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Posicionar não é escarafunchar

A atitude é o ascendente, a codificação aparente, a máscara que acende o desejo. Não revela, protege e encanta. É um avesso de conteúdo.

A propaganda é um terroir em que germinam atitudes efêmeras. O publicitário que bem sucede-se é aquele que entende o jogo de sedução que se dá na superfície. O arrepio, ainda que passageiro, é mais eficiente.

Quando a pseudo-ciência do marketing aprofunda a análise in extremis, os processos além de lentos são densos, desgastantes e banais. Resultam em idéias que têm a pretensão de apertar um botão utópico, que transformariam audiências em consumidores. O máximo que se consegue com tanto método investigativo é vulgar. A enorme maioria dos conceitos de posicionamento assim gerados são monótonos, repetitivos, passe-partout e verdadeiras metralhadoras de agrados para uma plêiade de interesses internos.

Emocionar não significa escarafunchar as entranhas. A exposição publicitária é fugaz, disputada a tapas e cara demais para a exploração em águas ultra-profundas.

Já a mais epidérmica das carícias é capaz de inspirar os gozos mais primitivos.

Engolindo o choro

Imaginemos um país muito cordial, no qual as pessoas são tão fanáticas por futebol que praticamente todas as conversas – no trabalho, em casa, na escola – se estabelecem por meio de metáforas futebolísticas.

Este país é tão sofisticado no trato da matéria que inúmeras organizações se formam para discutir e debater o esporte, suas táticas e seu futuro. Existem Confederações Nacionais, Federações Estaduais, Agremiações Municipais, Associações de bairro, Clubes interdisciplinares e até um Grupo de zagueiros que, de tempos em tempos, organiza uma Conferência Nacional na qual são colocadas à mesa as problemáticas da classe, suas bandeiras, suas frustrações, suas ideias, suas visões.

E também, por vezes, as atitudes dos profissionais do Grupo são debatidas com pompa e polêmica: “Devemos ser subservientes para com a classe dos juízes ou é melhor sermos ardilosos face à prepotência da dos centroavantes?”.

Uma agência de comunicação é um time que defende, ataca, cria estratégias, faz sonhar. As diferentes áreas de “especialidades” jogam para um objetivo comum que, por coincidência, é o mesmo do cliente. Assim como não parece fazer muito sentido um zagueiro ser ardiloso com sua classe, não é elogio dizer que um planejador é subserviente à criação ou ao cliente. Assim como um ataque agressivo não ganha campeonato se a defesa for fraca, um planejamento forte não serve para nada se a criação for fraca. E vice-versa o contrário.

Chora menos e vai trabalhar

O planejamento, em uma agência de propaganda, é um frisson. Seu glamour é lustroso e, embora não rivalize em prestígio com o da criação, é a Meca das inteligências, pretensões e egotrips above the line.

E, como se deve, a minúscula corporação dos “Planejadores” é unida, corporativista e fuxiqueira. Assim, apesar de defender sua preocupação integradora, a bandeira é um discurso retórico. Na prática, uma enrustida dor de cotovelo – contra o cliente e a criação – realimenta uma separação das atividades, responsabilidades e brilhos. Nasce assim uma série de regras, preceitos, teorias, definições: “planejador é isso e não aquilo”, “deve fazer menos isso e mais aquilo”, “exige mais isso e menos aquilo”.

Na prática, planejamento é a atividade mais difusa e barbapapa de uma agência de comunicação. Ele não atende mas atende, não faz mídia mas faz, não cria mas cria. Não produz mas produz. Não acompanha mas acompanha. Ele não é cliente mas é, não é agência mas é. Esse nada que o caracteriza é precisamente sua força. Só mesmo metáforas podem definir seu papel, sua importância.

Eduardo Lima, com o chapéu de Presidente do Clube de Criação de São Paulo, talvez tenha criado a mais singela e inspirada imagem do que é um planejador na Conferência de Planejamento: é um mateiro, que entra com facão na selva, abrindo picada para a criação (perdida por definição).

Se o planejador é um sertanista, um cão farejador, um atirador de elite, um espião, o Presidente do Clube de Criação de São Paulo tem razão quando percebe tanto bebê chorão ranheta vituperando, demarcando territórios e parindo definições.

Planejamento: 40%; Criação e Mídia: 10%

Numa recente concorrência de agência, um anunciante estipulou assim os pesos para os trabalhos que seriam apresentados: criação, 10%; mídia, 10%; planejamento, 40%; outros: 5+5+5+5+5+5+5+5% (estrutura, cases, atendimento, etc.).

