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Mídia de Performance ou mídia de amor

Um criador sabe que qualquer mensagem desperta diferentes camadas de compreensão e sensação e que cada receptor é único. As combinações, infinitas, trazem infinitas leituras.  Mas a propaganda é a arte da simplificação.

A mensagem publicitária pode ser funcional e simbólica, objetiva e subjetiva, racional e emocional, concreta e abstrata.  Decifrá-la ou interpretá-la compreende muitas dualidades. Qualquer que seja a intenção original.

Portanto toda marca se comunica provocando uma ação e uma sensação simultaneamente. Uma ação de compra e uma sensação de prazer, por exemplo. Mas é claro que é possível acentuar um objetivo em detrimento de outro. A propaganda clássica de varejo, prosaica, deve colocar fogo no rabo do consumidor. A propaganda clássica de marca, metafórica, no seu coração.

Mas a coisa se complica no admirável mundo dos briefings em oxímoros. Todo anunciante sonha com a campanha racio-emocional que vai construir marca com propaganda de varejo ou, mais recentemente, criar awareness com mídia de “performance”. Esse é o nirvana que otimizaria o investimento.

Para resolver a questão e não entrar numa retórica centrão, que não sai do armário porque nunca foi à guerra, é melhor introduzir uma dimensão que contorna o vício de criar  conceitos coincidentes e contraditórios, geralmente em inglês, para soarem menos impossíveis. O critério é o tempo.

Portanto, ao invés de pedir que a campanha seja emorational, functionbolic, concrestract, retailbranded, awareperformatic, ou algum outro assassinato linguístico, que tal definir em quanto tempo é desejável obter os resultados (que convenhamos, serão sempre os mesmos: crescer mais, ganhar mais, dominar mais).

Não é à toa que boa parte da mídia que se faz na internet se chama mídia de “performance”. Se o resultado tem que ser mensurado na catraca não se podem esperar sutilezas. É preto no branco: clicou ou não clicou, engajou ou não engajou, converteu ou não converteu, e por aí vai, funil abaixo. Tudo que exige esse nível de mensuração é por natureza quantitativo e racional. Por outro lado, uma boa parte daquilo que se faz nas mídias ditas passivas, tem resultados difusos, complexos e profundos. São esperados muitos matizes interpretativos de reações, riquíssimos e principalmente duráveis ou perenes.

Não se constrói confiança da noite para o dia. É necessário tempo para que a sedução se transforme em laço, a paixão em intimidade, a atração em amor. Por outro lado, se o efeito desejado for uma ação, uma experiência, um reflexo intenso mesmo que fugaz, o chamado tem que ser urgente. O desejo se esvai como fumaça a menos que seja colhido em meio às chamas.

Em síntese, se quisermos ser pragmáticos na hora de lermos um briefing, se é para ser rápido, será performance, se puder ser mais lento, será construção de marca. E cinismos à parte, o raciocínio é simples se pensarmos em termos de consumo de meios: toda mídia  que se consome rapidamente, com os feromônios em plena atividade, será ideal para  “performance”. Toda aquela que se consome lentamente, aboletado num sofá, com os sentidos a flor da pele, será ideal para construir marca.

Da trade-mark para true-mark

Quando um fazendeiro passa em revista seu rebanho, ele costuma assinalar aqueles animais que se destacam com um sinal. Ele marca os lotes para que os preços sejam compatíveis com a qualidade atestada. Aquele sinal cuja sofisticação será proporcional à capacidade do produtor de atribuir valor aos animais escolhidos (genética, por exemplo) é uma trade-mark.

Com o desenvolvimento do capitalismo, o valor de uma trade-mark é definido por uma receita ou fórmula. Duas trade-marks com a mesma receita possuem, em tese, o mesmo preço.

Mas neste mundo capitalista primitivo, no entanto, a racionalidade é só aparente porque é a antecedência de quem pensou antes, viu antes, pegou antes, patenteou antes que define o valor.

Uma trade-mark é uma marca esperta.

Quando uma pessoa de marketing reúne seu time e suas agências de pesquisa, comunicação e branding, a preocupação que origina todas as discussões é a atribuição de um valor emocional à marca que está sendo debatida. Para isso, identifica-se uma oportunidade de mercado, idealiza-se um público, pesquisa-se uma mensagem. O trabalho resultante, que muitas vezes humaniza o produto com uma história inventada, é uma love-mark.

O capitalismo atual fez com que duas marcas com qualidades comparáveis possam ter preços completamente diferentes (com ou sem patente). Nesse estágio, inclusive, a diferença pode ser tão abstrata que os consumidores ficam perplexos e podem até abrir mão da recompensa emocional.

Neste mundo capitalista medieval que premia a narrativa, enriquece quem discursa melhor.

Uma love-mark é uma marca fabuladora.

