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A pandemia da opinião

É atribuída a Richelieu (o grande ministro do rei Luís XIII na França) a frase “se me dão seis linhas escritas do mais honesto dos homens, eu encontrarei o suficiente para enforcá-lo”. Seis linhas, um post, um tuíte, uma foto.

As redes sociais liberaram a palavra e deram palco e espelho narcísico para as pessoas – qualquer um capaz ou não de dominar discursos, articular argumentos e estilos. E isso é bom porque a liberdade começa pela fala. Não se luta contra a opressão com o silêncio. É de se esperar que, depois do caos, surja certa disciplina e alguma ordem. É de se sonhar que reine a etiqueta e a reflexão.

No entanto, as plataformas de opinião inauguradas pela internet– as redes sociais e suas lógicas únicas – privilegiam duas estruturas de discurso pouco elaboradas: a instantaneidade e a hipérbole. Tudo tem de ser imediato, no calor e no atropelo; é preciso ser rápido e valorizar a moeda social do engajamento. As postagens também devem ser enfáticas, muito adjetivadas e exclamadas, justamente para repercutir, causar e se espalhar.

As redes sociais são o veículo de reação com aparência de opinião. Quem nunca soltou, espalhou ou creditou, no reflexo apaixonado, informações ou ideias das quais se arrependeria se tivesse a chance de analisá-las minutos depois? Quem nunca? Contudo, os efeitos da praga de opinião precoce e enfática são incontroláveis e invisíveis. Soltou e vociferou: esqueça ou reze.

As redes sociais, da forma como estão e progridem, são arenas de embates e não de debates. Reagir e refletir são verbos que não se conjugam da mesma maneira. A reação tem de ser rápida e exagerada para ter efeito. A reflexão deve ser lenta e cuidadosa para ser justa. E não é possível reagir e refletir ao mesmo tempo.

Se acreditamos na opinião reflexiva ainda que acessível, argumentada ainda que democrática, serena ainda que impactante, as redes sociais e seus públicos precisarão evoluir para constituir espaços civilizatórios.

Enquanto isso, o que grassa como um vírus biônico é a opinião apressada, maniqueísta e binária de bulas de autoajuda 2.0.

E esse vírus tem cura. Não precisa suicidar-se das redes nem impor censuras. Basta sossegar o dedo nervoso. Basta deixar que falem sem dar bola à gritaria.

Redes sociais da opressão

Não se sabe ao certo se primeiro o ovo ou a galinha, mas seja lá porque a humanidade quis ou porque a fizemos querer, inventaram uma extraordinária plataforma de comunicação, gratuita, universal, simples, sem preconceito, transnacional, simpática, popular, rica e sexy chamada rede social.

Depois de décadas da vilania centralizadora da mídia de massa, depois de séculos de luta de classes, raças, gêneros e gerações, depois de milênios em que a palavra foi usada para controlar, finalmente aparece um alto falante para nossas vozes.

Ali – prometa-se – não haverá censura, não haverá limites, não haverá moralismos aviltantes. Ali – garanta-se – não haverá lei do mais forte, nem do mais lindo, nem do mais rico. Ali – assegura-se – somos nós e nossa identidade. Ou a identidade que queremos, sonhamos, idealizamos. Ali toda brincadeira será permitida, sem consequências, sem patrulhamentos, sem lei até. Ou pouca lei.

Inventaram, para nosso usufruto e gozo a Ágora da livre expressão, a suprema utopia de todos os povos livres.

Mas eis que esta mesma tentadora e poderosa ferramenta vira a casaca. Eis que estamos perigosamente escorregando na casca de banana do gozo supremo, indizível, incontrolável, irresistível também.

Eis que nos expressamos demais, sobre tudo, sobre nada, sobre o que é da nossa conta e principalmente sobre o que não é da nossa conta.

Eis que escancaramos nosso desinteressante umbigo mas principalmente maldizemos com virulência do umbigo alheio.

