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A Internet é a nova mandioca

O que seria do homem sem a mandioca, a roda, a foice, a pólvora, sem o macarrão, o tear, a levedura, o liquidificador, a escada rolante, o telégrafo, o dinheiro, o cotonete, o minecraft e o Google? Esnobismo é delas prescindir voluntária e estoicamente como se a Criação fosse vulgarizada pela meia calça, pelo sapato, shampoo, rímel, silicone, rivotril e Facebook e qualquer síntese artificial despertasse os demônios da auto-destruição.

Tudo nem sempre pode piorar. Os efeitos colaterais do progresso nem sempre são tóxicos.

Existe algo mais charmoso e elevado do que o Facebook e o Google, e mais prodigiosamente transformador também: é a chamada economia colaborativa que só a Internet tornou possível. Por detrás do compartilhamento online da ociosidade, da sobra, do descarte e da sucata, existe uma redenção ultraliberal que dribla as estruturas calcificadas do poder, a burocracia paralisante e a selvageria dos oligopólios, cartéis e lobbys que nos oprimem.

Todas as vezes que opera-se, através das centenas de plataformas peer to peer existentes, o milagre da colaboração, sem intermediário nem burocracia, sem certidões nem firma reconhecida, o mundo fica mais leve e o homo e a “mulher sapiens” mais humanos.

Celebridades e a redenção da Internet

Tenho uma grana sobrando. Quem me aconselha melhor? O amigo do peito que tem uns trocos investidos ou no desconhecido que manja de dinheiro?  Tenho uma proposta de trabalho. Quem me aconselha melhor? O parceiro que me conhece como ninguém ou meu ex-chefe que admiro? Vou ao cinema. Quem me aconselha melhor? Meus contatos do facebook ou o chatonildo que escreve no jornal sobre cinema?

Em quem confio mais?

Na sabedoria do povo ou no poder da sabedoria?

Essas prosaicas interrogações estão no centro da revolução cultural que vivemos. Desde que quebraram-se as estruturas de poder da circulação de informação e conhecimento, vivemos uma enorme crise de confiança e navegamos à deriva, num mar de incertezas.

O primeiro movimento creditou muita energia no sufrágio da maioria. Na sabedoria do povo. Quando a Internet abriu a porteira da livre expressão, fomos enebriados pela extaordinária produção represada de conhecimento, que emanava da maioria anônima. Foi nessa febre que estabeleceu-se uma equação nunca antes imaginada entre colaboração e qualidade. Wikis, jornalismo cidadão, blogs colaborativos, redes de conhecimento alternativas, etc. Esse primeiro estágio era uma reação do tamanho da opressão que vivíamos: o poder concentrado (da informação e conhecimento) ditava o rumo da cultura. Era a tirania do braodcast em todas as esferas: nas instituições políticas, na mídia, na iniciativa privada, no poder paralelo das grandes marcas.

Mas parece que já estamos vivendo um contra-fluxo e o sinal precursor desse movimento é o novo poder que emerge agora: o poder da celebridade. Não há dinheiro nem poder suficiente para fazer uma marca ganhar relevância se ela não associar-se com uma celebridade. As marcas (de produtos, de imprensa, de instituições, etc) estão a cada dia mais dependentes desses imãs de relevância. Principalmente na Internet (que é o que importa).

O que isso significa?

Significa que as pessoas, novamente, estão buscando credenciais culturais para aderir ou acreditar. O amigo do peito ou da rede não dá mais segurança suficiente para aconselhar. Nem a soma dos amigos do peito ou da rede. E se hoje, acredita-se na celebridade, é uma transição para voltar a acreditar também na reputação construída sobre conhecimento e não apenas intimidade (amigo do peito) ou fama (celebridade).

Colaboration Tabajara

Está tão na moda pedir a opinião ou colaboração dos consumidores em tudo que já não dá para saber se é uma questão de modismo, ou de falta dele. Se é uma questão de tendência ou de falta de novidade. Se é uma preocupação com a opinião dos consumidores ou simplesmente um álibi para justificar um achismo.

Qualquer que seja o motivo, os modismos, tendências, novidades, preocupações e opiniões serão profunda, exaustiva, cacetemente pesquisados. O que significa que tudo irá sair exatamente como alguns punhados de especialistas – a saber os infelizes que raciocinam sob a batuta de roteiros de pesquisas – aprovarem. O que significa também que a gente poderia perfeitamente dispensar os consumidores de suas idéias. Até porque eles não ganham nada com isso. Até porque a gente ganha.

