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O Iguatemi JK e a sagração publicitária

Tem gente que leva muito a sério a natureza primata do ser humano. O gozo pulsa numa espécie de compensação hierárquica: comer, trepar, comprar e etc. Coma para poder trepar, trepe para poder comprar. Ou qualquer outra cadeia semântica que tal.

Na atual conjuntura sócio-econômica-cultural do país, a propaganda brasileira se identifica com o esse coito interrompido: comprar é a sublimação do prazer. A propaganda desses pragmáticos é assim: “não me venha com a punheta intelectual, que eu já gozei”. Reclames com jogador de futebol de brinco flamejante, tele-apresentador cínico, atriz gritalhona, dá-lhe!

E o Iguatemi JK é a mecca das drag-queens de Louboutin, o play-ground do cabelo azeviche de BMW branca, a passarela das Goyards monumentais desfilando periguetes engomadas e Falcons inchados. O ideário publicitário não poderia encontrar mais pornográfica evocação.

E depois, Brasil?

Pagar a prestação, dar golpe, ou calote exemplar.

Comer, trepar, comprar, calotear.

E depois, Brasil?

Fernando Campos X Nizan Guanaes

Indicaram-me dois artigos sobre o festival de Cannes de 2012 que, como uma ladainha surrada, todo ano, concentra as atenções, mágoas e êxtases do mercado publicitário.

É provável que tudo já tenha sido dito, e não é de hoje, sobre o Grand Casino de Cannes. Portanto, não é sobre o fundo – batido – mas sobre a forma – reveladora – que a reflexão cabe aqui, ao ler os artigos do Fernando Campos no CCSP e do Nizan Guanaes na FSP (pessoas que não conheço, portanto sinto-me isento de interesses).

Primeiro, um artigo desabafo, vagamente metafórico, escrito com as tripas. Fernando Campos solidariza-se com suas próprias percepções e a sinceridade de suas palavras transbordam, perdoando o estilo ejaculatório. O autor não barganha elogios ou admiração, nem de forma indireta. É uma opinião sobre uma observação.

Segundo, um informe publicitário, trôpego, escrito no smartphone. Nizan Guanaes, depois da longa nota biográfica que serve de credenciamento masturbatório, se curte, se adora, se admira. O artigo é uma declaração de intenção explícita e um manifesto de autopromoção. É uma opinião sobre ele mesmo.

Cannes só tem graça porque anedotiza as duas faces típicas do profissional de comunicação: luxúria irada e volúpia gulosa. Fico com a primeira.

Planejamento, o sonho do possível

Se o Planejamento nasceu de necessidades ou ambições associadas a evoluções do mercado de comunicação, e se idealistas criaram necessários dogmas e métodos, a especialidade continua indefinida, maleável apesar de convicta, sensorial apesar de exata. E talvez resida precisamente nesses paradoxos a pedra angular que faz do Planejamento uma sustentação do negócio de comunicação hoje e amanhã.

A disciplina polariza-se entre duas visões, aparentemente antagônicas mas muitas vezes concomitantes: a primeira atribui importância prima na quantificação das observações, a segunda dá maior relevância à intuição. Mas a evolução do negócio de comunicação que apartou as duas entregas clássicas – ideía (Criação) nas agências “tradicionais” e execução (Mídia) nas de “mídia” – forçou o Planejamento a assumir um papel que o distanciou da realidade e prática da comunicação.

Foi assim nos principais mercados do mundo, mas não é assim nos periféricos. A reflexão sobre o mercado no Brasil oferece uma possível alternativa para enfrentar os desafios presentes do Planejamento e por conseguinte, do negócio de comunicação.

A gênese do Planejamento

Se primeiro veem os fatos, se uma marca deve cerca-se de certezas para elaborar, prever, ambicionar seu futuro, ou se antes deve vir o ideário, se uma marca deve defender uma Missão e perseguir uma Visão, são duas questões que dividem opiniões e críticas.

Para alguns, a ciência se constrói sobre certezas observadas. Mas desde o dia em que constatou-se que a própria observação alterava o objeto observado – como em qualquer pesquisa, por mais discreta, bem moderada e analisada que seja – todo fato coletado passou a vir acompanhado de ressalvas que condicionavam as conclusões à condições de laboratório, portanto de duvidosa extrapolação para a realidade.

No entanto a vivência comprova que a ortodoxia pseudocientífica pode desembocar em estratégias de comunicação conservadoras, covardes ou que não conseguem tirar as marcas de um crescimento vegetativo. E como é fácil identificar, nas mais simples peças publicitárias, esse pensamento cartesiano ou quando muito genérico, incapaz de arrepiar o mais sensível dos consumidores!

Para outros, no entanto, certezas só podem ser obtidas a partir de uma intenção, de hipóteses inspiradas de musas criativas. A partir desse salvo conduto corajoso, é que a observação passa a corroborar o mistério da iluminação preliminar.

Mas essa espécie de criação antes da Criação, pouco técnica mas não menos intelectualizada, castiga uma Criação com referências elevadas, tendências mirabolantes e estímulos eruditos. E como é fácil reconhecer, na mais prosaica das reuniões de briefing, o transe dos planejadores confrontado ao desespero pragmático dos criativos.

Ambos os pontos de vista – “primeiro pesquisamos” ou “primeiro intuímos” – são métodos intercambiáveis, dependendo tão somente daquilo que cai no colo antes – os dados ou as ideias: na falta de dados, vamos às ideias; na falta de ideias, vamos aos dados.

Sobretudo, ambas os caminhos, enferrujam o difícil equilíbrio operacional de uma agência de comunicação. O planejamento-comme-il-faut que coleciona dados com obsessão, censura a liberdade e o planejamento-enfant-terrible que capricha nas metáfora, isola-se sem serventia.

Planejamento: o triunfo do hip

O eixo fundador, no entanto, passou por enormes transformações nas últimas décadas que, além de impactar no modelo de negócio, teve forte influência sobre uma certa visão do papel do Planejamento nas agências de comunicação.

A mais notável – e que talvez tenha deixado de frequentar os debates – é a separação entre o negócio de “criar estratégias e mensagens” e o negócio de “planejar e comprar mídia”. Nesse processo, no entanto, a disciplina de Planejamento esquartejou-se: do lado das agências de comunicação ficaram os planejadores mais “criadores” e do lado das agências de mídia, aqueles mais “matemáticos” (ou o Planejamento limita-se a ser um Planejamento de canais).

