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Posicionamento: ser ou querer ser

A grande maioria dos topônimos no Brasil são descrições precisas e sintéticas do lugar, geralmente em tupi. Assim Aracaju é o cajueiro dos pássaros, Curitiba significa pinheiral, Iguaçu, rio grande, Taubaté quer dizer aldeia alta e por aí vai.

Jamais os tupinambás construiriam uma central atômica na praia que escolheram para estragar o visual de Angra: Itaorna quer dizer pedra mole.

Por outro lado, nomes próprios de pessoas, para os tupis, são muitas vezes as qualidades desejadas para o futuro adulto, impostos quando das cerimônias de iniciação. Dessa forma, Kauã é gavião, Ubirajara quer dizer senhor da lança, Irací, doçura, etc.

Um tupiniquim não chama seu filho de Moacir porque quer dizer mágoa ou dor a menos que tenha um bom motivo para isso.

Os índios incorporam ao nome dos lugares e pessoas posicionamentos eternos.

Da mesma forma, atribuímos a nossas marcas ideias que devem ter significados longevos. Uma marca comercial é ou quer ser o que seu slogan quer dizer.

“Ser ou querer ser” são as duas fórmulas que conhecemos para batizar uma marca com um posicionamento. Um posicionamento tem que ser a expressão de uma verdade ou um desejo de verdade?

Não é uma questão de marketing. É uma questão de ética.

Posicionar-se como um voto pio, um desejo inocente e puro, é inserir os tais valores humanos que arrepiam e estabelecem uma relação ilusória, fantasma, lúdica com as pessoas. É também a postura típica dos neófitos do marketing tão preocupados com valores emocionais e atalhos piegas com o consumidor.

Por outro lado, falar uma verdade sobre a marca, o produto, a empresa é uma postura que estabelece uma relação honesta com o consumidor. Não se trata evidentemente de revelar segredos ou pontos fracos – o que eventualmente pode ser muito provocativo e bem sucedido. É a postura dos empresários responsáveis, das empresas transparentes, das marcas cidadãs.

Posicionamento é cacoete

A comunicação é uma ferramenta-soluço.

De hics em hocs, construímos (presumimos) uma conexão emocional e durável com pessoas.

Por isso as campanhas (soluços) devem perseguir uma coerência de valores e mensagens.

Essa corda que conecta os continuados surtos loquazes (soluços) é o que chamamos de posicionamento.

E mesmo quando somos Demiurgos que reinventam a natureza das coisas, detratando a propaganda boliche em favor de uma comunicação fliperama, esses discursos não passam de laboratórios de circunstância, modismos, bons tons pra inglês ver: marcas não são gentes, são abstrações.

Sabe quando você reencontra uma pessoa que o tempo corroeu, uma relação intima do passado que tudo separou por anos? Você tenta reatar os laços, lembrar daqueles momentos que viveram juntos mas que a poeira da vida tratou de reinterpretar. De memórias em memórias a gente tenta reconectar fluxos invisíveis sem sucesso. Triste angústia. Até que, repentinamente, a pessoa coça o olho. Por reflexo. Aquele reflexo. Aquele trejeito. O trejeito que te arrepia.

Posicionamento é mais ou menos esse trejeito repetido, que se integra na natureza de uma marca. E o arrepio se traduz em desejo.

Construir uma marca é brincar de transformar abstrações em gente. É brincar de colocar trejeitos, tiques, manias, cacoetes nos soluços, modernos ou tradicionais, que criamos.

Posicionar não é escarafunchar

A atitude é o ascendente, a codificação aparente, a máscara que acende o desejo. Não revela, protege e encanta. É um avesso de conteúdo.

A propaganda é um terroir em que germinam atitudes efêmeras. O publicitário que bem sucede-se é aquele que entende o jogo de sedução que se dá na superfície. O arrepio, ainda que passageiro, é mais eficiente.

Quando a pseudo-ciência do marketing aprofunda a análise in extremis, os processos além de lentos são densos, desgastantes e banais. Resultam em idéias que têm a pretensão de apertar um botão utópico, que transformariam audiências em consumidores. O máximo que se consegue com tanto método investigativo é vulgar. A enorme maioria dos conceitos de posicionamento assim gerados são monótonos, repetitivos, passe-partout e verdadeiras metralhadoras de agrados para uma plêiade de interesses internos.

Emocionar não significa escarafunchar as entranhas. A exposição publicitária é fugaz, disputada a tapas e cara demais para a exploração em águas ultra-profundas.

Já a mais epidérmica das carícias é capaz de inspirar os gozos mais primitivos.

Posicionamento de marca: essência ou detalhe

Já inventaram de tudo para servir de modelo ao entendimento de uma marca. E dá-lhe, construções abstratas, antropomorfas, biológicas, arquetípicas, espirituais. O marketing, como todas as artes capitalistas, é profícuo em apropriar-se de outras áreas do conhecimento, sem muitos pudores, para elaborar aproximações compreensíveis, logo, superficiais. Funcionam todas como uma forma pseudointelectualizada de busca de sentido através de nobres metáforas.