Eis que toda nossa incontida raiva, ódio, inveja e ganância encontra, nos feeds inodoros de uma rede social qualquer, o esterco para crescer, contaminar, vingar, destruir. Pessoas, histórias, reputações ou sonhos.

Eis que, até sem querer, tomamos a palavra e gastamos o verbo que temos e que não temos. Por nada. Para nada. Para desabafo sem amanhã. Irresponsável. Imoral. Opressor.

E daí?

Daí que a gente começa a calar. A gente começa a parar. A gente sai, se suicida, apaga-se, deixa de frequentar e principalmente de expressar-se.

Daí que as redes sociais cerceiam a liberdade de expressão e o feiticeiro sucumbe ao próprio feitiço.

Redes sociais ou gabinete de curiosidades

Queiramos ou não, relacionamentos são intrincadas teias hierárquicas. Embora seja arriscado etiquetar pessoas em gavetas e vitrines – afinal de contas gente é areia movediça – um pouco de ordem conforta.

Nossos relacionamentos se organizam em redes que, embora se cruzem nos mais complexos ou em ocasiões excepcionais, estabelecem um grau de profundidade da relação assim atribuída pela de maior interação.

Vejamos.

No seu aniversário, por exemplo, existem aqueles que aparecem na sua casa antes de você acordar. Esses dividem cama e escova de dentes.

Depois tem aqueles que combinam de te encontrar para te pegar, dar um beijo, um sorriso e um vale livro.

Descendo um degrau, tem gente que te manda email. Há  tanta intimidade nas frases lapidadas!

Seguindo na hierarquia, alguns telefonam porque a vida é uma loucura mas sentem uma saudade asséptica.

Depois, temos os que mandam mensagem de texto pelo celular com palavras carinhosas e abreviadas.

E lá embaixo, junto com a catraca do trabalho que te manda um parabéns, junto com o cartão da livraria que está tão feliz por você nesse dia, tem a mensagem que calibra sua popularidade.

Lá embaixo, lá no fundo do fundo, onde você coleciona curiosidades e não relacionamentos, tem a mensagem no facebook.

É nesse lá embaixo, lá longe, que as marcas tentam ser amigas das pessoas.

Se os olhos são as janelas da alma, o Instagram são as portas

Registrar e dividir o olhar é de uma eloquência reveladora. Tipificar essas observações do mundo é um exercício curioso.

O mundo orbita

A auto-câmera dá a exata dimensão do olhar deste tipo: “farejo o mundo da ponta do meu – imponente – nariz”.

O mundo modelo

Monocromático ou em contrastes saturados a percepção é uma abstração estética: “filtro e higienizo o mundo ao meu clique preciso”.

O mundo mal passado

São tomadas tremidas, impulsivas, repentes de um reflexo obsessivo: “o mundo hostil e cru que me assusta, congela, inofensivo, ao meu toque protetor”.

O mundo enorme

Pulsos aleatórios, agregadores, inclusivos, tentam neutralizar a solidão: “se eu morrer, que saibam onde encontrar meus restos, nesse mundo de meu Deus”.

O mundo elegia

Desilusões do viver, abandonos, dores da ausência carecem de desabafos: “fugi para longe, um longe estranho e diferente. Me esqueçam. In memoriam de mim.”

O mundo se exibe

Finalmente o tipo comum, vulgar e pornográfico: “olha como sou inteligente, bonito, interessante, querido. Olha como eu me amo”.

Kony 2012 e nossas lágrimas de crocodilo

Stalin dizia que matar uma pessoa é uma tragédia; matar milhares é uma estatística.

É importante refletir sobre essa frase, à luz da hipocrisia de nossas lágrimas de crocodilo ocidentais. Milhões de bem nutridos ao redor do mundo chacoalham-se, consternados, em arrepios de vergonha, diante do mais básico dos apelos: uma criança que prefere a morte às abomináveis provações de que é vítima. O simplório documentário Kony 2012 é um entre centenas, milhares de pedidos de socorro que chegaram de toda parte do mundo, em particular da África, nos últimos anos.

