Já ouviram falar de nutricionista que coloca açúcar escondido nos remédios do paciente para não perder o cliente? Ou do amigo do alcoólatra em abstinência que esconde garrafas de pinga na casa dele caso tenha uma recaída? Ou, ainda, o patrão perverso que deixa dinheiro espalhado pela casa para ver se o funcionário que está passando necessidade é honesto?
Já tentei uma dieta radical e longa de documentários-cabeça, filmes clássicos e cinema independente, e as diligentes plataformas-que-fazem-tudo-para-te-ajudar-na-vida seguem gentilmente me oferecendo, com destaque, conteúdos que eu não quero ver.
Talvez elas saibam mais de meus gostos do que eu mesmo.
Se você zapear com método a oferta de conteúdo nos canais de streaming disponíveis, perceberá que uma grande parte dela é dedicada à exploração de “histórias reais”, geralmente mórbidas; outra, também não desprezível, traz as “hard news”, sempre trágicas; e uma terceira, bem grande, corresponde a “ficções distópicas”, obviamente catastróficas. Sobrou aí um tanto de fantasias infantilizadas, comédias basais e um tico que classificaremos de “outros”, de tão irrelevantes que são em termos de audiência algorítmica.
Se seu dia foi vazio e monótono, é só arrumar um maníaco assassino para você ter a sensação de fazer parte da estirpe bem-pensante da humanidade. Se seu dia foi agitado e estressante, é só arrumar algum gigantão do bem lutando contra outro do mal, para você embriagar sua raiva da luta diária de cada dia. Em ambos os casos, você não mexe o bumbum da poltrona, mas se sente higienizado pela bondade intrínseca de sua passividade. Você se sente recompensado pela compreensão das suas mais profundas fraquezas por esse Deus bondoso do mundo moderno: o Algoritmo.
Quem idealizou as pirâmides tinha um sonho, quem voou pelos ares pela primeira vez e quem defendeu direitos iguais para todos os humanos também. Quem pensa que ainda é possível lutar pela paz, pela justiça climática e pelo direito dos oprimidos também. Quem sai de casa todos os dias e enfrenta o mundo, quem não se deixa abater por um mal-estar, uma dor de cabeça, um “não” na cara, dois “nãos” na cara, mil “nãos” na cara, não se deixa escravizar pelos algoritmos.
Não existe progresso sem utopia.
Não existe utopia com algoritmos.