Qualquer agência minimamente influente no mercado, defende um planejamento parasita da Criação, distante da execução e principalmente alienado do comportamento de consumo de meios.

Planejamento: garantia e sonho para os clientes

O cliente flutua ao sabor dessa idiossincrasia.

Por um lado, brilham aos olhos dos clientes as ricas técnicas de pesquisa, cada vez mais profundas, rápidas, e pretensamente analíticas. O Planejamento que comprova os insights – mesmo que óbvios – é um escudo contra as incertezas. Por outro, a construção de um raciocínio mais elaborado, comportamental e filosófico, compensa as metas terrenas dos profissionais de marketing. O Planejamento quase sempre brilha nas apresentações aos clientes e é cada vez mais comum triunfar em detrimento até mesmo da própria ideia criativa.

Nunca dantes, o Planejamento conheceu tamanho prestígio. O profissional, nerd ou hip, é valorizado, super-valorizado, over-valorizado. O Planejamento é a grande estrela da sala de reunião e fideliza os clientes. Desde que o contrato entre uma agência e um cliente deixou de se dar pelo viés do relacionamento pessoal, o Planejamento é o elo perdido. É a ponte, muito mais lógica, muito mais inspiradora, entre o cliente e a agência. Da porta para fora das agências, o Planejamento salva as crises.

Planejamento muleta

Se o Planejamento tem seu papel circunspecto a uma crescente e sólida interface com o cliente (origem, inclusive da sua gênese), será esse, no entanto, seu destino? Voltar a ser o que foi? Só uma interface “pensadora” entre o cliente e a agência?

O planejamento não pode ser relegado a um mero papel de vitamina intelectual pois sua importância seria um luxo extravagante. O planejamento não pode ser a muleta a serviço dos calcanhares de Aquiles de uma agência de comunicação: uma Criação autista ou um atendimento acéfalo.

Brasil: o sonho do possível

O Brasil, como todo país periférico ao eixo fundador, ostentou por décadas uma adaptação publicitária de seus clichés de cartão postal. A propaganda brasileira era um brilho de alegria adolescente e maliciosa nas estratégias das marcas globais. Os pródigos publicitários brasileiros davam um sopro positivo e desenvolto nas campanhas, contribuindo de forma marginal a uma imagem mais universalista, democrática e sem preconceitos para as marcas. Esse ar mestiço, com o sorriso frouxo, era recebido com boa vontade para aliviar os debates dos fóruns internacionais das agências. Era também, muitas vezes, o trunfo “fora da caixa” e exótico.
A contribuição era, no entanto, mais facilmente retribuída nos festivais de propaganda do que nas estratégias globais das marcas. A propaganda brasileira, nos anos 80, colecionou centenas de prêmios mas raríssimas aparições na mídia do eixo fundador.

Afundado em políticas retrógadas que levaram o país a enormes gaps culturais e econômicos, crescimentos pífios, inflação galopante, indicativos educacionais decepcionantes e estagnação dos investimentos publicitários, o Brasil adernava e com ele todas as ambições de uma geração de profissionais acostumados com louros internacionais mas para marcas provincianas.

Na chamada década perdida (80), o Brasil quebrou duas vezes. O PIB bruto cresceu 17% no período, mas representou uma queda acumulada de 4% no dado per capita, sem melhorar a distribuição de renda e portanto sem aumentar o mercado consumidor interno. Já o investimento publicitário era equivalente a 0,5% do PIB, em média – bem menos do que os 1,2% atuais.

Não fosse mais um lugar comum, o país do futuro (sempre postergado), no entanto, despertou na virada do milênio, quando percebeu que sua força residia no mercado interno em detrimento de sua vocação de exportador de matéria prima e mão de obra. Na contramão do eixo fundador, o Brasil emergia quando o consumidor despertou de dentro do cidadão.

O Brasil dos anos 2010 é o país de uma nova classe média ingênua e ávida, combinação perfeita para nutrir todas as esperanças de corporações saturadas em seus mercados de origem.

A economia brasileira ganhou destaque recentemente, quando passou a ser a sexta maior economia do mundo – ultrapassando UK. Apesar de ser um marco, essa mudança andou junto com outras importantes: entre 2000 e 2010 o PIB per capita deflacionado cresceu mais de 30% e o índice de Gini caiu 10%. No começo da década, as classes C e D representavam 37% da massa de renda brasileira, enquanto a classe A respondia por 30%. Hoje, esse número é, respectivamente, 59% e 16%.

No entanto essa Meca consumista ainda apresenta enormes obstáculos estruturais. O desafio das marcas transcende em muito as calejadas estratégias globais acostumadas a tudo planejar com método, racionalidade e antecipação calculada. As alternativas pasteurizadas não vencem uma população acostumada a usar de enorme criatividade para vencer os desafios da sobrevivência. As saídas “mínimo-denominador-comum” são frias para um consumidor empoderado.

A solução fácil é portanto recorrer a gritarias varejistas, endossos de celebridades locais e uma mídia repetitiva e massiva, mas os consumidores só aderem às ofertas e esnobam as marcas magistralmente.
Distribuindo conteúdos de comunicação mastigados para o estômago “global” ou recorrendo a apelos varejistas vulgares, as marcas globais enfrentam enormes desafios no país para conquistar o coração dos consumidores.
A defesa do negócio da propaganda no Brasil

Fruto das vicissitudes de um país economicamente oprimido por décadas, o mercado brasileiro de comunicação, passou ao largo da especialização excessiva. As agências brasileiras ainda oferecem às marcas um serviço abrangente que inclui, por exemplo, serviços de inteligência e compra de mídia. Essa oferta ampla permite uma visão holística da comunicação, que vai do impacto broadcast de uma mídia de massa ao engajamento dos consumidores com os conteúdos das marcas nas mídias digitais.

Frente à explosão dos meios e formatos, acompanhada de uma adesão rápida e entusiasmada da população, inclusive e sobretudo a chamada nova classe média (Até pouco tempo atrás, a internet era um território quase completamente povoado pelas classes A e B. No entanto, desde 2005, a classe média cresce seu volume de usuários em 30% ao ano. Nesse contexto, 2011 foi um ano simbólico: a Internet brasileira passou a ser composta por 50% de usuários da classe média) à Internet, as agências de comunicação brasileiras nunca abriram mão de sua operação de mídia.

