Tag Archives: Imprensa

Internet, bela viola

Muitas guerras foram urdidas, fomentadas, incentivadas nas redações e muitos jornais foram idealizados, formados e impressos no front.

A política, através de sua representação estilizada mais perfeita – a guerra – forma com a imprensa um casal sinistro, disfarçado por um manto de respeitabilidade. Para a política, é o disfarce da democracia. Para a imprensa é o da liberdade de expressão. Mas a política é avesso da imprensa. A imprensa é a sombra da política.

A menos que se creia em neutralidade.

Então, se a imprensa mudou, espalhando-se, atomizando-se, individualizando-se, não será apenas forma? A voz do cidadão antes isolado, tonitruando para bilhões nas redes sociais, é esperança de paz?

A menos que se sonhe com neutralidade, nada muda assim.

As redes sociais, quando fomentam revoltas e derrubam poderes, fomentam revoltas e derrubam poderes. A nova imprensa permanece um fermento da guerra. E a guerra permanece o catalizador da imprensa, da nova e da velha.

A Internet não redime nada. É só uma bela (nem tão bela) viola.

A imprensa de soluço

– Bom dia, seu Fernand.
– Bom dia, Dona Maria.
– Acabou o pão, a máquina de lavar quebrou e a sua cachorra comeu aquela planta que sua mãe lhe deu.
– Sei.
– E o Egito, hein? Que confusão, não?
– Sei.

Difícil imaginar o que fazia aquele punhado de gente manifestando-se no centro de São Paulo pela queda do Mubarak. Talvez tropicalizados descendentes dos faraós ou a associação de egiptólogos de São Paulo ou, quem sabe, entusiastas cool-hunters provando que a cidade está no epicentro hype do mundo.

Mas, se pensarmos bem, não é pra menos. Cinco em cada cinco manchetes dos jornais dos últimos 10 dias falam do Egito como se fosse da Freguesia do Ó. Conhecemos mais as ruas do Cairo do que os becos de São Mateus. Sabemos mais da política do Oriente Médio do que das negociações de cargos do governo. Conhecemos melhor o canal de Suez do que a Volta Grande do rio Xingu, onde vão construir uma bomba-relógio chamada Belo Monte.

A imprensa, se não é sensacionalista, se não é rasteira, se não é míope, se não é vendida, é, pelo menos, incrivelmente enfadonha e repetitiva.

Da próxima vez em que ligar o noticiário, pergunte-se se ainda existe alguma coisa que você queira muito saber sobre o Egito que ainda não tenha sido dita e que possa ser dita.

E, da próxima vez em que você responder que já sabe tudo e que o Egito é lindo mas é lá nas arábias, procure o que você não sabe, por exemplo, sobre o Brasil e o que está acontecendo agora, na sua venta.

A imprensa tradicional (vide, em veículos passivos), na busca pela audiência a qualquer custo, sofre de soluço perpétuo. Soluço excitante para uma audiência cada vez mais senil.

Declaração de intenção

Ontem, o senhor que mora em uma casa pendurada no barranco, prestes a desabar, conversava, positivo e sorridente, com um repórter solene.

– O que o senhor está sentindo neste momento de dor?
– Dor.

A obviedade é um recurso estilístico de ênfase ou é só burrice. A imprensa usa tanto esse subterfúgio para povoar suas linhas que podemos separar duas posturas claras. A primeira é a de uma imprensa partidária, ideológica. Bate na tecla que acaba entrando na caixola. A segunda é só de burrice. Às vezes as duas posturas se encontram felizes também. É a imprensa pedro-bó.

Já o positivismo pode ser uma espécie de bálsamo de sofrimento ou é só passividade. Não há nada mais comum do que uma imprensa de autoajuda, cheia de pérolas de sabedoria para os aflitos. Também tem aquela outra que relata sem opinião, sem crítica, com compaixão budista. E, quando tem as duas coisas, é o que chamamos de imprensa feng-shui.

Pra variar, poderíamos imaginar uma outra cena. Por exemplo, o repórter chega sorridente para o morador chorando e pergunta se o senhor está com fé. Ele recebe uma porrada como resposta.

Pra variar também, a válvula de escape, mal-humorada e negativa, pode ser divertida. Essa é a imprensa “bad hair day”.