Mas se uma trade-mark tem seu preço definido pelo critério da antecedência da fórmula e não pela comparação entre as ofertas; e uma love-mark tem um preço definido por critérios transcendentes que escapam a qualquer comparação lógica, o consumidor é uma massa fácil de manobrar, o que iremos confrontar a esses capitalismos cansados?

Em tempos de ferramentas tecnológicas evoluídas de comparação de preços e experiências, os consumidores já são capazes de decifrar as esfinges de patentes e brandings alienantes. Em um mundo em que a aparente abundância é a máscara que esconde recursos cada vez mais raros, a síntese artificial de percepções é uma bomba relógio que se volta, cedo ou tarde, contra as empresas, as marcas, os consumidores e o planeta.

É chegada a hora das true-brands.

As true-brands são aquelas capazes de atribuir valor às suas verdades. As true-brands explicam de onde vem o produto, como ele foi criado, produzido, embalado, vendido. Uma true-brand atribui valor ao que tem valor: a origem, a escassez, o cuidado. Uma marca valerá quanto mais autêntica for a sua origem, quanto mais cuidadosa for a sua fabricação, quanto mais transparente for a sua contabilidade, quanto mais profunda for a sua atenção aos consumidores, à comunidade, à sociedade, ao planeta, quanto mais ética for sua missão. Uma true-brand milita contra as patentes que paralisam a inovação e perpetuam a concentração de capital. Uma true-brand despreza as narrativas alienantes do branding.

Uma true-brand pode colocar a composição no rótulo, no lugar do logotipo. Uma true-brand pode colocar sua margem de lucro, no lugar do nome ou o endereço de quem produz no lugar dos textos legais. Uma true-brand pode assumir, na propaganda, quantos empregos proporciona para compensar a quantidade de árvores que cortou. Ou qualquer coisa entre a opacidade da narrativa e o confessionário. Uma true-brand se compromete ao invés de prometer.

Uma true-brand é uma marca poeta.

O papel da marca, sua anta

Fazer propaganda é sofisticado porque tem que ser memorável, eterno, bem produzido, barato, tem que contar uma história sedurora, gerar intenção de compra, mídia espontânea de montão, engajar as massas, viralizar ultramar, ser uma causa universal, mudar uma cultura. Tem que ter um ponto de vista claro, uma identidade inconfundível e principalmente, definir claramente e com naturalidade o papel da marca, sua anta!

É muita coisa para assegurar, e por isso, a gente pergunta bastante, para todo mundo, da copa ao topo e refazemos muitas vezes para garantir que o papel da marca, sua anta, o papel da marca! E depois a gente pesquisa, tem que perguntar para o povo – voz do povo é voz de Deus – porque se não estiver claro o papel da marca, sua anta, o papel da marca! E se não estiver ali, lógico e tinindo, volta sete casas, muda a equipe, chama reforços, gente que sentiu na pele o papel da marca, sua anta, o papel da marca!

Dá um trabalhão. Tanto trabalho procurando no mercado e no supermercado, no roteiro, na mídia, nas redes, na cabeça, no coração e na vida, o papel da marca nas metas, no bônus, na cabeça do meu chefe, do seu chefe e do chefe gringo do chefe do meu chefe, tanto trabalho que a gente esquece de chamar a atenção.

Porque propaganda, afinal, é isso aí, chamar a atenção.

Para o papel da marca?

Não sua anta, chamar a atenção. Tout court.

Andando do lado ensolarado da rua

A propaganda tem uma monstruosa culpa nesse mundo atolado na sucata em que vivemos. E se há culpa na impulsividade das pessoas, no desmoronamento de valores, na aceleração da vida e do progresso, sabemos enroscar ainda mais a equação, jogando gasolina na fogueira, criando estímulos e pânicos irresistíveis, através de nossas mensagens publicitárias.

Mas também podemos enxergar o mercado com esperança.

Podemos e devemos abstrair-nos da mentalidade exploratória e selvagem com o cinismo típico que nos acomete quando defendemos a propaganda (“é a vaselina do sistema”) ou transferimos responsabilidades (“sou pago para fazer isso, a culpa é do sistema”).

Rumamos sem trégua para um futuro em que as ideologias estarão a serviço da intransigência defensiva, fundamentalistas e violentas. Não há mais “humanismo” nas grandes ideologias, apenas defesa de território, medrosa e raivosa. O sentido que as orientações de outrora nos davam perdeu seu humanismo. E, com esse vácuo moral, vemo-nos nus, indefesos, cheios de incertezas. Não tem mais nenhum dogma a nos consolar.

Além disso, o mundo acelera muito mais rápido do que nossa capacidade de absorvê-lo. As revoluções tecnológicas, indispensáveis para se sobreviver na sociedade em permanente transformação, nos excitam mas sufocam.

Tudo muda tão rápido que não sabemos mais onde nos prender, como fazer escolhas, em que consultar-nos e confortar-nos.