Qualquer Avatar, para ser entendido pela massa ignara, fala por parábolas. É o que o marketing faz quando inventa uma personalidade, valores, DNAs e outras maluquices para uma marca. E a palavra vira evangelho a ser seguido, sem discussões, dogmaticamente.

Ironias à parte, Deus seja louvado; e sua palavra, idem. Sem o evangelho da marca, o empirismo e a barbárie dos achismos dominariam as decisões.

No entanto, todos os evangelhos, todos os modelos de marketing, qualquer que seja a religião, se equivalem.

A essência das análises é procurar precisamente a essência de uma marca. Tem até um modelo velhaco que dá conta de um DNA com uma alma no centro. De revirar o estômago até das ervilhas do padre Mendel.

Essência é um conceito abstrato. Sua lógica está impressa num raciocínio hierarquizante, supondo que o mundo e todas as suas coisas são compostas de partes que se completam de forma dominante e dominada. E a essência, no centro, é o comandante de todas as partes.

Expressar a essência de uma marca é a quimera das teorias de posicionamento. É a partir dessa definição que se irradiam as manifestações da marca, inclusive na comunicação. É essa essência – quintessência – que irá guiar-nos na tentativa de emocionar o consumidor.

Um raciocínio simples, no entanto, prova a inocência e a caduquice desse pensamento.

As pessoas, as marcas, são ecologias complexas, compostas de partes que se complementam e se engendram de forma funcional e aleatória. Não há hierarquia. Nem comando.

Se não se ama, de uma pessoa, uma essência, mas caretas, covas, resmungos, gestos, quem dirá que se possa amar uma marca e ainda por cima pretender encontrar-lhe uma essência!

Uma marca não tem essência, porque a essência não está nela, mas nas pessoas que a apreciam. Elas são infinitas, portanto impossíveis de sintetizar. A não ser que se recorra à lógica do mínimo denominador comum, necessariamente simplificador e banal.

Não seria também por isso, do ponto de vista estritamente de posicionamento de comunicação, que tantas marcas possuem “essências” idênticas e comunicações igualmente pasteurizadas?

Não se compra uma coisa pela sua funcionalidade, mas por uma constelação de motivos, funcionais e emocionais, caoticamente agrupados. Tampouco, não se prefere uma marca pela coisa essencial que ela representa, mas por uma miríade de fatores racionais e emocionais, impossíveis de se conjugar.

Mas supondo que seja possível amar, de amor, uma coisa ou uma marca, por que será que é preciso amar, de amor, a sua essência e não seus detalhes, ou um detalhe que talvez seja ele, sim, um denominador comum de paixão entre nossos consumidores?

Será que, em vez de comunicar de uma marca uma essência ficcional, não poderíamos comunicar caretas, covas, resmungos e gestos? E se a propaganda pudesse falar de suas pequenas superfícies deliciosas ao invés do âmago utópico?

Eddie: Senti sua falta. É verdade. Senti sua falta como nada antes me faltou a vida inteira. Eu não parava de pensar em você, o tempo todo, dirigindo. De te ver. Por vezes, só uma parte de ti.
May: Que parte?
Eddie: Seu pescoço.
May: Meu pescoço?

Eddie: É.
May: Faltava-lhe meu pescoço?

Sam Shepard no filme Fool for Love (1985)

Publicado originalmente no Meio e Mensagem de 16/10/2010

O vício perigoso das concorrências

Concorrências entre agências de comunicação na disputa pela conta de um cliente, e principalmente quando conduzidas a partir de trabalhos especulativos (campanhas hipotéticas), contém intrínsecos vícios sobre os quais muito já se falou.

Não bastasse o calvário do qual participam agências (e anunciantes) que já têm suas contas divididas, a partir de  critérios nem sempre muito lógicos e claros (por produto, por períodos, por verba, etc), não bastasse o sistema de, por vezes, transformar a relação cliente x agência em chantagens contínuas (quando por exemplo cada mísero job passar a ser disputado por concorrência), não bastasse a dificuldade que esse sistema infernal cria na consistência do discurso publicitário, não bastasse a quasi impossibilidade de planejar recursos e equipes, não bastasse isso e não bastasse mais aquilo, o jogo parece mais atraente do que todos os mais óbvios princípios.

Esse neo-liberalismo suicida contraria pelo menos três deles: curva de aprendizado, coerência do posicionamento e integração dos meios.

O processo de conhecimento da cultura de uma empresa, do histórico de suas marcas e principalmente dos seus consumidores é lento por definição. Pitchs incessantes são autos-da-fé irresponsáveis.

Um posicionamento de uma marca não se chama posicionamento à toa. Ele constrói a imagem da marca e esse é o único valor importante a ser construído pela comunicação. O restante é empréstimo dos atributos do produto. Concorrências cíclicas provocam terremotos de percepção no consumidor.

Terceiro e não menos importante, em tempos de integração absoluta de meios, quando uma campanha, uma ação ou uma relação se estabelece a partir de uma engenharia criativa de inter-relação entre os pontos de contato com o consumidor (inclusive os não tão novos digitais), não faz o menor sentido – ou na melhor das hipóteses, dá um trabalho danado – atomizar investimentos e partilhá-los entre diferentes agências.