Essa forma de considerar o trabalho de comunicação é, no mínimo, surpreendente e demonstra uma tendência curiosa.

Ao ler os critérios superficialmente, podemos evidentemente enaltecer o papel da estratégia de comunicação e lamentar a irrelevância atribuída à criação ou à mídia.

No entanto, se é verdade que o papel do planejamento vem ganhando importância em função também de seu desempenho cada vez mais profissional no país, esse tipo de qualificação das áreas denota uma incompreensão patente do movimento com o qual as agências estão comprometidas, a saber, a integração das atribuições e das entregas entre todas as “especialidades”.

Houve um tempo em que a criação era muito mais valorizada, em detrimento do trabalho de planejamento, discriminado ou redundante. O balanço tende a pesar demais, hoje, para o outro lado, e isso, embora seja uma reação que busca o equilíbrio, é excessivo porque reforça um trabalho apartado, desintegrado.

A criação sempre será a parte visível de um trabalho de comunicação, portanto, a mais charmosa nos bons exemplos, ou vulgar nos maus. Por melhor que seja a estratégia, o trabalho que se vende (e aquele que vende também) é aquele que se vê.

Portanto, o critério correto de escolha de uma agência deveria concentrar-se definitivamente na criação. Por criação, no entanto, deveria avaliar-se, dentro dela, o raciocínio. Esse deveria ser o quesito planejamento a ser considerado, e não de forma independente e isolada.

Mas estamos muito longe desse ideal porque, muito antes de conseguirmos alcançar essa apoteose, ainda deveremos conseguir resolver a questão da autoria, da vaidade e das recompensas individuais.

Enquanto isso, planejadores: ao trabalho; e criativos: relaxem.

A propaganda é caroço duro de roer

A propaganda, talvez por missão sintética, por restrições de espaço, por objetivos massivos ou por ser simplória, concentra sua mensagem naquilo que chama de essência.

Assim, todo o trabalho de planejamento, de briefing e também de criação busca inspirar, enunciar e comunicar a essência de uma marca, de um produto, de um serviço ou de alguma ação. E convencionou-se situar a essência no centro, portanto, exercendo uma superioridade e prioridade sobre tudo aquilo que seria ou será, a partir dessa descoberta, periférico.

Graças ao nosso natural talento para a metáfora, os mais místicos chamarão essa essência de alma; os mais românticos, de coração, mas caroço é mais evocativo.

Uma alma é a etérea representação de nosso complexo de mortais, é nosso álibi de eternidade, uma alma é algo que não se expressa nem se manifesta. Um coração é só uma bomba com motor, um órgão subserviente a impulsos nervosos. Coração e alma foi o que alguns  malucos muito ignorantes colocaram no centro do DNA!

Já um caroço, assim como contém a semente que germina para a renovação, é também o que sobra quando já nos regalamos.

Por trás da busca pelo caroço, desprezamos e até rejeitamos a suculência, o prazer da superfície, a luxúria do detalhe, a sensualidade do supérfluo.

E, no mais das vezes, a essência que assombra nossa busca reduz o  discurso e a história, a provocações racionais básicas ou estímulos emocionais vagos. A  propaganda vira um megafone de argumentos (preço, features…) ou um clipe de sensações imprecisas (juventude, felicidade…).

Por que não acreditar, por vezes, que a busca da essência pode ser substituída pela descoberta da superfície?

Será que só amamos a essência ou os detalhes encantadores?

A pequena e deliciosa periferia da superficialidade tem charmes irresistíveis, capazes de mascarar os mais incorrigíveis defeitos. Essa é a mágica da sedução.

A propaganda, enquanto permanecer encarcerada na ditadura da essência, será quase sempre vulgar, desinteressante e chata pra caralho.

Mamãe, eu faço power-point

Infeliz aquele que inventou que uma agência de propaganda deveria ter especialistas em planejamento de comunicação ou marca ou sei lá mais o quê.

Não poderia haver palavrão mais inadequado para a “desordem dos sentidos” que povoa qualquer ambiente minimamente criativo.

O planejamento, no entanto, foi encontrando sua utilidade e suas cartas de nobrezas, mesmo que ele nem sempre faça o que o nome indica.

Ou seja?

Tese:

Existe um adágio recorrente, pronunciado com humores sábios pelas metralhadoras de clichês: “Não é o power-point que vai para o ar”. E, como pasto pisado não engorda, a gente reage e faz um planejamento “criativo”, que é esta tentativa charmosa de descabelar o tecnicismo.

