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Curtir propaganda é clicar no botão curtir?

Talvez devessemos mudar as nomenclaturas do enorme saco de gatos daquilo que chamamos de comunicação. Isso evitaria uma série de mal-entendidos e expectativas nos briefings que parimos diariamente.

Já não é de ontem que o mantra universal para qualificar a boa comunicação é avaliar o potencial que seus conteúdos têm para emocionar receptores (ou consumidores ou seres humanos, pessoas, gente, comedores, dorminhocos, cagadores, amantes, mámiferos bípedes dotados de cérebro avantajado). Sem medo de errar, esse se tornou também o grande balizador de qualquer iniciativa para uma marca. Estratégias vencedoras devem emocionar, mas existem também todas as muitas outras, que, quando muito, informam.

A partir desse critério, portanto, encontramos dois formatos: o formato cuja vocação é tocar o consumidor no coração (emoção), o outro que deve atingir sua cabeça (razão). Sabe-se que o primeiro, quando bem executado, tem um poder soberano sobre o segundo porque o coração age mais rápido e de forma incontrolável. Já o segundo é escravo da comparação, portanto mais frágil.

Vale o adendo aqui de que os dois formatos são excludentes. Qualquer tentativa de despertar um ou outro dos sistemas (emocional e racional) elimina qualquer possibilidade de atuação do segundo. A confusão é comum e muitos acreditam ser possível emocionar e racionalizar simultaneamente.

Dando crédito de confiança à tese do tiro bilateral (emoção e razão), devemos portanto começar priorizando e, assim, todo e qualquer briefing deveria começar definindo, sem qualquer julgamento de valor, a sua prioritária vocação: emocionar ou informar?

Se o objetivo é emocionar, deve-se evidentemente dar livre curso à imaginação baseando-se em evidências ou descobertas motivadoras. O insumo criativo aqui são os pulsos, comportamentos, valores, aspirações, sonhos, frustrações ou recalques. Aqui não estamos falando com consumidores mas pessoas. Aqui o que importa são as  “Multiple Mind Motivations” e os “Points to Feel”.

Já se o objetivo é informar, o trabalho consiste em levantar os atributos concretos, funcionais, pragmáticos, operacionais daquilo que pretendemos comunicar. O insumo criativo é criar uma ordem, um foco, uma escolha em cada uma das informações colhidas em função das necessidades e das expectativas, corretamente alinhadas com as razões para crer na entrega. Aqui estamos com consumidores e não pessoas. Aqui o que importa é a “Single Mind Proposition” e o “Reason to Believe”.

O segundo passo portanto de um briefing deve ser definir, dependendo da primeira escolha (emocionar ou informar), qual é o Multiple Mind Motivations e o Points to Feel, em um caso, e o Single Mind Proposition e o Reason to Believe, no outro.

Isso seria relativamente simples se não tivesse surgido a Internet para bagunçar o trabalho. A Internet extrapola em vários sentidos o que nos acostumamos por décadas a chamar de mídia. E um dos erros clássicos incorre em chamar a Internet de mídia. Ela é mídia, inclusive, mas é também serviço: meio de comunicação interpessoal (como o telefone), espaço de entretenimento (como os games) e de negócios (como as feiras e shoppings), é plataforma de transação (como bancos, correios, serviços públicos) e por aí vai.

Para resolver a definição do que seria comunicação em uma era pós-Internet, decidiu-se pela solução mágica e imprecisa de substituir “comuicação” por “conteúdo”. E assim, tudo seria conteúdo (o emocional e o racional e esse monte de outras coisas que a Internet permite).

Mas essa é uma solução gauche ou na melhor das hipóteses que redefine para além do prático o papel das agências (ex-agências de propaganda, ex-agências de comunicação e agora agências de conteúdo).

Existe no entanto uma forma mais simples de resolver o nó  do briefing, contemplando agora o maremoto vago e polivalente das possibilidades nascidas pela Internet (ou digital pra ser mais genérico ainda).

Como vimos, o briefing deveria dizer se o trabalho deve priopritariamente emocionar ou informar. Pois talvez seja a hora de acrescentar a terceira variável: o trabalho deve prioritariamente emocionar, informar ou servir?

Assim, e inclusive na Internet, é possível definir a “question one” do briefing e, de forma precisa, o papel de cada canal.

Assim também, e de forma clara, não correriamos mais o risco de tentar emocionar numa mala direta, nem informar  em diárias na home do Youtube. Não tentaríamos, como cegos em tiroteio, arrepiar nossos públicos com estratégias de redes sociais ou de search. Isso também nos livraria da batalha das campanhas de preços e features que aterrorizam dispendiosamente os horários nobres da televisão.