Parecia vital não permitir a entrada no país das agências especializadas na compra de mídia. O mercado garantiu assim, não somente uma rentabilidade segura, mas principalmente uma inteligência e um pulso permanente com a realidade do consumo de meios, canais e conteúdos. Assim, sem perder a capacidade de conjugar mensagem e meio no desenho das estratégias de comunicação das marcas, as agências de comunicação brasileiras permanecem um parceiro estratégico para os anunciantes, apesar de obedecer às imposições globalizantes ou varejistas.

Do total de investimento publicitário brasileiro, em 2011, 88% foi intermediado através de agências de propaganda clássicas. Essa proporção se mantém desde que a lei 4.680 que veda a entrada de bureaus de mídia no país foi promulgada em 1965.

Planejamento: o triunfo do hip II

No Brasil, assim como em mercados desenvolvidos, e apesar de ainda beneficiar-se de todos os recursos de inteligência de mídia, o Planejamento das agências conectou-se muito cedo com as tendências internacionais.
Assim como lá, o Planejamento padece de pulso, sentido de urgência e principalmente pragmatismo. Tendo rejeitado com veemência o Planejamento nerd, sonhou com briefings mais inspirados e idealizados.

A promessa da lua enternece o sapo, mas no mundo real, sapo é sapo e príncipe é príncipe. O Planejamento das agências brasileiras fala inglês e joga cricket.

Planejamento: o sonho do possível

Como se pode planejar a comunicação de uma marca sem conhecer a dinâmica do consumo de mídia? Encastelando-se atrás de dados, abstraindo-se da prática, criando metodologias cada vez mais abstratas, místicas, intelectualizadas, etéreas?

Esse parece ser o nó górdio a ser rompido pelo Planejamento das agências na próxima década: equilibrar-se entre a improviso e a ortodoxia, aplicar a inteligência com uma dose equalizada de imaginação e pragmatismo.
O Planejamento de uma agência de comunicação, para além de seu recente papel de sedução junto aos clientes, também deve saber voltar-se para a própria agência, descendo de seu pedestal científico ou filosófico, fazendo decolar dados ou aterrissar insights. De sua torre elevada, a pitonisa ficou distante, pedante e recitativa. Perdeu timing e principalmente conexão, transformou pessoas em consumidores e ideias em números.

Em tempos de multiplicação exponencial de meios e formatos de comunicação, talvez o Planejamento possa liderar o retorno de uma certa inteligência de mídia às agências. Talvez essa volta seja necessária tanto para o negócio quanto para trazê-lo de volta ao mundo real.

É a hora de deixar de tergiversar com ares proféticos. É hora de entrar na sala de máquinas, sujar as mãos de graxa, interessar-se novamente pelos canais que conectam pessoas de carne, osso e humores com as coisas – e não só as marcas – que elas desejam possuir.

Vamos rir da metafísica estudada nas escolas, nos livros e nos estéreis wokshops. Fazer mais e pensar menos. Sonhar com o possível.

A propaganda e as empreguetes

Uma coisa é fazer um produto barato, outra coisa é fazer um produto vagabundo. Uma coisa é construir uma marca democrática, outra coisa é construir uma marca segregada. Uma coisa é montar um plano de mídia inteligente, outra coisa é montar um plano de mídia preconceituoso.

Tem sido um axioma incontornável começar qualquer raciocínio mercadológico a partir de sua adequação para uma classe social: “se o produto tem qualidade, ele é para poucos, logo vou falar para quem entende” ou “se o produto é vagabundo, a marca tem que falar com o povão na mídia massivamente burra”.

Não é preciso citar o sucesso das marcas (da Coca Cola ao Google) que foram capazes de transcender esse raciocínio estúpido, atingindo plateias que se unem pelos seus valores e não pelo seu bolso.

Mas para derrubar essa deformação profissional, esse calo intelectual, é preciso antes defrontar-se com outro comum preceito (preconceito): a propaganda precisa ser aspiracional.

Temos a mania de achar que todo mundo tem os mesmos sonhos, ambições e desejos que nós mesmos. O nosso entendimento dos consumidores tem sido demasiadamente construído à nossa imagem e semelhança. Isso explica tanta comunicação cheia de personagens com a nossa cara, gente bonita, rica, jovem, alegre, ouvindo bossa nova, fazendo e acontecendo como se o mundo estivesse à nossa disposição, esperando o toque de Midas. Tanta comunicação que achamos cosmopolita e antenada, refletindo tendências copiada dos arautos da modernidade internacional. Tanta comunicação com cenas da vida de um jovem londrino bem nascido, com voice-over de clichês de auto-ajuda, moralista, com malabarismos semânticos pretensamente inteligentes. Tanta propaganda dando aula e tão pouca propaganda convidando para o boteco.

A propaganda não precisa ser aspiracional para ser boa e eficiente. Basta que seja sincera e verdadeira. A propaganda não precisa organizar a frustração dos consumidores e compensar a nossa, basta que ela crie empatia entre as marcas e os valores das pessoas. Basta que seja cheia de charmes.

Compra-se lápis, papel higiênico e propaganda

Muitas linhas já foram derramadas sobre concorrências entre agências de comunicação. É uma unanimidade vociferar contra, mas assim mesmo, a prática virou regra, e virou regra porque aceitam-se as regras, sem piar.

Não adianta chorar, nem cacarejar: concorrência não é a melhor maneira de escolher uma agência mas é a única.

No entanto, existe um pequeno detalhe, singelo, que poderia trazer alento nessa briga de foice entre cegos famintos. Um educado gesto de civilidade e honestidade numa arena gelada: feedback. Quem promove uma concorrência poderia ter, mais vezes, a decência de avaliar os concorrentes.

Em um jogo de futebol ou numa rinha, o resultado da concorrência nem sempre premia o melhor, o mais esforçado, o mais talentoso. Mas pelo menos, ao final, sabe-se que o time ou o galo perdeu porque estava cansado, distraído, emocionalmente despreparado ou simplesmente fez as escolhas erradas. Ou quem sabe foi a culpa do juiz safado. Sai-se melhor do que se entrou. Mais sábio, mais inteligente, mais calejado, mais aguerrido.

Respeito e transparência é para os românticos. Na propaganda, é a tesouraria quem manda.