Noite de amor sem carícia é abate, e os dois tipos de planejamento não passam de prolegómenos, com sedutoras promessas no primeiro e frissons compensatórios no segundo. Barroquismos à parte, o planejamento crivado de pesquisas é uma engenhoca pseudocientífica; o planejamento florido com insights psicanalíticos é a propaganda da propaganda.

Se não passamos de obreiros de um lado ou mestres de cerimônia do outro, o planejamento de comunicação não passa de uma encenação que só depende da performance dos atores para cumprir tabela com maestria. É fácil.

Mas, se o trabalho de planejamento é azeitar as interfaces de uma agência de comunicação, ele não pode ser uma vaselina para que o trabalho escorregue melhor goela abaixo do cliente.

Planejar é a arte do possível.

O cliente, qualquer que seja seu perfil, suas polices e suas vaidades, por definição, irá sempre querer muito: muitos resultados e múltiplas proposições. É do planejamento o compromisso de elencá-las.

A criação, tanto as mais rasteiras quanto e as mais etéreas, rejeitam, por formação, e as ambições do cliente e os insights que vêm da rua. É do planejamento o desafio de tornar o briefing simultaneamente pragmático e curioso.

A mídia, até a nossa aqui, que é ótima, fica naquele equilibrismo entre a rentabilidade do cliente e a do negócio, entre o pântano de números e o lampejo rompedor. É do planejamento a afinação de dar o lá.

Mas tudo isso também é fácil.

Antítese:

Difícil é só uma coisa: encontrar uma definição para o que a gente faz. Ou acha que faz. Tanto faz.

Tem milhões por aí e um outro tanto de modelos. Mas, no fundo no fundo no fundo, o que a gente faz é um power-point (ou qualquer outro eufemismo de power-point que a gente use para dourar a pílula) e propaganda da propaganda (ou todos os trejeitos intelectualoides que a gente cacareja).

O planejamento só presta mesmo quando consegue colocar no ar (na rua e no vácuo digital) a prosopopeia da sala de reunião.

O consumidor se envolve muito mais quando saca ou sente a intenção por trás do discurso. E é a intenção que está no power-point. Já se foi o tempo, medieval, em que o grito e a repetição davam conta do recado. As pessoas não caem mais no truque do GRP acéfalo. Mas, quando a gente para de mascarar as boas intenções de opereta (compre que vai ser mais eficiente, mais barato, mais saudável…) e tem alguma sinceridade nos argumentos (aqui estamos nós para fazer você se divertir, se emocionar, se envolver…), o power-point, que vai para as mídias, funciona.

E o cliente, nosso cliente, chato de galocha ou amigão do peito, só quer mesmo é entender, te acompanhar, te apoiar. Ele quer saber, no fim das contas, como é que ele vai convencer quem ele tem que convencer (o chefe, os chefes, o laboratório de lobotomia, o método). Por isso, ele precisa saber como é que a gente faz propaganda, dessa propaganda aí pela qual ele vibra o tempo todo.

Síntese:

O bom planejamento, aquele, único, que deve ser feito, é aquele que revela e antecipa.

Revelação é quando a gente sabe observar. Só isso. Pouco importa a metodologia. Revelação é nossa matéria prima.

Antecipação é quando a gente prevê o que vai acontecer depois, depois de colocar no ar (na rua e no vácuo digital) o que construímos da argila revelada.

Assim, o planejamento só pode mesmo é torcer, da geral, por aquilo que o inspirou a abrir os trabalhos. Torcer pelo power-point que o consumidor vai devolver como só ele sabe: aderindo às marcas e comprando os produtos.

A fé no power-point é que faz o planejamento dosar as promessas e também os floreios, rodeios e salamaleques poéticos.

Planejar é o sonho do possível.

(Publicado originalmente no Jornal Meio & Mensagem, edição de 03/10/2010)

A propaganda dos fominhas e brucutus

Toda agência de propaganda tem atacante fominha, lateral que dribla pra trás, meio de campo perdido e zagueiro brucutu. Para quem assiste de fora, a falta de entrosamento é a alegria dos comentaristas. Mas para quem está em campo, a bola está em jogo e não tem replay.

Como no futebol, o esquema de jogo é quase sempre caudatário do talento de alguns. A vitória é dos craques, a derrota é dos técnicos.