Finalmente, poderíamos também julgar o que é boa “comunicação” e não dizer que uma caralhada de likes no Facebook é do caralho.

“Não se preocupe viu”, to muito por dentro do “geral” das “coisas”

Todo mundo concorda que o briefing é a matéria prima do trabalho de uma agência. Também concordamos que em alguns casos ele também é usado como guilhotina,  filtradora ou frustradora, do trabalho criativo. É portanto consenso que um bom briefing deve inspirar sem castrar. E obviamente, quanto melhor a matéria prima, melhor o produto final, tanto em termos de qualidade quanto de esforço.

Se o dever de um briefing é ser musa, vamos combinar também que a transcrição das necessidades, problemas, esperanças dos clientes não são propriamente a coisa mais importante. Quando muito, compõem o cenário sobre o qual devem-se construir caminhos.

Se o pecado de um briefing é ser inquisidor, acordamos que check-lists não são necessários, desejáveis nem tampouco de-briefings cuja função sempre de empata-foda. Quando muito, pode-se considerar um incentivo ao longo do processo, um apoio moral.

Um briefing deve portanto ser preciso, correto, focado. E idealmente, se mais de um caminho se apresentar, mais de um briefing pode ser considerado.

Briefing todo abertinho ou fechadinho, onde tudo pode ou não pode, tudo é desejável ou não, tudo atende as expectativas do cliente ou não, é inútil, vide preguiçoso, vide brochante.

Um briefing não se escreve, se cria.

Finalmente, convencionou-se que agências de comunicação teriam pessoas mais próximas dos clientes, que estariam “por dentro do geral das coisas” e chamaríamos essas pessoas de “atendimento”.

Existiriam outras, no meio do caminho entre o atendimento e a criação, especializadas em dar foco ao “geral” e em dar vida às “coisas”, e essas pessoas são o que chamamos de “planejadores”.

No fundo, no fundo, é simples. Os “não se preocupe” é que complicam.

Se o briefing falasse!

Dois pensamentos conflitam permanentemente nas agências de propaganda, de forma radical ou intercambiável.

O primeiro acha que quando a campanha está errada, a culpa é do briefing e quando a campanha está certa, é apesar do briefing.

O segundo reza  que quando a campanha está errada é porque o briefing foi esquecido e quando está certa, é porque o briefing entregou de bandeija.

Mas só existe um tipo de cliente: aquele que espera um milagre que nasce dessa dialética criativa.

Dó do Andy Warhol

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Prezado,

Estou realmente muito feliz de que você possa fazer nosso novo álbum. Aqui estão duas caixas de material que você pode usar, e as gravações.

Na minha pequena experiência, quanto mais complicado o formato do álbum […] mais difícil a reprodução e angustiantes os prazos. Mas, eu deixo tudo em suas hábeis mãos para fazer o que bem entende……..e por favor, escreva me dizendo quanto dinheiro você gostaria.

[…] ele (o empresário) vai parecer nervoso e dizer “faça logo” mas não ligue.

Está carta foi escrita por Mick Jagger para Andy Warhol em 1969. Briefing: faça o que quiser, verba: quanto achar justo, prazo: urgente.

O briefing é a pedra angular (aquela que sustenta as ogivas das catedrais góticas) de qualquer trabalho, mas quem nunca sonhou em trabalhar livre de cabrestos, de enfadonhas descrições de problemas e qualidades, de pesquisas e insights óbvios e objetivos pouco palatáveis? Quem nunca atirou em um briefing que atire a primeira pedra.

Um personagem da Peste de Albert Camus é escritor. Diariamente, ele inicia seu deleite atormentado: preencher as folhas com originalidade. Muitos anos passam-se e o frustrado funcionário público não consegue evoluir  monótonas linhas sobre uma cavalgada no deserto. A folha em branco (mental) é o pesadelo das musas e o homem medíocre morre antes de completar a primeira lauda.

Por mais odioso e enfadonho que seja um briefing, ele é melhor do que a carta “em branco” do Mick Jagger ao Andy Warhol que levou mais de um ano para realizar o trabalho urgente.

Um briefing é importante demais para ser assassinado pela pressa ou burrice. Mas maus briefings são melhores do que nenhum. Pense nisso quando escrever ou recusar um.

Em tempo, não sei se foi excesso de briefing ou falta dele, mas a capa criada pelo Warhol tinha um ziper de verdade que arranhava o disco.