Planejamento e criação, la même chose

O bom planejamento de comunicação não é aquele que levanta suspiros da plateia, não é aquele que provoca perguntas inteligentes, muito menos aquele trunfado de glamorosas citações que arrancam concordâncias inequívocas.

Tem sido muito fácil aprovar o backstage da propaganda. Tem sido fácil demais levar a coxia para o palco principal. Tem sido fácil demais sair de uma reunião com ramalhetes de flores na mão dos contrarregras e atores condecorados com tomates podres no peito.

Quando o planejamento brilha e a criação chora, é porque o planejamento foi incapaz e profundamente egoísta. Quando o planejamento está aprovado e a criação precisa de ajustes eufemísticos, é porque o planejamento falhou vergonhosamente. Quando o planejamento está bom e a criação não chegou lá, é porque o planejamento estava errado no briefing e na defesa.

A glória fácil do planejamento materializado em uma comunicação medíocre na rua é sinal de que algo está errado. Nos papéis, nas expectativas, no processo e nas veleidades.

O bom planejamento é aquele que treina, incentiva, inspira e suporta. Custe o que custar, inclusive as premissas, inclusive o suporte, inclusive as vaidades.

Decidiu-se que existiam pessoas que criavam e outras que pensavam. Mas foi evidentemente uma figura de linguagem exagerada, que levaram a sério. Como é pretensioso chamar os que escrevem e os que ilustram de Criativos! Como é arrogante dizer que aqueles que pesquisam e defendem são Pensadores! E como é injusto atribuir menos pensamento aos que criam e menos criatividade aos que pensam!

O bom planejamento tem que ser frouxo no briefing como o bom criativo deve ser maleável na convicção. O bom planejamento não pode ser covarde e o criativo preguiçoso.

O bom planejamento de comunicação é, no mínimo, aquele que aprova uma campanha e, no máximo, aquele que coloca um trabalho bom na rua.

Criatividade não passa procuração

Os gregos tinham várias palavras para Amor, os Berberes muitas para Estrela e os Esquimós uma dezena para neve. Nós só temos uma para Criatividade.

Alguns irão encontrar formas de adjetivar o conceito pra dar-lhe mais precisão: “original ou eficaz”, “mensurável”, “rompedora”, “emocional ou racional”, “universal ou precisa”.

Outra forma de avaliar a criatividade é julgar sua performance com “high scores”, “green lights” e recomendações diversamente pesquisadas.

Existe ainda outra não menos utilizada maneira que é custear a criatividade: “muito ou pouco time sheet”, “ideia cara ou barata de executar”, “ideia com quilometragem ou sem”, “ideia com bom custo-benefício”.

Mas preferimos qualificar seu poder de forma referenciada: “ganhou leão ou lápis ou estrela ou tomate”, “teve views gratuitos, citação nos blogs, likes e comentários”, “a mãe, o filho, o vizinho, o chefe, a moça do SAC gostaram”.

Mas as palavras são o espelho de uma cultura. Se Criatividade não tem definição precisa na nossa sub-cultura publicitária é que talvez não haja juízo de valor possível para qualificá-la. Sem exatidão, foco, compreensão universal, talvez essa criatividade não seja um critério válido para julgar e aprovar propaganda. Essa criatividade não é conteúdo mas forma, não seja um fim, mas meio. Um meio para alcançar um fim, que pode ser envaidecer-se, ter aprovação na pesquisa, custar pouco, ganhar prêmio, fazer falar os tagarelas ou vender. Um dos muitos, muitos, muitos meios.

Mas Criatividade pura, sem epíteto, necessariamente vaga, impossível de mensurar e quantificar, é aquela que toca, arrepia, ferve os glóbulos, emudece, enrijece, tremelica os pelos, sem perceber, sem calcular, sem prever. É pessoal e intransferível. Não passa procuração para ninguém, nem para os poderosos, nem para as pesquisas, nem para os juízes.

O trabalho dignifica o homem, não significa

Trabalhamos tanto e com tanta fingida paixão que é comum acreditarmos que o produto daquilo que fazemos – qualquer que seja a atividade – é o ouro do Reno. Valem todos os esforços, todos os sacrifícios, inclusive o sacrifício do senso do ridículo.

E já que é mais fácil raciocinar com exemplos, a título meramente ilustrativo, por que não usar a propaganda?

Pensemos um minuto no berço ainda tão fofinho dos publicitários: um ninho autocentrado e referenciado. Evoluímos num aquário habitado por peixes da mesma espécie que se cruzam com simulada benevolência e disfarçada competição. Para além dos espessos vidros, habitam os others, clientes, fornecedores, parceiros. Gente hostil e aproveitadora.

Nesse habitat, criamos um aparelho que regula nosso microclima. Uma espécie de termostato e distribuidor automático de alimentos chamado “Prêmios”,

Às vezes, tá um frio danado. As condições não são favoráveis: clientes rebeldes, verbas reduzidas, pesquisas castradoras, concorrência acirrada. Entra a geringonça em ação, distribuímo-nos prêmios e a temperatura volta ao normal.

Outras vezes, a comida fica escassa: os salários não sobem, as ofertas de trabalho escasseiam, os chefes estão fominhas. A máquina entra em ação, esprememos as meninges e os time-sheets e os prêmios matam a fome.

O termostato-alimentador por sua vez, é movido a fichas técnicas, o palco de todas as batalhas. No aquário publicitário, a ficha técnica é o Nirvana.

Devemos admitir que esse é um sistema muito eficiente. De dentro do aquário, ninguém ousa rebelar-se contra a máquina.

De dentro.

Mas para quem está de fora, os peixes estão nus.

O trabalho – mesmo esse – dignifica o homem. O trabalho – até esse – não significa o homem.

Ócio e ofício

Esse post gostaria de ser um rascunho de auto-ajuda mas corre o risco de ser um alívio na consciência. Afinal, quais são as dicas objetivas que se pode dar a um iniciante na carreira de publicitário? Não falo daquelas filosóficas, retóricas qual sabedoria de biscoito da sorte. Aí vai.

Estudos

Diploma é um pedaço de papel num canudo. Faculdade é onde se toma cerveja e se faz amigos. Professor é referência teórica. Livro é estudo paleontológico.

Mas assim mesmo, tem que fazer. E uma boa. A melhor de preferência. Dure o que durar para entrar. Escolha a mais difícil que muito provavelmente será a mais barata. Na pior das hipóteses, você não sairá achando que te extorquiram. Na melhor das hipóteses, você vai saber o que dizer para quem vai te empregar como estagiário. E na média, você vai estar ocupado.