Toda agência de propaganda tem criação, planejamento, atendimento e mídia. Todas, inclusive as modernas, inovadoras, hypadas, desesperadas, desconectadas ou desencanadas.

Como no futebol, na propaganda existem regras do jogo.

A regra do nosso jogo é a seguinte: trabalhamos para clientes que comandam uma grana que devemos investir em veículos de comunicação que escolhemos em função das audiências que eles geram.

Não mudou muita coisa desde tempos imemoriais. Ainda temos a grana dos clientes, ainda trabalhamos com veículos de comunicação e ainda temos que investir neles.

Mas uma coisinha singela está diferente: as audiências não são mais dadas. Elas agora estão voláteis, independentes e incertas. Elas estão hoje em um bilhão de lugares e amanhã estarão em um bilhão de outros lugares. As audiências foram alforriadas.

Novas regras se impõem e novos times também.

A mídia não pode mais ser fominha e encastelar-se atrás dos dados. A criação não pode mais ser brucutu e achar que só Jesus salva. O planejamento não pode mais dar drible pra trás com sua sapiência do consumidor de ontem e o atendimento não pode mais dar dribles para trás da sua cautela.

Com essa audiência liberta, não dá mais para prescindir de esquema de jogo e não dá mais pra fazer gol sozinho.

Mais importante que criar idéias (seja lá o que isso algum dia significou), a gente tem que aprender a criar audiências e para isso, talento e umbigo não bastam.

Nem paixão pelo negócio, nem pela marca

Sim, vivemos num mundo capitalista, numa economia de mercado, num ringue entre perdedores e vencedores. Aqui é a arena dos arrivistas. A grana dá gana e dá gosto.

Isto posto para os poetas. Isto posto para os tubarões.

Planejamento de comunicação é, sabemos, uma coisa cheia de teorias, definições e outras viagens. E vamos dispensar as perorações, prosopopéias  e pretensões.

Mas se espremer, tirar toda o blablablá, a visão do que é planejamento se resume a duas: para alguns o foco é no negócio, para outros é foco na marca.

Para alguns, propaganda existe para fazer um negócio prosperar, crescer, ganhar musculatura, conquistar espaço, mesmo que seja só comercial, mesmo que seja só responsável. E se propaganda é isso, então o planejamento deve olhar o negócio, entender o negócio, arrotar o negócio, evangelizar o negócio do cliente. Isso dá um tipo.

O outro é aquele que acredita que a representação simbólica de um produto, de uma empresa, quiçá de uma filosofia – a marca – é o que vai permitir criar laços entre um consumidor e a grana que ele vai pagar para o negócio. A marca é o médium que se xaveca e cultua. Se a propaganda existe para servir marcas, então o planejamento deve vestir a marca, bajular a marca, lustrar a marca, travestir e treinar a marca.

Não iremos tratar aqui do tipo híbrido, o tipo conclusivo, apaziguador, o coxinha que já vai dizendo que o planejamento deve ter paixão pela marca para gerar negócio ou vice-versa-o-contrário-tanto-faz-não-enche.

Vamos sugerir uma outra visão, aquela que considera o “negócio” um deserto de emoções, e essa visão de “marca”, o canto da sereia.

Que tal a nossa paixão ser pela comunicação, pelo discurso, pela história (sem a babaquice do story-tellismo)?

Que tal o planejamento ser um laboratório de construção de linguagem? Um campo de treinamento onde a gente ensaia a fala, a forma e o conteúdo?

Que tal um departamento de planejamento que tem como missão aprender como é que as pessoas pensam e sentem para uma propaganda importante, útil ou simplesmente gratificante para os “consumidores”? Uma propaganda que antes de ser relevante para a marca ou para o negócio, seja relevante para o Pedro, a Clara, o Eduardo, a Maria e o Flávio?

Que tal um planejamento cuja missão é conseguir fazer propaganda que não seja só propaganda?

Dicas para um planejador neófito: o sistema é bruto

1) Curriculo: mandar curriculo por email é a coisa mais preguiçosa do mundo. Se não houver outro jeito – digamos que você more no Cariri, que você não conheça ninguém a mais de um quilometro de distância e que sua vocação esteja escrita nas estrelas, mande um curriculo inteligente que diga exatamente o que você quer e porque você quer isso. Não perca tempo em salamaleques, nem frases vagas, mas não deixe de demonstrar que você sabe com quem está falando. E se você tiver algo para mostrar, poupe os servidores de emails de attachments: publique em algum lugar e mande o link. O sistema é bruto.

