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A pressa é a antítese da alma

– Claudia, o que é isso colado no vidro do escritório, atrás de você? Tira isso!
– Mas, Steve, isso é um texto muito lindo e verdadeiro.
– O que é?
– É a palavra do Senhor. Está na Bíblia!
– Bíblia?
– Sim, na Bíblia, você deveria ler.
– Está bem, Claudia. Me faz uma apresentação disso em bullet-point, por favor, e tira isso do vidro.

Que gringo insensível, desrespeitoso, sem alma.

Mas no mundo de hoje, não há mais espaço para contemplação, meditação, poesia e sutilezas. Quanto mais rápidos nos tornamos, menos adjetivos, menos metáforas sofisticadas. Proust já teria morrido de fome e Tolstoi e Balzac, e Saramago também.

Estamos nos tornando mais nervosos, sem paciência. Temos pressa de ir ao âmago sem atalhos sensoriais. Fome de comer sem mastigar.

Todo piano tem uma tábua de ressonância. É a alma do instrumento, por sobre a qual deitam-se as cordas. Um Steinway usa pinho de Riga, cultivado em Riga mesmo, a uma altitude precisa de 900 metros do nível do mar, que só pode ser abatido quando alcança a idade precisa de 22 anos, quando então passa por precisos 5 anos de descanso, até poder ser usado. Um Yamaha usa a mesma espécie de pinho. Mas seu plantio, abate e descanso respondem às necessidades do mercado. Mais encomenda, menos tempo. Um Steinway é um Steinway, e um Yamaha, bem, um Yamaha, que usa o mesmo material que um Steinway, é, e sempre será, apenas um Yamaha.

Como o primeiro movimento do concerto número 4 de Beethoven tem no mínimo 19 minutos e no máximo 20, sempre, qualquer que seja o intérprete e a demanda, nenhum solista sério quer tocar num Yamaha, nunca.

O que se perde com a pressa é precisamente precisão. E com falta de precisão, o que se perde? Alma.