Se sua escolha não for essa, então trate de gostar de alguma coisa por conta própria e investir-se nela. Serve qualquer coisa mas tire dessa curtição algo original, que só você reparou.

Estágio

É lá que você vai aprender e padecer de verdade. Onde há luz, há sombra, já dizia o mestre. Um dia de estágio vale mais do que um ano de faculdade. Um ano de estágio vale mais do que toda a grana que você gastou pagando os estudos. Dois anos de estágio vale mais do que todas as garotas ou garotos que você pegou na faculdade.

Mas é difícil, muito, encontrar um bom lugar. Você vai ser desprezado, vai mandar currículo como uma metralhadora, vai esperar na recepção horas, vai ser entrevistado por um cara sem paciência, que olha mais para o celular do que para a camisa que você demorou horas para escolher.

Mas insista e uma hora você engrena. Alguém vai curtir sua timidez, sua frase de efeito, seu sorriso, seu performance atlética no Angry Bird, seu comentário envergonhado e sensível sobre o filme que você viu, o livro que você leu ou a campanha que te despertou.

Cursos, viagens, palestras, prêmios

O extracurricular funciona para mobiliar seu tempo ocioso, porque no fundo, só sofrendo a gente aprende. É ralando que a gente acaba gostando.

Fazer curso da última modernidade é investimento de alto risco mas comprar tênis ou bolsa nova, ainda mais.

Ir a palestras de gurus ou profissionais ajuda a ficar focado. E também te faz relaxar um pouco. É também ali que você pode azarar como no tempo da faculdade, uma garota, um garoto ou seu próximo empregador.

Finalmente, se arriscar em premiações – mesmo aquelas para dente de leite – ensina a saber perder. Faz também você desenvolver um ódio muito estimulante pelos babacas que te julgaram, os regulamentos estúpidos e as panelinhas que você não frequenta.

Dica final

Importa menos o que você vai decidir fazer do que a perseverança em fazê-lo. Importa menos a escolha e mais a disciplina. Importa mais a vontade e menos o talento. Importa menos a grana e mais o prazer, que aliás só vem com perseverança, disciplina e vontade.

Os 30 segundos castradores

Bashô enxergava
a lágrima
no olho do peixe.

Alice Ruiz

A palavra é uma imitação da natureza. Tudo que lemos e vemos é artificial e ilusório. Porque a imensidão e complexidade do universo é insustentável, por reflexo ou consciência, filtramos, resumimos, editamos o mundo.

A grande e pequena literatura são essas curadorias da observação da natureza. E o poder de síntese é a sublimação mágica, o dom sagrado, que a Criação nos permitiu.

A propaganda sempre soube disso. Os parcos segundos, as palavras contadas, os símbolos gráficos não são um cabresto senão um fermento de criatividade. O slogan, o conceito, a assinatura, a última frase que arremata a ideia são a apoteose da inteligência publicitária.

Mas a comunicação está namorando com outros formatos, mais longos, mais duráveis. Acreditamos que talvez as pessoas tenham ficadas mais complexas, mais inteligentes e que demoram mais para se convencer. Ou então, queremos crer que o engajamento seja uma questão de tempo. Ou ainda, a fragmentação dos estímulos torna as pessoas mais impacientes e por isso devemos criar experiências de amortecimento intelectual para envolver e convencer. Ou simplesmente, desde que a propaganda deixou de atrair instintos para seduzir personalidades com veleidades artísticas, a criação não cabe mais nos formatos. “Seus malditos mídias, castradores!” ou “abaixo a Rede Globo e viva a Argentina!”

Queremos mais tempo mas para falar a mesma coisa?

Infelizmente é o exercício da hipérbole que vem seduzindo as mentes criadoras, com um emprego exagerado de sinônimos – em imagens e palavras. Uma gagueira barroca tão cansativa!

Perdemos o poder de síntese ou é só preguiça mesmo?

A propaganda de apertar parafusos

Falemos dos silos, das gavetas secretas, das caixinhas impermeáveis, das agendas lacradas que coabitam numa agência de comunicação. O assunto é cansado e recorrente, e sua resposta, retórica: integração é uma panaceia.

Mas nenhuma integração é remédio, nem pode haver ordem poderosa o suficiente, tampouco metodologia bastante criativa para vencer as resistências culturais e de vaidades individuais que criaram os feudos. Integração é uma questão de bom senso e boa vontade.

A Verdade Mística é que inventamos a separação das áreas de uma agência. Nós é que resolvemos dizer que mídia-é-mídia-que-não-tem-nada-a-ver-com-planejamento-nem-com-criação-ah-não-criação!-nem-me-fala-é-outra-coisa-que-é-quase-o-avesso-do-atendimento-pelo-amor-de-Deus!

No começo, parecia uma boa ideia, porque dava foco e separação de tarefas. Ajudava também a dar valor para o trabalho. Enfim justificava o trabalho. Mas isso era na época em que a especialização estava na ordem do dia: Chaplin em “Tempos Modernos”?

No fundo e hoje mais do que antes, será que nosso trabalho é apertar parafuso? Será que nossas habilidades são tão restritas? Será que somos tão debilitados e deformados?

Com um pouco de recuo, é fácil perceber que a separação dos poderes se reflete desastrosamente na mídia: existem campanhas que são claramente campanhas lideradas pela mídia, outras pela criação, outras pelo planejamento, outras pelo atendimento. Não fosse triste, seria divertido fazer as apostas. Campanhas com janelas de oferta: quem manda é a mídia. Campanhas com filmes de um minuto difíceis de entender: criação. Campanhas com cenas da vida e papo-cabeça em off: planejamento. Campanhas demo de produto: atendimento.

Claro que existem talentos: jeito pra fazer desenhinhos, piadas, filosofias, cálculos ou salamaleques. Mas um bom diretor de arte, redator, planejador, mídia ou atendimento não faz um bom profissional de comunicação.

Seremos iconoclastas e polivalentes ou não seremos a agência do futuro.

Cada um tem o like que gosta

O debate da moda é a likabilidade.

Muitas linhas já foram derramadas sobre esse tema e o consenso é meio óbvio: o like é o novo viewed, a quantidade de likes corresponde à antiga medida de pages viewed. Portanto a likabilidade é uma medida de atividade, ou se preferirmos uma metáfora ainda mais antiga, é cobertura: um like é um impacto em uma pessoa.