No começo da década de 90, quase um milhão de ruandeses tutsis foram assassinados em menos de 100 dias por ensandecidos hutus. Isso dá 7 assassinatos por minuto sob o olhar estéreo do ocidente. Todos os dias, centenas de apelos como o do documentário blockbuster chegavam às redações dos jornais e nos gabinetes dos governos, da ONU, das ONGs. Especialistas acreditam que com poucos milhares de homens bem treinados, armados e com licença para agir, o genocídio teria sido evitado. Como o garoto que prefere morrer a continuar vivo, milhares de hutus inocentes preferiam matar a morrer, por recusar-se a colaborar com o esforço de limpeza étnica (muitas vezes armado com armas ocidentais, claro).

Em 1996, um poder contrário ao governo que apoiava o Poder Hutu, reunido nessa mesma Uganda e no antigo Zaïre (atual República Democrática do Congo), majoritariamente constituído por Tutsis refugiados, retomou controle da situação e forçou mais de um milhão de Hutus a refugiar-se também, aonde?, em Uganda e no Zaïre. Foi o maior fluxo de pessoas desesperadas de que se tem notícia na história da Terra.

Dessa vez, os crocodilos compadeceram-se e montaram colossais campos de refugiados nos países vizinhos a Ruanda, sob a proteção dos governos ocidentais, da ONU, das ONGS e o olhar atento de centenas de jornalistas.

Um milhão de hutus que haviam assassinado um milhão de tutsis recebiam um milhão de dólares por dia de ajuda humanitária (muito mais do que a renda média diária dos sobreviventes em Ruanda).

Em outras palavras, ignoramos o genocídio e ajudamos os “genocidaires“, com a maior das inocências.

Moral da história, somos bilhões de idiotas governados por milhares de cretinos.

Kony 2012 – sei não. Mas se 40 milhões de pessoas doarem mínimos 10 dólares por mês, isso soma quase 5 bilhões por ano. Dinheiro pra acabar com muita miséria.

No entanto, a hipocrisia ocidental é maior do que a sede de líderes iluminados por apelos transcendentais (como Kony): é suficiente derramar lágrimas sinceras, elevar preces inócuas e fazer documentários virais nas redes sociais.

Facebook: uma exercício de orgia quantitativa

Parece que na média, 15% de todas as informações postadas no time-line de uma pessoa, no Facebook, são de fato vistas.

Se você é uma pessoal normal e tem 300 amigos que postam em média 1 vez por dia no Facebook, você vê, em média, 48 mensagens por dia.

Estima-se que menos de 20% de todas os posts são aprofundados (com cliques nos links por exemplo). Logo, das 48 mensagens, 38 são apenas uma passada d’olhos. Sobram 10.

Digamos que 10% de todos os seus amigos são mentirosos, exagerados ou apenas ingênuos. Das 10 mensagens que merecem destaque, uma não é crível. Deu 9.

Supomos, ainda, que apenas 40% de todos os seus contatos no Facebook sejam mais informados, cultos ou inteligentes do que você. Portanto, menos da metade são dignos de bagagem suficiente para você considerar válidas suas mensagens. Isso dá 4.

Pessoas de uma mesma rede social costumam compartilhar as mesmas informações a uma taxa de 40% em média. Portanto, apenas 60% das 4 mensagens diárias são inéditas, ou seja, 2.

Ainda, mais da metade (58%) de todas as informações compartilhadas no Facebook provêm de fonte tradicional (órgãos de imprensa principalmente). Logo, das 2 informações diárias que se lê na rede, aprofundadas, verdadeiras e da qual não se tinha conhecimento, menos de uma é o que poderíamos chamar de furo.

90% da motivação das pessoas dentro de uma rede social é para exprimir-se, falar de si, de sua vida, rotina, aspirações e frustrações. Assim, do único quase furo acima, sobra 0,1 mensagem relevante, séria e instrutiva.

Como todos os dados foram arredondados (acima de 0,4, para cima, abaixo de 0,41, para baixo), sobra 0.