“Agradeço aos eleitores na rua e no Twitter”

Em democracias mais maduras, os órgãos de imprensa costumam declarar suas opções políticas e eleitorais. Na França, um dos maiores jornais do país, o Libération, se anuncia “anti-Sarkozy” convicto.

No Brasil, boa parte da mídia abriga-se sob o manto de uma confortável e aparente neutralidade. Portanto, se Obama pode eventualmente agradecer o inequívoco apoio do New York Times à sua campanha, o mesmo não poderia José Serra fazer à Veja.

O sonho hegemônico dos principais veículos de imprensa no país justifica essa neutralidade de opereta que transborda um falso apartidarismo.

Justifica em parte também a propaganda eleitoral gratuita, porque, por trás da máscara (furada) da neutralidade, os órgãos de imprensa fazem perniciosas campanhas. A neutralidade presumida é um poderoso argumento de convencimento. Era.

O candidato derrotado à eleição para presidente, em seu discurso logo após o resultado da apuração, agradeceu  aos seus eleitores “nas ruas e no Twitter”.

Singela delicadeza, já que seguidores são eleitores potenciais e ele também poderia ter agradecido aos leitores da Veja – que devem ser os mesmos, inclusive.

Mas mídias sociais são diferentes porque o conteúdo editorial é necessariamente “partidário”, portanto, honesto. Sem essa de fingir neutralidade.

Embora não se possa calcular ainda a importância da Internet nessas últimas eleições, já se pode perceber que a maior parte da imprensa brasileira “tradicional” teve muito pouca.

A imprensa tradicional brasileira está perdendo capacidade de mobilização também por falta de transparência?

O preconceito da imprensa arrasta correntes para sempre

Céline foi um grande escritor francês do século XX. Em sua prosa quase sem pontuação, como um grito de um sopro só, ele revolucionou a literatura francesa ainda muito presa ao formalismo acadêmico. Nada prenuncia na sua poética, no entanto, que ele é o autor dos mais asquerosos libelos antissemitas. No pós-guerra naturalmente revanchista, ele, como outros grandes nomes das artes francesas, foram julgados e inocentados de todas as acusações. Delito de opinião não é delito legal, nem penal.

Céline foi um grande autor e um porco nojento: poucos ainda o leem, apesar de sua dimensão artística inquestionável.

A literatura, assim como a imprensa, pode cometer, ou melhor, assumir, seus delitos de opinião, sem consequências. A arte, num caso, ou a investigação imparcial, em outro, funcionam como escudos antiaderentes. Em nome da “arte” podem-se ousar posições. Em nome do trato da liberdade de expressão, podem-se tomar partidos galhardos.

Ademais, opiniões não são enunciados matemáticos. As interpretações é que enunciam. Uma mesma afirmação pode parecer branco para uns, preto para outros. Ainda mais quando elas são acobertadas por referências eruditas (na literatura) ou fontes fidedignas (na imprensa).

Mas a passagem do tempo é severa com os delitos de opinião. Nessa perspectiva, o perdão é difícil, principalmente no caso da opinião jornalística que se arvora, pretensiosamente, de uma espécie de construção da história, no calor do fato.

O jornalismo preconceituoso, ainda que possa ser (dificilmente) tolerado no presente, é um fantasma, no futuro. Uma vergonha para as gerações futuras.

E a liberdade de expressão da boca pra dentro?

A liberdade de expressão é uma quimera que acalentamos. É um direito garantido constitucionalmente. E enche a boca de todos aqueles que se sentem minimamente atingidos ou pressionados.

No entanto, franquia de ideia e de opinião tem preço. E muito alto em tempos de incontinência comunicativa.

Nenhum insano fascista seria capaz de defender o controle da imprensa, tampouco de impor regras de censura. A imprensa livre garante o equilíbrio democrático. Esse é o chavão inapelável que rege a bem pensante burguesia.

Tampouco é possível penalizar “delitos” de opinião individuais. Todo mundo tem o direito preservado de achar o que quiser de quem quiser e do que quiser. E esse direito se estende também para qualquer forma de expressão, da conversa de bar ao libelo amador, do Facebook ao Twitter.

A imprensa, que tanto empunha a bandeira da preservação da liberdade de expressão e que em regimes razoavelmente livres tem defesa assegurada pela opinião pública, no entanto, evolui em um sistema que preserva seu direito de controle da opinião manifesta de seus funcionários. O direito da empresa (de reprimir ou demitir) se sobrepõe ao direito individual de expressão.