Portanto, like não quer dizer like nem engajamento, nem envolvimento. É só uma confusão típica de quem, ingênua ou maliciosamente, viu na Internet uma revolucionária nova fronteira – para a comunicação ou para ganhar dinheiro. A Internet e o Facebook estão cheios dessas armadilhas: assim como like não é like, fan não é fan.

Mas é bom ter muitos likes, claro que é. É sinal que a página não é um cemitério periférico. Tem fluxo. E como o excesso de métricas atrapalha o raciocínio: no fim do dia, o que se procura mesmo é o beabá dos beabás desde que inventaram a palavra mídia: likes (fans), ou seja, audiência. A “Internet” nos enganou vendendo sua improvável mensurabilidade in extremis.

Então qual seria a métrica ideal? Outras mais complexas são inventadas todos os dias. E assim tiramos do baú mais palavras falsas que convencem para justificar a falta de likes.

Talvez um dia a gente consiga praticar a “engajaganda”, mas certamente não será através do artifício esperto de confundir like com like.

Marketing é marketing. Cultura c’est autre chose

Os gurus de autoajuda empresarial trocaram ideologias por idolatrias. Rezam por essa mesma ladainha há anos: as marcas são ou devem ser influências culturais.

Existe um extenso repertório de patologias empresariais e tipificá-las retoricamente costuma ser um alívio psicológico.

Para isso, a polarização ajuda a definir extremos sem correr riscos: caricaturas não encarapuçam.

Há empresas que se autoproclamam influenciadoras. Mais por acidente do que por ideologia, suas marcas impregnaram infinitas histórias de incontáveis pessoas. E acreditando que cultura se constrói quantitativamente, as marcas, seriam, assim, uma espécie de patrimônio cultural de um grupo, de uma sociedade, de um povo, da espécie inteira. A pretensão crê-se assim capaz de transformar a cultura.

Essas organizações costumam orientar suas ações, principalmente de comunicação, para estratosferas filosóficas, evoluindo em bolhas dogmáticas, gramáticas peculiares e bíblias conceituais messiânicas.

Um terráqueo normal – desses que nasce, sofre, ama e tem medo da morte – ao aterrissar por acidente no marketing desses Olimpos, se sentiria em Marte: “que língua falam? com quem querem falar? o que querem vender? isso é algum reality show?”

Mas a cultura, felizmente, não se molda através de coisas mas de ideias. A cultura, felizmente, não é um produto. Cultura não é uma sopa enlatada, nem mesmo quando decora os museus.

Até porque, como sempre, os “culture shapers” entenderam errado, ou apressadamente o que não passava de uma piada.

Infelizmente, tudo é tão desprovido de humildade e senso de humor, que poucos sacaram que marketing é só marketing e propaganda é só propaganda.

Sem essa de cultura. O que realmente presta no marketing – e principalmente na propaganda – é quando ri de si mesmo.

A Internet é um Chevette de referências

Tinha um cara com um bigode mexicano, uma espécie de mascate, caixeiro viajante, carregando malas e mais malas cheias de tesouros. Era o vendedor de livros para as agências. Quando revelava seus mistérios, era um alvoroço. Catálogos, livros, referências raras. Economizávamos o mês inteirinho e tínhamos que fazer economias severas para possuir os Olimpos criativos do mundo inteiro. Quanto mais bizarra era a procedência do livro, mais disputado. Era a terra prometida, mais desejável do que as sonolentas exibições dos Festivais.

Passaram-se décadas desde então. Outra era, mas a mesma vida de caçadores solitários e avarentos atrás de referências iluminadas. Fiz uma limpa na estante empoeirada. Fez me sorrir com amargor: como ficaram inúteis e estéreis aqueles anuários. Tentei vender para o sebo da esquina. Nem doando o velho aceitou. Só árvores abatidas.

Saindo para almoçar, décadas depois, lá estava ele, na porta da agência. O mexicano, um pouco mais caído, mais triste, com o porta-malas de seu Chevette. Não vendeu sequer um catálogo para o mais neófito dos estagiários. Fiquei com pena. Dele e dos livros. Era como um past-upeiro viciado em benzina, um manchador artista demais, um fotógrafo sem Instagram, um redator que não twitta, um planejador que gosta de coxinha, um mídia-ás da calculadora, um atendimento habitué do Pariggi.

Se a Internet é o salva-vidas dos preguiçosos, a redenção dos iletrados, o cacoete dos apressados e ambiciosos, o mobral dos vagabundos e a prótese indiscreta dos millênios, a Internet é um Chevette velho e batido que não salvou as ideias, nem as árvores.

Internet: nem melhor, nem pior sem ela.

Diretor e Criação, duas palavras que se conjugam com dificuldade

Assim como o melhor dos jogadores não dá um bom técnico, o melhor dos técnicos nem sempre cria o melhor dos dirigentes. No entanto, embora a afirmação futebolística pareça óbvia, a constatação é menos evidente em outras paragens.

A ordem natural das coisas nas agências de propaganda é virar diretor, mas a natureza do negócio é cheia de caprichos.

Galgar as escadarias do Olimpo publicitário contraria o senso comum: ser bom tecnicamente (mesmo que a técnica seja a criatividade) é pouco ou nada.

As agências, mesmo as que se orgulham de um processo artesanal ou aquelas que se outorgam excelência gerencial, são organismos capitalistas primitivos. Ainda parece fazer sentido promover o bom criativo a diretor de criação e qualquer bom operário a chefe.

O sentido dessa lógica ainda está baseada na presunção de julgamento: quem é bom naquilo que faz (ou fez), deve saber julgar adequadamente o que os outros fazem. O bom diretor sabe separar o que presta do que não presta.

Certo? Errado porque é esquecer das duas principais molas motivadoras do negócio publicitário: o frescor e a vaidade.

Quanto mais se sobe na hierarquia, mais distante se fica da prática. Em um negócio tão dinâmico, tão suscetível a tendências, tão superficialmente maleável, a falta de prática enferruja e caduca o mais brilhante dos cérebros.

Por outro lado, a vaidade é um energético quando se pratica mas um purgante quando se julga. É um tour de force psicológico conseguir avaliar com generosidade quando já se esteve no lugar do avaliado. É uma violência para a autoestima depois de anos de elogios e louros acumulados.