Claro que esses números referem-se a médias e consideramo-nos todos acima dela. Portanto, devemos ser pelo menos 5 vezes “melhores” do que a média para tirar algum proveito nas redes sociais.

Ou se formos menos pretenciosos, precisamos 5 vezes mais assiduidade ou 5 vezes mais pessoas no Facebook (ou seja, todo mundo). Essas são as estratégias do negócio.

Já a estratégia publicitária é estimular as pessoas a serem 5 vezes mais sociáveis. Ou terem amigos mais abertos. Ou possuírem 5 vezes mais tempo livre. Ou conseguirem 5 vezes menos amigos mentirosos. Ou 5 vezes mais amigos mais inteligentes. Ou 5 vezes mais amigos originais. Ou 5 vezes mais amigos do FBI. Ou 5 vezes mais amigos menos preocupados com seu próprio umbigo.

Obs: todos os números acima foram deliberadamente chutados.

Internet, bela viola

Muitas guerras foram urdidas, fomentadas, incentivadas nas redações e muitos jornais foram idealizados, formados e impressos no front.

A política, através de sua representação estilizada mais perfeita – a guerra – forma com a imprensa um casal sinistro, disfarçado por um manto de respeitabilidade. Para a política, é o disfarce da democracia. Para a imprensa é o da liberdade de expressão. Mas a política é avesso da imprensa. A imprensa é a sombra da política.

A menos que se creia em neutralidade.

Então, se a imprensa mudou, espalhando-se, atomizando-se, individualizando-se, não será apenas forma? A voz do cidadão antes isolado, tonitruando para bilhões nas redes sociais, é esperança de paz?

A menos que se sonhe com neutralidade, nada muda assim.

As redes sociais, quando fomentam revoltas e derrubam poderes, fomentam revoltas e derrubam poderes. A nova imprensa permanece um fermento da guerra. E a guerra permanece o catalizador da imprensa, da nova e da velha.

A Internet não redime nada. É só uma bela (nem tão bela) viola.

Falta bom senso nas estratégias de redes sociais

Todos os dias ouvimos falar dos tsunamis de reputação que abalam o mundo. O poder insidioso e contagiante de um post ingênuo em alguma rede social, arrepia, apavora, paraliza.

Quando se bate com o martelinho naquele ponto sensível do joelho, a perna dá um coice, geralmente desproporcional à força do impacto. Todo reflexo, quando bem estimulado, é superlativo.

O bom senso escorrega tão rápido quanto a coragem de assumir riscos, principalmente quando estamos lidando com o desconhecido sub-mundo digital. E via de regra, a retranca é ordenada: “se não estou preparado para entrar nas redes sociais, se tenho telhado de vidro, deixa quieto”.

Mas é evidente que essa política, de enterrar a cabeça no chão com a bunda de fora, excita os atiradores de elite.

Ocorrem portanto dois movimentos que se anulam. O extase iluminado e a covardia de procuração. Exageramos os impactos justamente acreditando que eles podem despertar da letargia: “cuidado, sua marca está a mercê de qualquer consumidor histérico!”. E a reação, o reflexo, é seu corolário: “a ordem vem de cima, me desculpa, mas é melhor não mexer no vespeiro”. Mas as vespas não são nem tão histéricas nem tão inocentes.

Talvez devessemos começar a medir, ou estimar, os riscos: qual é o potencial de contagio? Talvez devessemos criar mais alarmes do bem, e menos alarmes do mal. Ao invés da chantagem “cuidado, você está correndo perigo!”, o estímulo “olha o tamanho da oportunidade”.

E talvez, mas principalmente, tenhamos que conter nossos impetos catastrofistas do lado de cá.

E do lado de lá, não acreditar na máxima “falem mal, mas falem de mim”, porque, afinal de contas, falar mal é muito mais legal.

Internet para conectar?

A Internet foi imaginada, criada e comeu tutano com base em princípios de nobre cunho: acesso democrático à expressão, à comunicação e ao conhecimento por um lado e simplificação, aceleração e abrangência de intercâmbios de toda natureza por outro.