É ilegal discriminar, no seio de uma organização, por raça, cor, credo, opção sexual, etc. Qualquer funcionário de uma empresa pode acionar seu empregador se perceber e provar esses delitos. Ainda que a empresa possa demitir o funcionário, ela poderá ser processada. Por que não sucede o mesmo quando alguém emite uma opinião contrária à da empresa para seus colegas, sua esposa, seus amigos do bar, do Twitter, do Facebook?

A encruzilhada é difícil, mas no caso da imprensa, diferentemente de outras empresas capitalistas, é inevitável considerar de certa hipocrisia a defesa inflamada da liberdade de expressão, quando ela impõe regras na expressão livre de seus jornalistas em redes sociais.

As marcas de comunicação ainda têm futuro?

–       Como foi o evento?
–       Acho que foi legal, mas sabe como é, nunca falam muito a verdade no tête à tête.
–       Mas e a mídia?
–       Mesma coisa de sempre. Sinceridade é coisa rara na imprensa.
–       Sei
–       Não tive tempo ainda de ver os blogs. Só assim vou saber se foi mesmo legal ou não.

A imprensa é lenta ou só burocrática? Falsa ou só comprometida? E por que os Blogs seriam mais rápidos e verdadeiros? Porque não ganham dinheiro? Porque são pessoais? Porque não são marcas mas pessoas que escrevem?

A gente se esforçou e criou espaço para colaboração dos leitores nos sites de grandes marcas de comunicação. Daí, a gente percebeu que a qualidade dessa colaboração não era grande coisa, que era muito mais um espaço de catarse coletiva do que contribuição qualitativa. Então, criamos sites puramente colaborativos e depois de um tempo, parece que o povo que presta começou a cansar desse formato também.

Nego não vê muita vantagem mais no esquema. Se posso ter o meu, porque vou me subordinar a uma marca ou me misturar com outros negos que eventualmente nem curto?

Enrascada danada. E assim caminha a Internet, de surpresa em surpresa. Parece que toda iniciativa já nasce com síndrome de envelhecimento precoce.

Sei não do futuro.

Só acho que agora (e amanhã pode mudar), a imprensa deveria tentar se tornar uma espécie de agregador, mediador, avalisador, curador de conteúdos individuais (ou marcas individuais), uma espécie de “colunismo” organizado, (contextualizado, concatenado, hiperlinkado, tagueado) do que uma plataforma unilateral (no sentido mais abrangente da palavra, com ou sem surtos participativos).

Só acho que agora (e desde ontem), a imprensa tem que se preocupar muito mais em ser distribuidora tarifada, (espalhadora) de conteúdos do que bunkers abusivos de informação.

Evoluir com parcimônia, reflexão e muita coragem para enfrentar o inexorável.

Coletivas e workshops presenciais são a farra dos estagiários

Continuam existindo eventos presenciais que exigem deslocamentos físicos, até mesmo quando os temas tratados são tecnológicos.

Difícil imaginar algo mais desconfortável do que um enorme auditório à meia luz,  onde se aboletam os “encrachados” com suas pastas, sacolas, canetas e bloco de notas, para ouvir minúsculos palestrantes enquadrados por excitantes Powerpoints. Não há carisma nem “case” que resista a um cenário soporífero e medieval.

Nem mesmo os epítetos em inglês que os organizadores inventam para glamourizar, nem mesmo o prazer de gazetear o trabalho, justificam tanto suplício inócuo.

A menos que seja para desfilar uma nova gravata (ou aparecer bem na foto), palestras, workshops, campfires,  keynotes (sem transmissão online) são um atraso de vida.

Mas piores ainda são as monótonas e pasteurizadas coletivas de imprensa. Por incrível que pareça, esse jabá ainda existe.

Entrei de bicão ontem num sinal dos tempos: uma empresa convidou simultaneamente alguns veículos especializados que ainda apreciam brindes e coffee breaks para o lançamento de uma nova estrutura de negócio (interessantíssima diga-se de passagem).

Simultaneamente 350 blogueiros foram convocados para assistir à apresentação remotamente, com direito a perguntas, respostas e as mesmas “regalias” de informação que os demais.

A novidade não está propriamente na estratégia de transmissão – muito mais civilizada – mas na abordagem que as empresas deveriam ter quando se relacionam com a imprensa: a informação crua não tem mais relevância e deve ser democratizada sem privilégios, para quem quiser.