Pois o bom diretor não é necessariamente o melhor dos técnicos. Precisa de outras qualidade que não foram necessariamente treinadas e aprendidas.

Dirigir significa treinar e incentivar, antes de julgar.

É estimular a colaboração e inspirar antes de sentar na cadeira de Salomão.

É principalmente lutar contra a tentação de transformar em seu aquilo que é do outro.

Planejamento patinho feio é o caraiowa

Outro dia, perguntavam o que era um Planejador, mais uma vez. Saiu que era um dos “patinhos feios” da agência.

Concluí que a jornalista ateve-se à descrição de minha foto e não à prolixa explicação que lhe dei. Se ainda tenho dificuldade de explicar para minha mãe, o que dizer a um foca? O que dizer a clientes que poluímos diariamente com novas e complicadas estruturas transversais, diagonais, poli-disciplinares, pan-funcionais?

Minha explicação foi uma longa história do Planejamento, pedante e recheada de falsa modéstia. O termo em si é trunfado de interpretações e pistas equivocadas, por isso, o melhor é ser incisivo, separatista e franco. Sem medo de ser cru.

Planejar não é organizar. Não é juntar pedaços. Não é supervisionar um processo de trabalho. Planejar também não é selecionar ideias e tampouco destinar dinheiros e mídias.

Pois se Planejar não é fazer timeline e por ordem no circo (indispensável função do “Atendimento”), não é contar histórias pra boi dormir (santa função da “Criação”), nem apontar o lápis com a orelha (rica função da “Mídia”), alguns gostam de ver o Planejamento como uma espécie de Grande Inquisidor, em nome do cliente e/ou do consumidor.

Este é um estilo. O Planejamento-Censor, figura cinzenta e respeitada, fala sem filtro, sem não-me-toques, sem medo de chafurdar o dedo nas feridas.

Outros gostam de ver o Planejamento como um tipo de Grande Conciliador, em nome do trabalho e do todo.

Este é outro estilo. O Planejamento-Harmonista, cuida do produto final, da coerência entre a necessidade do cliente, os atropelos do processo e o produto final. Ele trabalha para que tudo tenha harmonia, sentido holístico, geral, macro. É o gestor do que excede, do que não está enquadrado, das concessões.

Planejamentos Censores ou Conciliadores incluem-se no processo de trabalho com entregas definidas. Se participam do briefing, da criação, do planejamento de mídia, do atendimento ao cliente, serão Censores ou Conciliadores, depende do estilo do profissional, da filosofia da agência ou da oportunidade do trabalho.

Tendeu?

Big idea em tempos ultra-modernos

Até um criminoso óbvio pode ser inocentado por falha no processo. Basta que algum procedimento padrão não tenha sido seguido e o advogado de defesa pode recorrer do vício, anulando assim o julgamento. O processo é mais importante do que as evidências.

Na propaganda também é assim: o processo – quando existe – trona nas grandes decisões. Todas as aprovações são reféns dos processo.

E como na propaganda não existe código universal a ser cumprido, “Processuar” no cliente é mais importante do que criar.

A reunião transcorria como reza a praxis democrática e didática, ou seja enormemente povoada. Todos estavam ali para cumprir um papel pré-definido: opinar sobre tudo e decidir sobre o específico. Da mesma forma, a apresentação transcorria devidamente esquartejada, primeiro a visão geral e depois o necessário esquartejamento: a Big Idea e as aplicações diversas.

Bem que um sobrevivente da maratona de trabalho tinha alertado: nenhuma ideia resiste a um filme para consumidores; e um filme para públicos profissionais; e um filme para funcionários; e anúncios para cada target; e uma “conteúdo colaborativo”; e um material de ponto de venda; e um “PR”; e um endomarketing; e um desdobramento nas “redes”; e um cronograma; e um orçamento. Mas ele estava virado, coitado, ninguém ouviu.

Depois de horas de apresentação, todos opinaram: “gostei da Big Idea mas a ativação das promotoras nas feiras agropecuárias de Iowa e Missouri me parece pouco amarrada” ou “Big Idea incrível, parabéns gente, mas precisamos rever a estratégia de seeding dos blogueiros especializados porque eles não podem se achar parte de uma campanha publicitária” ou ainda “me emocionei com a Big Idea, de verdade, mas aquele conteúdo para o Face, vai custar muito caro”.

Foi um grande sucesso, todos saíram extenuados, mas satisfeitos.

Foi um grande sucesso porque todo mundo vai ter trabalho e se sentir decisivo.

Foi um grande sucesso porque cada tim tim de cada tim tim foi ticado.

Foi um grande sucesso porque a soma de tantas conquistas liliputianas deu a sensação de vencer um gigante.

A Big Idea não resistiu a tanta Small Ideas – Small para o todo e Big para as partes.

O que importa é o processo. O processo, ele sim, é e sempre será BIG.

Posicionamento é cacoete

A comunicação é uma ferramenta-soluço.

De hics em hocs, construímos (presumimos) uma conexão emocional e durável com pessoas.

Por isso as campanhas (soluços) devem perseguir uma coerência de valores e mensagens.

Essa corda que conecta os continuados surtos loquazes (soluços) é o que chamamos de posicionamento.

E mesmo quando somos Demiurgos que reinventam a natureza das coisas, detratando a propaganda boliche em favor de uma comunicação fliperama, esses discursos não passam de laboratórios de circunstância, modismos, bons tons pra inglês ver: marcas não são gentes, são abstrações.

Sabe quando você reencontra uma pessoa que o tempo corroeu, uma relação intima do passado que tudo separou por anos? Você tenta reatar os laços, lembrar daqueles momentos que viveram juntos mas que a poeira da vida tratou de reinterpretar. De memórias em memórias a gente tenta reconectar fluxos invisíveis sem sucesso. Triste angústia. Até que, repentinamente, a pessoa coça o olho. Por reflexo. Aquele reflexo. Aquele trejeito. O trejeito que te arrepia.

Posicionamento é mais ou menos esse trejeito repetido, que se integra na natureza de uma marca. E o arrepio se traduz em desejo.

Construir uma marca é brincar de transformar abstrações em gente. É brincar de colocar trejeitos, tiques, manias, cacoetes nos soluços, modernos ou tradicionais, que criamos.