Diante da explosão do uso das redes sociais – 90% da população de internautas afirma ser para lá que se dirigem preferencialmente – muitos gostariam de ver nesses ambientes o futuro concentrador de todas as atividades e interações da Internet do “futuro” (entre aspas). Seria nessas plataformas concentradoras que as pessoas se relacionariam, expressariam, transacionariam, se informariam etc., quase que exclusivamente. E, com muita sede, os agentes (Facebook, Google-Orkut etc.) se mobilizam para diversificar ou colonizar territórios que não lhes eram fundadores.

Mas se analisar com alguma sutileza o comportamento e as pulsões por trás do uso das redes sociais, em seus usuários, parece haver algo que contraria a própria gênese da Internet: sua autocentralidade. As redes valorizam, facilitam e enaltecem a individualidade muito antes da sociabilidade. Basta fazer um exame, sem hipocrisia, de sua própria convivência nas redes sociais: eu primeiro, os outros depois. Faz sentido, é humano, genuíno e não há nada de artificial nesse comportamento. O espelho sempre foi e será o iniciador do despertar para o mundo.

Qual é a contradição, portanto, se a contradição existe? A Internet foi criada antes para conectar. As redes sociais inserem-se como uma luva nesse princípio – e por isso florescem – mas desviam-se rapidamente para o culto da autoimagem, autoexpressão, autossexuação.

Por isso, parece haver um desarranjo quando se arvoram nas grandes redes a ambição de dominação e a concentração das atividades online. Imperceptível mas crescentemente, não parece ter lógica vislumbrar um futuro desses, contrariando todas as tendências numéricas.

Mais parece uma espécie de marketing monopolista do que uma realidade inescapável.

O que torna a Internet forte é que nenhum interesse parece ter prevalência sobre nenhum outro, e mesmo que algum tipo de monopólio se fundamente, em curto espaço de tempo a autogestão orgânica da rede trata de rebaixar sua influência. Ainda bem.

O triunfo da criatividade é a mídia de massa

Um grupo de cem arqueiros certeiros é menos mortífero  do que uma chuva de flechas.

Um exercício simples pode trazer muitos incômodos quando auscultamos as fan pages ou comunidades de algumas marcas nas redes sociais. Caem por terra muitos preconceitos e essa simples observação contradiz as mais acuradas das pesquisas. Quando inventarem uma ferramenta capaz de desenhar o retrato-falado médio de uma comunidade dessas vai ter muita gente vendo sua marca, outrora orientada para um determinado público, revisando sua estratégia radicalmente.

A propaganda, que coteja a ciência, e que a cada dia procura ser mais cirúrgica no alcance de seus alvos, muitas vezes renega ou subestima sua maior virtude: a capacidade que tem de seduzir para além da previsibilidade dos objetivos.

A propaganda só alcança seu máximo poder de fogo quando emociona, engaja e compromete o mais insuspeito dos targets: a diet-freak a tomar cerveja, o gordinho a correr, a perua a comprar na fast-fashion, o classe média a se endividar por um carrão.

Uma marca de luxo não faz propaganda para vender suas preciosidades para quem pode mas para quem não pode, uma marca popular não faz propaganda para vender suas bugigangas para quem não tem opção senão recorrer a elas, mas para dar-lhes prestígio e seduzir o outro lado da cerca. Pensar que trabalhamos para lembrar que existimos é ter em baixa conta a arma que manejamos.

Se o óbvio transpira nessas afirmações, ele está ausente em muitas estratégias nas chamadas novas mídias. Lá, vendem-nos o estado da arte da precisão e mensuração. E mais parece um disfarce para acobertar outras deficiências, como a falta de padrão, o baixo impacto, a pulverização, os formatos exíguos.

Claro que podemos ainda alardear os serviços prestados à cauda longa, que não pode se dar ao luxo de desperdiçar cartucho na esperança de fisgar prospects insuspeitos, mas quando estamos falando de grandes estratégias, dar tiros excessivamente precisos é a desculpa para a má propaganda ou justificativa para a falta de ousadia.