Sempre se pediu a “opinião” ou “colaboração” dos consumidores, de forma indireta, é certo, mas que diferença faz? Que diferença faz pesquisar antes ou antes e depois? Ou antes, depois, depois do depois e depois do depois do depois? E pensando bem: o que tem de novo? Nada a não ser a tardia adesão a uma idéia de alguns revoltosos polêmicos (como esse que vos fala).

A idéia não era bem essa. A idéia não era – nem nunca foi – pedir uma força para o consumidor. Só dizia-se que agora o consumidor é mais ativo, é espectador e emissor, é consumidor e propagador, é público e mídia.

A idéia era dizer que a gente precisa ficar ligado, atento, de orelha em pé porque as pessoas não engolem mais caladas. Que as pessoas reagem rápido e de forma as vezes arrasadoras. Só queria dizer que a gente tem que saber responder, dialogar, revidar até.

A idéia era também que a gente tem que pedir colaboração onde a colaboração faz algum sentido. Onde existe espaço e ferramentas para tal. Me engana que eu não gosto.

A idéia era dizer que tem coisas que tem que ser decididas, corajosamente, top-down. E também que cada um tem que ficar no seu galho. Quem cria cria e quem consome consome. Mesmo que quem cria consome sempre e quem consome agora cria. Democracia tem limites.

No final, o que interessa não é quem criou mas o que se criou. Ou será que o fato de ter sido feito pelo consumidor vai desculpar a porcaria, o lugar comum, a vulgaridade?

Como a gente perde tempo com a opinião alheia!

A sociedade da colaboração

A propaganda sempre foi muito permeável aos modismos. Nada contra, muito pelo contrário.

Para lembrar de alguns recentes, teve o tempo das pesquisas etnográficas (não existe observação passiva), o da Internet (mídias mortas, convergências e outras hiperbólicas transformações), o do branding (a visão holística – outro modismo – das marcas), o do despertar da emoção na comunicação das marcas (essa é velha), o das tendências (desperte a parabólica que exista em você), o do buzz-marketing (o boca-a-boca, não diga, funciona), o do marketing viral (misto de telefone sem fio com fofoca exponencial).

E por aí vai, sem falar de outros mais periféricos. A propaganda da propaganda, a argentinização dos formatos, o barroco revisitado, os pastiches pseudobregas, a photoshopização desenfreada, a criação do povo para o povo e pelo povo. Me ajudem, tem muitos outros!

Não cabe nenhum tipo de crítica aqui, pois o publicitário é o mais esponjoso dos seres.

No entanto, o debate é raro. E quando surge, dificilmente ele transcende a anedota, o frasismo metafórico, a vaidade lustrosa.

A introdução é longa, mas – outra característica da publicidade – quem resiste às alfinetadas?

Parece, porém, que poucos conseguem encarar com mais seriedade a transformação que está na nossa fuça. E quando falo em encarar, não significa cacarejar, significa trabalhar, enfrentar e experimentar.

E dessa fez, não se trata de um modismo. Longe disso.

Afinal, o que é esse tal de colaborativismo?

Vou usar um recorrente artifício para qualificá-lo: a enumeração de argumentos no melhor estilo dos manuais acadêmicos, aliás, um modismo que também grassa por aí.

E são dez os mandamentos, claro.

1. Os bits da fama

Hoje é fácil, barato, rápido, eficiente emitir opinião, divulgá-la e construir reputação. Basta ter um e-mail, um blog, um megafone digital qualquer. Uma andorinha faz um verão.

2. A referência desavergonhada

A informação, a análise, os scoops, a documentação, as referências estão ao alcance de todos. Basta ter curiosidade e meio neurônio para vomitar Maffesoli e Derrida “com meia dúzia de hiperlink. Por outro lado, é verdade que a difusão de conhecimento não é sonho, é realidade.

3. A cultura da superficialidade

Desde 68 que os especialistas estão desempregados. É rei quem souber um pouco de tudo e conseguir surfar confortavelmente por todos os assuntos. Quem ainda duvida da capacidade infinita do cérebro humano está com Alzheimer.

4. Copio ergo sum

Foi-se o tempo em que uma reputação se construía à base de trabalho e autoria. É rei hoje quem mais rápido copia sem sequer cogitar citar a fonte. Acredita-se tanto no “chupo porque posso”, quanto no “chupa-me porque gosto”.

5. Eu vi primeiro

Ver antes é infinitamente mais importante do que ver certo. As reputações se constroem por sobre a capacidade de encontrar antes e – corolário indispensável – difundir imediatamente sem comprovação necessária. Não se engane, o importante não é achar, mas divulgar. E isso é lindo.

6. De graça é mais legal

Não há dinheiro no mundo para fiscalizar, repreender ou policiar o fluxo de negócios que namoram com algum tipo de ilegalidade no “Long Tail”. E é inquestionável a fertilidade e utilidade dessa “flexibilização” compulsória da legalidade.