2) Network: network é importante e não tem absolutamente nada a ver com caderneta de endereço. Network não se conquista entrando em redes sociais tampouco. Elas só servem para te dar uma pista. Se você identificou seu target, comece o namoro com educação e pertinência. Jamais puxe o saco. Mande emails, participe das comunidades, dos blogs mas só se você tiver algo inteligente a dizer. Elogios, e manifestações folclóricas são contraproducentes. Encontros de profissionais são enfadonhos, não perca seu tempo. Quem interessa não vai a esses convescotes. O sistema é bruto.

3) Indicações: é importante ter bons relacionamentos. E por bons relacionamentos entenda-se pessoas que tenham argumentos para saber te vender. Ninguém pede favor a ninguém por amor. Não se queima cartucho por belos olhos e interesses sórdidos. Seu pai, seu irmão, seu primo empresário, seu padrinho rei da Prússia são queridos, mas são muito piores no quesito indicação do que seus ex-colegas e seus ex-chefes. Não faça inimigos profissionais porque o mundo dá voltas. O sistema é bruto.

4) Oportunidades: não abrace qualquer porcaria, para estar “dentro do mercado”. É perda de tempo. Não é a empresa que te escolhe, é você que deve escolhê-la. Um pouco de auto-estima é bom. Se você achar um bom terreiro, invista, trabalhe muito, faça muitas perguntas e não fique arrotando verdades. A probabilidade de você falar uma asneira é colossal. Seja discreto, simpático, solícito e tente evitar de mostrar seus extraordinários dotes, suas fantásticas relações, sua polpuda conta em banco. O sistema é bruto.

5) Background: 1) aprenda a escrever, aprenda a escrever, aprenda a escrever. Se você escreve bem, quer dizer que você pensa bem. E se você pensa bem, você é útil e tem futuro. O resto – a formação, a experiência, as leituras, os cursos, os workshops, as viagens não servem para absolutamente nada se você escreve como um porco javanês. 2) aprenda a falar, aprenda a falar, aprenda a falar. Se você fala bem, quer dizer que você tem segurança. E se você tem segurança, você é útil e tem futuro. O resto – seu corpo irresistível, as grifes que você estampa e o sorriso colgate não servem para absolutamente nada se você fala como um estivador bêbado. O sistema é bruto.

6) Paciência: tenha muita paciência, muita. O sistema é bruto.

Publicado originalmente no site CHMKT

Planejamento engana trouxa

A sala era um pot pourri de quintessências. Vapores caros, frufrus raros, viagens e referências rasas fustigavam o ambiente. A inauguração seria um happening digno das corridas de Ascott: a crème de la crème da cidade iria conhecer o provimento mais exclusivo, as novas coleções recém desembarcadas dos ateliers. Era preciso um passa-tempo para distrair as lindas, disfarçar com elegância o furor consumista.

– Podemos oferecer um aperçu do cirque du soleil?
– Déja vu, chérie!
– Quem sabe a lady gaga não viria em pessoa?
– Gaga o quê?
– Um chuva de pétalas, diligências e candelabros de 12 velas?
– Kitsh!
– Uma coisa mais roots, hip hip, beat box?
– Bas fond!
– Já sei: um intelectual?
– Intelectual?
– É. Um desses filósofos filosofa sobre a filosofia do consumo.
– Opa! Agora gostei. Filosofar é hype!

Planejar uma marca, construir catedrais conceituais sobre arcabouços teóricos é sucesso garantido. Nem mesmo a criação é capaz, hoje, de causar tanto frisson nas platéias empresariais. É a hora do relaxamento, da esperança, de lavar a consciência. É quando não nos achamos tão interesseiros, imediatistas, selvagens.

O planejamento levanta o sarrafo com seus arrepios sedutores e ofusca ou entorpece a entrega, aquilo que vai pra rua, depois de aterrissar com os pés no chão.

De tanto ouvirem que é preciso soltar as amarras, inspirar, ser criativo, sedutor, sexy e glamoroso, os planejadores desmunhecam no espaço sideral.

Eis onde reside a frustração de 10 em cada 10 anunciante lúcido: “vende-se a lua e entrega-se seu reflexo fugidio num mar revolto”.

Planejamento não existe para vender idéias a um anunciante. Não é a propaganda da propaganda. Não é esse me-engana-que-eu-gosto.

Planejamento existe para tornar factível uma idéia. Planejamento existe para ir para a rua, para a mídia, para a cabeça do consumidor. Planejamento que pira na promessa sem calibrar e prever o que vai ser possível entregar é poesia. Rasteira.