Quando a estratégia de mídia é nebulosamente calculada, em qualquer mídia, inclusive as novas, ela resgata a criação e dá-lhe espaço para transbordar de sedução. Fazer propaganda do Corinthians para o corintiano é bico, agora que tal fazer propaganda do Corinthians para vender uma marca para um palmeirense? Esse é um desafio para o qual não há técnica, não há ciência, não há TGI ou Analytics capaz de solucionar.

A libertinagem de opinião das redes sociais

De uma coisa ninguém fala, mas a explosão da popularidade das redes sociais, por trás de todos os superlativos positivos, secreta um efeito pernicioso: a intolerância. O que antes acontecia nos cochichos de salão e nos covis das colunas dos jornais é mais fértil nas redes sociais e germina e dissemina-se com a velocidade das más notícias.

Numa rede social, e principalmente na mais ácida de todas, o Twitter, deslizes éticos são desculpáveis pela falácia do espaço curto e grosso das mensagens. Bizarra  ironia usar o argumento de que em 140 caracteres não há espaço para perder-se em comprovações e argumentos, logo na Internet, em que a relação espaço x preço é tão favorável à verborragia, ao tempo e ao aprofundamento (muito diferente de outros veículos em que cada segundo ou linha é disputado e custa caro).

Educação, bons modos e correção ortográfica são detalhes. Nas redes, o poder de síntese não é qualidade, mas álibi de vulgaridade ou ignorância.

Propósitos racistas ou simplesmente imbecis também são tolerados como se toda afirmação digital acontecesse em um manicômio ou num tribunal nazista, desta vez, em nome de uma presumida liberdade de opinião.

A moralidade das redes também é relativizada já que, no faroeste da Internet, manda quem tem mais seguidores, amigos, portanto, poder de influência. Então, aqui, ninguém tem freio e deita e rola porque sabe que todo controle é vago, difícil e sem consequência. É serra pelada: cada um por si e Santo Mark Zuckerberg por todos nós.

Assim, qualquer infâmia repercute. Basta uivar uma merda que a alcateia faminta se encarrega de defecar nos trend topics. Uma espécie de fascismo com pele de cordeiro.

Sua mãe assiste propaganda no Youtube?

Qual é o real interesse, atração, engajamento (a palavra da moda) que uma marca pode suscitar em uma pessoa?

Não é pelos seus belos olhos não.

Se já não era assim na época em que só existia meia dúzia de canais de comunicação, se seus dotes emocionais já soavam artificiais quando a gente ficava grudado na televisão 4 horas por dia, como é que uma marca pode ser atraente no espaço semi-privado das redes sociais?

Não é se fazendo passar por um de nós e tentar bater um papo ou estabelecer uma conversa (mais uma palavra em voga).

Se a gente já odiava ser abordado por serviços pós venda, se a gente já não suportava receber oferta de produtos e serviços não solicitados, nos tempos em que a gente não tinha espaço para colocar a boca no trombone, imagina agora que a bronca mais tímida pode reverberar instantaneamente na Internet?

As pessoas não acreditam mais na personalização das marcas. As pessoas não querem conversa com coisas, mas com pessoas.

Das marcas, nas redes sociais (principalmente) a gente espera negócio e conteúdo. Sem blábláblá.

Quem é que vai seguir uma marca no twitter para ouvir a baboseira mercadológica disfarçada de diálogo amigo?

Você vai assinar um feed, instalar um aplicativo ou compartilhar um malho publicitário, se o conteúdo estiver nitidamente mais a serviço da marca do que de você ou de seus amigos? Na sua praia? No seu blog? No seu perfil?

Na TV a mídia era comprada, nas redes sociais a mídia é concedida. Nas redes sociais, ninguém engole mensagem goela abaixo.

Se a marca não tiver um bom negócio para oferecer para seus consumidores nas redes sociais, melhor ela começar a desistir das regrinhas do marketing.

Você iria a uma locadora pegar um DVD de propaganda para assistir em casa, numa noite chuvosa?