7. Mestiçagem é bom

A heterose é profícua. E não há limites para a mestiçagem, nem rigor, nem vergonha. Não importa de onde vem a influência nem a coerência e muito menos o consentimento da origem. Definitivamente não existe geração espontânea na criação.

8. A novidade efêmera

Nada é novo por muito tempo. Embora a novidade seja a mais universal e excitante das molas intelectuais, ela dura pouco. O Zeitgeist é uma fofoca.

9. Dinheiro, dinheiro, dinheiro

Dinheiro é a mola de todas as iniciativas. E dinheiro não tem ética, nem vergonha. Dinheiro é o que eu vou ter com a fama, com o conhecimento, com a capacidade de saber um pouco de tudo, com o que copio, com a divulgação do que vi antes, com o que consegui sem pagar, com a mestiçagem da minha produção, com a natação no Zeitgeist, com o dinheiro que eu vou conseguir com tudo isso.

10. Sociedade da colaboração é um eufemismo

Quem leu até aqui pode achar que tudo isso é feio, horrível, degradante. Se chegou a essa conclusão, das duas uma: ou não entendeu nada ou é muito falso. Mas pouco importa o que se acha, o que importa é o que rola. E quem for contra o que rola, vai se enrolar.

Esses são os 10 postulados da nossa sociedade que – modismos – chamamos de sociedade da colaboração.

A mensagem final, no entanto, talvez seja mais importante do que todas as constatações acima. Mais importante do que constatar é conviver. É conseguir encontrar uma via que seja capaz de conciliar estruturas poderosas com novas ainda subterrâneas. Estruturas em cheque com novas forças. Conciliar, e não subverter.

Você já ouviu falar no Creative Commons?

O Copyright é entrave à memória, difusão e organização.

“Recente pesquisa da IDC indica que 161 bilhões de gigabytes de informação foram gerados no ano passado em todo mundo. “

Não faço a menor idéia de como essa pesquisa fez para calcular, mas é certo que a conclusão de que não há espaço suficiente para armazenar tantos dados não surpreende nem choca.

Mas me parece que o assunto pode ser muito mais interessante do que simplesmente mais um desses googolplex que poluem nossa existência.

Sabe-se, portanto e também, que não existe dinheiro no mundo capaz de digitalizar, armazenar e organizar toda a produção cultural da nossa espécie. Nem a de hoje nem a do passado, muito menos a do futuro.

Isso nos coloca uma pergunta: o que faremos com ela?

A excessiva proteção aos direitos autorais não estaria sendo um real – e inflexível – entrave não somente à difusão de conhecimento mas também à perpetuação da memória cultural?

Enquanto o debate a respeito das leis de Copyright corre solto, existem talvez mais argumentos a considerar nesse embate que colocam em perspectivas alternativas urgentes às legislações atuais.

Por exemplo, talvez exista uma forma de encarar, a disseminação dos softwares P to P como um grande benefício de bem comum. Em pró da memória, em outras palavras. A capilaridade extrema da capacidade de armazenagem beneficia a memória. A difusão desse conteúdo de usuário para usuário além de compartilhar essa produção, de forma igualitária, democrática e barata, economiza a caríssima intermediação de servidores.

Esse é um ponto da questão.

O outro é a própria digitalização dos conteúdos do passado. Certamente não existe dinheiro suficiente na economia para digitalizar tudo aquilo que ainda é analógico ou físico. E mais uma vez, não nos cabe (e não cabe a ninguém) julgar esse conteúdo. Já estou vendo os excitados de plantão (vide autoritários) propondo uma classificação daquilo que vale a pena perpetuar. Portanto, mais uma vez, a capilaridade dos recursos de digitalização beneficiam a memória. Cada vez que uma pessoa digitaliza algo que não tinha memória digital – e mesmo que tivesse – além de dividir com o mundo a produção da humanidade através dos softwares P to P ou por qualquer outro meio digital (email por exemplo), economiza muito dinheiro.

Mais há mais um ponto.

Ainda que se possa imaginar que haja dinheiro, tempo e interesse comercial em se digitalizar e armazenar tudo que foi, é ou será produzido pelos homens, quem é que vai organizar tudo isso? Como vai ser? Talvez a alternativa, mais uma vez, seja de capilarizar a curadoria de conteúdos. Em outras palavras, os conteúdos serão organizados pelos próprios infinitos difusores dos mesmos. Muito mais fácil assim de encontrar o que se procura. Divide-se mais uma vez a responsabilidade e melhora-se a qualidade.

Esses são mais alguns argumentos que deveriam entrar em debate, acredito, cada vez que estamos discutindo direito autoral versus alternativas como o Creative Commons.