Furo é coisa de paparazzi.

Importa sim a capacidade de contextualização e análise da informação. Coletivas e workshops “físicos”, ninguém merece!

A imprensa cyborg.

É noite na campina. Bafo quente e aquele silêncio. Medo dessa escuridão toda. Medo de quê? Medo de ver o que não se quer ver. Mas, se não se pode ver, tal a escuridão, qual é o medo? Olhos cerrados não vêem e tampouco dão medo. Mas esse pensar dá mais medo ainda. Deixa pra lá.

Eis que sobe da ravina um, dois, três, muitos zumbidos. Mais medo. Medo de ouvir sem ver. Mas por quê? Deixa pra lá. E de repente a campina acende fugaz. Um casebre pisca e apaga. Uma moita. Pisca e apaga. A estrada e o casebre. Piscam e apagam. A ravina e a moita. Piscam e apagam. O casebre, a estrada, a moita e eu. Piscamos e apagamos. E o medo? O medo também, apaga e pisca. Meu medo a mercê das bundas fluorescentes dos vagalumes.

E é dessas luzes fugidias que insistimos em retratar nosso ambiente, nossa história. Como se o piscar fosse capaz de descrever todo o horizonte, as nuvens, o campo, o ritmo do andar, o pulso do vento, o medo.

Certa imprensa, a grande imprensa, a imprensa de massa trabalha assim, iluminando aqui e ali. Fatos, acontecimentos, personagens. Números e mais números. E vamos nos norteando nestes clarões. Quase às apalpadelas.

Assim, quando esta imprensa ilumina o casebre e a estrada, está ocultando o precipício que está diante dos meus pés. Quando ela está acendendo a moita, não ilumina a tempestade que ocupa todo o céu.

Pois ela não sabe fazer história. Tão somente documenta-a com seus fragmentos factuais, pequenos clarões em um todo vago e confuso.

Tampouco sabe contar estórias. A pressa é tanta, a urgência do furo é tal, que o estilo escorrega. Fatos e números não apaixonam.

Então, o que tristemente lemos e vemos por aí é uma imprensa monossilábica, almanaque. O leitor, contaminado, tem sua atenção e capacidade de pensar adormecida. E quanto mais adormecido está, mais permeável. Daí, é fácil fazer malabarismos e prestidigitação com o seu senso crítico. Afinal de contas, números não se discutem. Mas números são apenas vagalumes.

E agora, neste mundo que aposentou o mitológico em favor do bitológico, neste mundo que vive no limite do tempo e do espaço, estes pequenos clarões não são mais capazes de aplacar o medo do escuro. E na correria do fechamento, agora medido em minutos e não mais em dias, aleija-se a análise, avacalha-se o estilo. E com isso, perde-se a capacidade de entender, e o prazer de sentir, o todo.

Notícia, furo, dados, pesquisas, personagens. Commodities em liquidação. Na Internet notícia não vale nada porque não tem autor. Na Internet furo não existe porque todos chupam. Na Internet, dados não têm peso porquê não são exclusivos.

A imprensa tradicional não está ameaçada pela membrana digital porque os veículos físicos são obsoletos. Ela está ameaçada porque está perdendo a capacidade de expressar o todo. Está ameaçada porque o repórter, o jornalista, o editor está num processo compulsivo de autocastração. Eles se cobram daquilo que não tem mais valor. Capam-se da intuição, da crítica, da análise.

Quais seriam os papeis da mídia digital e da física neste novo cenário? Com quem ficaria a análise e quem se ocuparia dos fatos? Mas sequer vemos essa preocupação atravessar a grande imprensa. Tampouco na Internet. Está tudo igual. Fatos, fatos e fatos.

Acho que trocaram o nervo ótico pelo microscópio.

Em um mundo altamente técnico e científico, ganha seus títulos de nobreza aquele que for capaz de quantificar. E isso para todos e tudo. Números e estatísticas. Mas qual é a essência da imprensa? Afinal de contas, com o que ela lida? Com a observação, com a criação, com a inteligência muito antes do vômito de números e estatísticas. Observar, escrever e falar virou ciência exata agora?

E daí meu medo. Meu medo de ver um todo que pisca timidamente, iluminado ao bel prazer e racionalidade de vagalumes . Lumes vagos.