Se a resposta for não, a propaganda que se faz por aí não presta para entrar na nossa casa e muito menos nos nossos espaços digitais.

Se você disse sim, você é louco ou mãe de publicitário.

Minha obra é minha vida, estou nas redes sociais

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Quase nada sabemos sobre o Caravaggio. Nem ao certo onde nasceu, se morreu assassinado ou doente, quem sabe, numa praia da Toscana. Da luminosa Itália, na sua obra, raríssimos são os céus e sóis. É o claro-obscuro da sua alma que acentua as mais sofridas cenas bíblicas. Homem anônimo, pintor eterno.

“Há mais coisas na vida além da mídia, mas não muito… Na era da informação, a invisibilidade é equivalente à morte.” Germaine Greer

Um amigo enviou-me essa frase, certo de que ela poderia inspirar os leitores. Numa perspectiva isolada, a frase é uma esperança: nunca foi tão fácil, vide barato, aparecer, destacar-se e perpetuar-se. Somos reconhecidos, nas micro-sociedades que frequentamos, pelas confissões públicas que cometemos na Internet. Ser invisível é impossível. Somos imortais.

A vida, na Internet, é nossa tara, nossa razão documentada de existência. É dela que falamos e viralizamos. É a dos outros que comentamos e criticamos.

Na era da informação, nossa obra é nossa vida.

Esquecemos a lição do Caravaggio.

E depois, um dia, após a morte, apagar-se-ão nossos estéreis perfís que um dia, iludiram-se de eternidade.

As redes sociais e a democracia

Redes Sociais: duas entre cada dez palavras pronunciadas por qualquer bem pensante hoje em dia, em papos de “Abalar Bangu”. Mais um daqueles inúmeros fenômenos que surgem para acrescentar alguns charts às palestras dos gurus Best Sellers. Mais um tema para excitar os especuladores, os caçadores de talentos e os vendilhões de empresas.

Tudo nas novas plataformas de informação são reedições corrigidas e ampliadas. Os luditas e blasés adoram dizer isso. Portanto, para eles, redes sociais são espécies de “Rotary(s) Clubes” digitais.

Esse tipo de desmistificação é sempre um divertido argumento para brochar os excessivamente excitados mas é quase sempre um álibi intelectual para uma inépcia de entendimento das mudanças de comportamento que estão por detrás dessas “velhas novidades”.

Mas o que me interessa mais nos clubinhos virtuais é uma espécie de panacéia democrática que por ali grassa. Sem querer intelectualizar demais o papo, já é lugar comum dizer que a molecada tem um interesse muito passageiro, para não dizer inexistente, por política. A não ser em momentos de euforia ideológica, como a atualmente em curso no ringue das eleições norte-americanas, ela tem um desprezo absoluto por qualquer lógica majoritária.

É que de fato, essa coisa de submeter-se a qualquer decisão da “maioria”, é frustrante em tempos de liberdade de expressão absoluta e universal, de cauda longa, de morte do direito autoral e etc.

Em nossa democracia, é muito baixa a possibilidade de decidir e intervir. A única delas é o voto, pouco para um exército acostumado a clicar, a escolher tudo a toda hora.

É essa falência do “majoritário” que motiva e apaixona as redes sociais em todas as suas manifestações.

No limite, é como se estivéssemos encubando uma nova ordem mundial em que os humanos se agrupassem em torno de idéias compartilhadas, interesses ou polemicas comuns, gostos e simpatias antes de geografias, línguas e qualquer outro tipo de aglutinação física.

No limite, as redes sociais configuram os novos “Estados” que trocam o majoritário pela unanimidade. E não há “exclusividade” nem “limite” de “nacionalidades”. Pode-se pertencer ao quantos “países” quisermos, com múltiplas “identidades” até e “desertá-los” quando eles não mais interessarem ou outros mais atraentes surgirem.

Antes de tratar-se de uma utopia, a experiência da nova ordem e sua possibilidade virtual, vai corroendo todos os organismos e reinventando as relações sociais irremediavelmente.