PESQUISA 4.0? Por Vera Aldrighi

Na sua coluna do dia 06/02 na Folha de São Paulo, Pesquisa 4.0, o redator e empresário Nizan Guanaes desafia pesquisadores e usuários de pesquisa a reinventar seus procedimentos.

Creio que não haverá o debate que espera, pois sua polêmica tem apelo restrito ao meio propaganda e marketing, público pouco afeito a expor e criticar publicamente particularidades de seus negócios e relações profissionais. Mas acho que ele toca em questões importantes que merecem e devem ser discutidas.

Para resumir sua tese: Nizan atribui a mesmice e o desgaste das fórmulas publicitárias repetitivas e padronizadas ao uso de pesquisas que não estão sendo suficientemente renovadoras em seus métodos, análises e interpretações.

Acho que ao desenvolver seus argumentos Nizan fala verdades, mas se engana na proposição.

É certo que estamos todos sendo obrigados a mudar num ritmo que não estamos conseguindo. E que a publicidade não está inovando tanto quanto dela esperam o público e os anunciantes: como ele mesmo diz, “basta ligar a TV”, para constatar a chatice infinita dos clichês que se alastram como praga por todas as categorias de consumo. E é certo também que o uso excessivo e pouco sensível (burocrático, autoritário, controlador) com que grandes empresas usam pesquisa, mais atrapalha do que ajuda as agências a encontrar saídas mais criativas.

Mas o uso de técnicas de pesquisa que se apresentam como inovadoras e revolucionárias parece que também não estão resolvendo o problema. Pois elas já existem em profusão e já estão sendo largamente vendidas e experimentadas pelas agências e seus clientes. Para constatar, basta olhar a esteira de sites com as apresentações de empresas do setor.
Nizan exagera ao cobrar da pesquisa tanta responsabilidade sobre a qualidade criativa no resultado final da comunicação publicitária. O rabo não abana o cachorro. No mundo propaganda e marketing, pesquisa é uma ferramenta, ao lado de uma crescente variedade de outras, com pequena e marginal (talvez até decrescente) participação proporcional nos negócios desse setor.

Arrisco dizer, sem fazer as contas, que o uso de pesquisa não representa nem um milésimo dos altos valores investidos em mídia, produções, promoções, eventos etc. Valores investidos, principalmente, na estrutura profissional das agências, com especialistas muito bem pagos para ter ideias, elaborar estratégias, e para usar com perspicácia as ferramentas e o expertise em investigação do consumidor.

Mesmo profissionalmente bem aparelhadas, parece que as agências não estão conseguindo se entender com os seus clientes a respeito de uma política de uso inteligente de recursos de pesquisa aplicados ao desenvolvimento de boa comunicação (como conduzir o processo em conjunto, usar para que, com quais objetivos, em quais momentos, o que medir, que estímulos usar, como escolher fornecedores e técnicas, como interpretar e avaliar resultados, e por aí vai).

Em minha experiência de fornecedora de agências e anunciantes observo profissionais cada vez mais desmotivados para o trabalho de investigação, entrando a contragosto em projetos que estão sendo obrigados a conduzir ou acompanhar.

Para entregar um bom trabalho vejo-me muitas vezes na incômoda posição de tentar satisfazer expectativas divergentes, de suprir lacunas de conhecimento de ambos os lados, de apaziguar antagonismos preconceituosos e harmonizar visões conflitantes.

Assim como tantas outras áreas ligadas a marketing e comunicação, a oferta de serviços e metodologias de pesquisas do consumidor é crescente e variada. De 1.0 a 4.0, há alternativas para todo gosto, necessidade e capacidade de escolher.

E, como já disse, o que não faltam são propostas arrojadas de abordagens inovadoras que prometem a resposta de um bilhão de dólares como descobrir as tendências que revelam o futuro, mapear as profundezas do cérebro do consumidor, detectar motivações inconscientes ou inconfessáveis. E que propõem “novos olhares” sobre isto, aquilo, e tudo mais.

Mas apesar de tantas promessas arrojadas não é a inovação, ou a tentativa de inovação, que mais diferencia empresas e profissionais que competem nesse mercado. Infelizmente a realidade é bem mais prosaica, e o buraco bem mais embaixo. O que mais diferencia ainda é preço e qualidade.

E a qualidade do serviço de pesquisa continua sendo definida por confiabilidade, seriedade e ética profissional, inteligência e conhecimento. E sobretudo pelo expertise teórico e científico para analisar dados estatísticos e manifestações complexas do comportamento humano. Coisas que têm preço, porque são raras e custam anos de estudo e dedicação!
Como em toda área do conhecimento, não haverá inovação legítima e relevante sem que os pesquisadores tenham ralado e construído essa base de sustentação profissional. Necessária não só para quem faz e analisa, mas também para quem planeja, compra e usa os resultados.

Pesquisa séria e confiável, usada de modo sensível e inteligente, não é só uma parceria segura para quem quer reduzir o risco de decisões que envolvem altos investimentos (e há sim metodologias muito eficientes para isso), mas também uma parceria inspiradora (insightful, como se diz no meio) para quem precisa inovar. Há eficientes e sensíveis técnicas exploratórias que ajudam as agências a encontrar saídas criativas para a comunicação de seus clientes.

Há, sim, por aí, muita pesquisa inútil e mal conduzida. Mas nem por isso pode-se dizer que a pesquisa ruim é culpada pela propaganda ruim. Va lá, elas apenas se merecem e caminham juntas.

Agências em trabalho de prospecção prometem jurar princípios todo o dia sobre a bíblia da corporação cliente. Prometem mandar suas equipes de ponta observar consumidores em supermercados ou em seu habitat e até comer empadinhas todas as noites em banais e tediosas reuniões com pessoas pouco interessantes que parecem mentir sobre seus reais desejos de consumo.
Mas muito cedo se instauram as dificuldades de relacionamento, a falta de motivação para buscar novas soluções, os conflitos de egos, de interesses e as diferenças nas posturas e filosofia de trabalho.

Sei por experiência que quando clientes e agências não se entendem sobre a importância a finalidade e os objetivos da pesquisa, ou quando profissionais de ambos os lados não tem o conhecimento, a motivação, a sensibilidade ou capacidade intelectual para acompanhar e entender os resultados de um processo complexo de investigação seriamente conduzido, não há santo pesquiseiro, nem tecnologia 4.0 que possa operar o milagre da criatividade!

Vera Aldrighi
Diretora da Vera Aldrighi Clínica de Marcas.