizan Guanaes, depois da longa nota biográfica que serve de credenciamento masturbatório, se curte, se adora, se admira. O artigo é uma declaração de intenção explícita e um manifesto de autopromoção. É uma opinião sobre ele mesmo.

Cannes só tem graça porque anedotiza as duas faces típicas do profissional de comunicação: luxúria irada e volúpia gulosa. Fico com a primeira.

PESQUISA 4.0? Por Vera Aldrighi

Na sua coluna do dia 06/02 na Folha de São Paulo, Pesquisa 4.0, o redator e empresário Nizan Guanaes desafia pesquisadores e usuários de pesquisa a reinventar seus procedimentos.

Creio que não haverá o debate que espera, pois sua polêmica tem apelo restrito ao meio propaganda e marketing, público pouco afeito a expor e criticar publicamente particularidades de seus negócios e relações profissionais. Mas acho que ele toca em questões importantes que merecem e devem ser discutidas.

Para resumir sua tese: Nizan atribui a mesmice e o desgaste das fórmulas publicitárias repetitivas e padronizadas ao uso de pesquisas que não estão sendo suficientemente renovadoras em seus métodos, análises e interpretações.

Acho que ao desenvolver seus argumentos Nizan fala verdades, mas se engana na proposição.

É certo que estamos todos sendo obrigados a mudar num ritmo que não estamos conseguindo. E que a publicidade não está inovando tanto quanto dela esperam o público e os anunciantes: como ele mesmo diz, “basta ligar a TV”, para constatar a chatice infinita dos clichês que se alastram como praga por todas as categorias de consumo. E é certo também que o uso excessivo e pouco sensível (burocrático, autoritário, controlador) com que grandes empresas usam pesquisa, mais atrapalha do que ajuda as agências a encontrar saídas mais criativas.

Mas o uso de técnicas de pesquisa que se apresentam como inovadoras e revolucionárias parece que também não estão resolvendo o problema. Pois elas já existem em profusão e já estão sendo largamente vendidas e experimentadas pelas agências e seus clientes. Para constatar, basta olhar a esteira de sites com as apresentações de empresas do setor.
Nizan exagera ao cobrar da pesquisa tanta responsabilidade sobre a qualidade criativa no resultado final da comunicação publicitária. O rabo não abana o cachorro. No mundo propaganda e marketing, pesquisa é uma ferramenta, ao lado de uma crescente variedade de outras, com pequena e marginal (talvez até decrescente) participação proporcional nos negócios desse setor.

Arrisco dizer, sem fazer as contas, que o uso de pesquisa não representa nem um milésimo dos altos valores investidos em mídia, produções, promoções, eventos etc. Valores investidos, principalmente, na estrutura profissional das agências, com especialistas muito bem pagos para ter ideias, elaborar estratégias, e para usar com perspicácia as ferramentas e o expertise em investigação do consumidor.

Mesmo profissionalmente bem aparelhadas, parece que as agências não estão conseguindo se entender com os seus clientes a respeito de uma política de uso inteligente de recursos de pesquisa aplicados ao desenvolvimento de boa comunicação (como conduzir o processo em conjunto, usar para que, com quais objetivos, em quais momentos, o que medir, que estímulos usar, como escolher fornecedores e técnicas, como interpretar e avaliar resultados, e por aí vai).

Em minha experiência de fornecedora de agências e anunciantes observo profissionais cada vez mais desmotivados para o trabalho de investigação, entrando a contragosto em projetos que estão sendo obrigados a conduzir ou acompanhar.

Para entregar um bom trabalho vejo-me muitas vezes na incômoda posição de tentar satisfazer expectativas divergentes, de suprir lacunas de conhecimento de ambos os lados, de apaziguar antagonismos preconceituosos e harmonizar visões conflitantes.

Assim como tantas outras áreas ligadas a marketing e comunicação, a oferta de serviços e metodologias de pesquisas do consumidor é crescente e variada. De 1.0 a 4.0, há alternativas para todo gosto, necessidade e capacidade de escolher.

E, como já disse, o que não faltam são propostas arrojadas de abordagens inovadoras que prometem a resposta de um bilhão de dólares como descobrir as tendências que revelam o futuro, mapear as profundezas do cérebro do consumidor, detectar motivações inconscientes ou inconfessáveis. E que propõem “novos olhares” sobre isto, aquilo, e tudo mais.

Mas apesar de tantas promessas arrojadas não é a inovação, ou a tentativa de inovação, que mais diferencia empresas e profissionais que competem nesse mercado. Infelizmente a realidade é bem mais prosaica, e o buraco bem mais embaixo. O que mais diferencia ainda é preço e qualidade.

E a qualidade do serviço de pesquisa continua sendo definida por confiabilidade, seriedade e ética profissional, inteligência e conhecimento. E sobretudo pelo expertise teórico e científico para analisar dados estatísticos e manifestações complexas do comportamento humano. Coisas que têm preço, porque são raras e custam anos de estudo e dedicação!
Como em toda área do conhecimento, não haverá inovação legítima e relevante sem que os pesquisadores tenham ralado e construído essa base de sustentação profissional. Necessária não só para quem faz e analisa, mas também para quem planeja, compra e usa os resultados.

Pesquisa séria e confiável, usada de modo sensível e inteligente, não é só uma parceria segura para quem quer reduzir o risco de decisões que envolvem altos investimentos (e há sim metodologias muito eficientes para isso), mas também uma parceria inspiradora (insightful, como se diz no meio) para quem precisa inovar. Há eficientes e sensíveis técnicas exploratórias que ajudam as agências a encontrar saídas criativas para a comunicação de seus clientes.

Há, sim, por aí, muita pesquisa inútil e mal conduzida. Mas nem por isso pode-se dizer que a pesquisa ruim é culpada pela propaganda ruim. Va lá, elas apenas se merecem e caminham juntas.

Agências em trabalho de prospecção prometem jurar princípios todo o dia sobre a bíblia da corporação cliente. Prometem mandar suas equipes de ponta observar consumidores em supermercados ou em seu habitat e até comer empadinhas todas as noites em banais e tediosas reuniões com pessoas pouco interessantes que parecem mentir sobre seus reais desejos de consumo.
Mas muito cedo se instauram as dificuldades de relacionamento, a falta de motivação para buscar novas soluções, os conflitos de egos, de interesses e as diferenças nas posturas e filosofia de trabalho.

Sei por experiência que quando clientes e agências não se entendem sobre a importância a finalidade e os objetivos da pesquisa, ou quando profissionais de ambos os lados não tem o conhecimento, a motivação, a sensibilidade ou capacidade intelectual para acompanhar e entender os resultados de um processo complexo de investigação seriamente conduzido, não há santo pesquiseiro, nem tecnologia 4.0 que possa operar o milagre da criatividade!

Vera Aldrighi
Diretora da Vera Aldrighi Clínica de Marcas.