É aqui que as marcas têm algum papel e responsabilidade, assim como a propaganda. Elas significam – ou podem significar – novos referenciais para as pessoas, e de valores também.

Não estamos tão longe assim, por incrível que pareça, dessa tomada de consciência. Qualquer marca digna, minimamente comprometida e ética, preocupa-se sempre e a todo instante com os valores dos seus consumidores, mais do que com suas qualidades. Quanto mais avançada é uma imagem, mais ela deixa de lado suas propriedades para concentrar-se nos seus potenciais clientes, nem que seja para inspirar a inovação. Quanto mais eficiente é uma comunicação de marca, mais ela se foca na ponta que interessa – o consumidor – e menos na descrição exaustiva ou mentirosa de seus benefícios. Ainda – e até no Brasil, fronteira ainda virgem de responsabilidade – as marcas representam empresas que por sua vez têm papéis sociais e ambientais que estão na mira de muitos consumidores.

O mundo da abundância em que germinou o consumismo materialista e imediatista sempre foi uma presunção, um discurso falacioso. Mas essa ilusão já quebrou seu encanto. Sabemos que iremos afundar na merda que produzimos já, já, isso sim. E o mau cheio da propaganda atributo-benefício já fede há algum tempo.

Boa propaganda vende mais caro

Flagrante 1:

– Maria, a partir de hoje, eu gostaria que você comprasse o produto X, por favor.
– X?!
– É. Eu estou trabalhando para essa marca, entende?
– Han-han.
– Por quê? Você não gosta?
– É que não é tão bom quanto o Y.
– Não?
– É economia é?
– Não, não, X não é mais barato.
– Han-han…mas se o Senhor está querendo fazer economia…não fale depois que não avisei, visse?

Flagrante 2:

– Quanto custa a foto para esse anúncio?
– Custa R$ X.
– R$ X? Tudo isso?
– Han-han.
– Mas é uma fortuna!
– Han-han
– Preciso vender muito para pagar esses luxos, nossa!
– Han-han…se o Senhor fizesse mais “luxo”, “precisaria” vender menos, mas venderia mais.

Em bom marquetinês, essas anedotas poderiam resumir a máxima “posicionamentos de marca e boa propaganda constroem valor”.

Propaganda vende. Todas as propagandas vendem. Até as ruins.

A boa propaganda que constrói posicionamentos de marca duradouros, vende mais caro.

E se vende mais caro, tem que custar mais caro. Simples assim.

Nem paixão pelo negócio, nem pela marca

Sim, vivemos num mundo capitalista, numa economia de mercado, num ringue entre perdedores e vencedores. Aqui é a arena dos arrivistas. A grana dá gana e dá gosto.

Isto posto para os poetas. Isto posto para os tubarões.

Planejamento de comunicação é, sabemos, uma coisa cheia de teorias, definições e outras viagens. E vamos dispensar as perorações, prosopopéias  e pretensões.

Mas se espremer, tirar toda o blablablá, a visão do que é planejamento se resume a duas: para alguns o foco é no negócio, para outros é foco na marca.

Para alguns, propaganda existe para fazer um negócio prosperar, crescer, ganhar musculatura, conquistar espaço, mesmo que seja só comercial, mesmo que seja só responsável. E se propaganda é isso, então o planejamento deve olhar o negócio, entender o negócio, arrotar o negócio, evangelizar o negócio do cliente. Isso dá um tipo.

O outro é aquele que acredita que a representação simbólica de um produto, de uma empresa, quiçá de uma filosofia – a marca – é o que vai permitir criar laços entre um consumidor e a grana que ele vai pagar para o negócio. A marca é o médium que se xaveca e cultua. Se a propaganda existe para servir marcas, então o planejamento deve vestir a marca, bajular a marca, lustrar a marca, travestir e treinar a marca.

Não iremos tratar aqui do tipo híbrido, o tipo conclusivo, apaziguador, o coxinha que já vai dizendo que o planejamento deve ter paixão pela marca para gerar negócio ou vice-versa-o-contrário-tanto-faz-não-enche.

Vamos sugerir uma outra visão, aquela que considera o “negócio” um deserto de emoções, e essa visão de “marca”, o canto da sereia.

Que tal a nossa paixão ser pela comunicação, pelo discurso, pela história (sem a babaquice do story-tellismo)?

Que tal o planejamento ser um laboratório de construção de linguagem? Um campo de treinamento onde a gente ensaia a fala, a forma e o conteúdo?

Que tal um departamento de planejamento que tem como missão aprender como é que as pessoas pensam e sentem para uma propaganda importante, útil ou simplesmente gratificante para os “consumidores”? Uma propaganda que antes de ser relevante para a marca ou para o negócio, seja relevante para o Pedro, a Clara, o Eduardo, a Maria e o Flávio?

Que tal um planejamento cuja missão é conseguir fazer propaganda que não seja só propaganda?