A frustração dos consultores de imagem

Se é um pouco frustrante trabalhar com planejamento em uma agência de propaganda, difícil imaginar como deve ser difícil a vida de um consultor.

O planejador é um teórico, cria raciocínios abstratos, inventa construções ou sugere referências a partir de indícios pesquisados. Como ele não tem laboratório, suas experiências são sempre hipotéticas, inferidas ou intuídas.

A realização dá-se através do talento de outro, muitas vezes de forma difusa e quase sempre sem muita glória.

Mas vá lá que ele reconhece no que vai pra rua, quando é bom – ou acha que reconhece ou acha que é bom – uma centelha de seu trabalho, um átomo criativo, um cheirinho de “fui eu que fiz”.

Mas e quando planeja-se em uma torre de marfim, distante da oficina? Quando cria-se o raciocínio, entrega-se o relatório e dá-se as costas (quando muito concedendo um aconselhamento distante)?

Pelo menos o primeiro, que trabalha numa agência, divide o mesmo espaço de quem está em campo, vibra por osmose. Com a camisa de torcedor, sente-se parte do jogo.

O outro, o consultor “externo” é um general sem exército, um arquiteto sem obra, um terapeuta sem paciente, uma Norma Desmond sem mordomo para inventar as cartas dos fãs.

Ou na melhor das hipóteses, um engenheiro de obra pronta.

Planejamento é palavra incompetente

Planejamento é uma palavra ruim quando se aplica ao trabalho de comunicação. Tão imprecisa quanto atendimento, igualmente pretensiosa quanto criação.

Pois se significa traçar planos, rabiscar o futuro, estabelecer metas e caminhos, o planejamento assim concebido é uma espécie de âncora retrógrada, incapaz de saltos paradigmáticos e descrente quanto aos milagres que a comunicação pode operar numa marca. O planejamento que “planeja” não passa de um software fatorial que escreve prognósticos na areia: qualquer ondinha apaga sem deixar marcas.

Foi-se um tempo em que especular o futuro baseado em dados, informações, extrapolações matemáticas e pesquisas que não conseguem ultrapassar a linha do presente, era um conforto ou um ponto de partida. A aceleração demográfica e geográfica, de costumes, ambiental, histórica, social, cultural, econômica e mercadológica não enseja mais projeções baseadas em dados do passado para projetar o futuro.

Cabe encontrar outro significado, mais útil, charmoso, excitante e simples para o “planejamento”.

Assim como a ciência trafega melhor hoje na inspiração do que na observação empírica, lenta e cara, planejar tem mais de revelação.

Antes, planejar significa creditar à comunicação uma espécie de dínamo cultural, de mão dupla (que se influencia e influencia), é acreditar que a responsabilidade da propaganda transcende os simples objetivos comerciais, estreitos, fugazes e cíclicos. Se a propaganda é agente cultural, planejar é transformar.

Não cabe ao planejamento encontrar o certo, o provado, o correto. Não nos cabe colocar a comunicação no rumo sem risco, portanto medíocre, cabe encontrar o caminho da transformação, logo ambicioso.

Planejador ou recitador de cases?

Antigamente, chamavam de degenerados todos aqueles que não se qualificavam em nenhum rótulo, nenhuma categoria, nenhum propensão, comportamento, crença, profissão. Os esquisitos eram degenerados.

A liberdade de opinião, de fé, de sexo, a liberdade de pensamento estranha. Como preencher os currículos, os perfis e os títulos quando se acorda de esquerda e vai dormir de direita, marcha-se  agnóstico e se interna temente a Deus, apaixona-se por pessoas e não sexos, muda-se de convicção ao sabor da reflexão e emoção?

Pois perguntam às vezes qual é a principal qualidade de um publicitário – ou, para não generalizar – de um planejador – ou, para não correr nenhum risco – daqueles que admiro.

Se pessoas não são controles remotos, prefiro os livre pensadores, os esquisitos, degenerados.

Nada mais entediante do que a recitação, a citação, a referência. Nada mais chato do que os manuais, os professores, as metodologias, as conferências. Nada mais triste do que aquele que pensa pela cabeça dos outros, cita doutos aforismos, estudos de casos e experiências alheias antes de permitir-se a reflexão original.

No currículo, mais vale a paixão do que o curso e o prêmio.

Mais vale o leitor de Melville, amante de novela, fã de rock ou pagode do que o recitador do “guru” em voga.