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Jornalista é chato e publicitário, bobo

Quando já não sabemos mais a fronteira entre conteúdos jornalísticos e publicitários – se é que algum dia houve tal distinção – está cada vez mais difícil identificar a diferença de talentos exigidos pelas respectivas profissões. Porque as duas profissões têm uma relação de sado-masoquísmo ancestral, a conjugação conceitual das duas técnicas e éticas, tem sentido.

Há quem diga que o jornalista dirige e o publicitário é carona. Outros diriam o contrário: que o publicitário é a ama de leite, o jornalista o bebê chorão. Mas se bons jornalistas podem ser bons publicitários e vice versa, a cerca está a cada dia mais fácil de pular porque a amizade entre as empresas de mídia e as agências é colorida.  Ainda mais quando quem paga a conta, o anunciante, rege a discórdia pacífica: “to pagando, pô”.

Há quem diga que o repertório jornalístico é erudito e denso, que o publicitário é popular e superficial. Outros preferem dizer que jornalista é chato e publicitário,  piadista. Mas se bons jornalistas fazem publicitários prolixos e bons publicitários fazem jornalistas preguiçosos, a troca de pontos de vista pode ser boa.

Há quem diga que a imprensa é ranzinza e padece de senilidade precoce. Há quem diga que a publicidade é debilóide e com espinhas incuráveis.

Povo é nossa matéria-prima

A boa moral católica não aprecia muita transparência de propósitos, e quando uma linguagem serve a um interesse sem subterfúgios é feio. Assim, a propaganda é, das linguagens de comunicação, a menos “nobre”. Sua franqueza (“é pra vender mesmo, tá?”) não lhe permite comparar-se com outras de mais elevados (e sorrateiros) interesses – a linguagem artística e a jornalística, por exemplo. Mas vamos cometer o pecado da comparação.

Por linguagem, entenderemos aqui o elo entre uma ideia e um público receptor. A linguagem é aquilo que usamos para codificar, traduzir e transmitir. É o que dá sentido ou compreensão à mensagem.

Ao separar os três tipos de linguagens – artística, jornalística e publicitária –, façamos um esforço teórico para evitar as intersecções mágicas. Um artista pode expressar-se com uma linguagem publicitária (Nelson Leirner?), um publicitário, com uma artística (Paulo Leminski?), um jornalista, com uma artística (Rubem Braga?), ou vice-versa para não ser xingado. Mas, para qualificar com precisão as diferentes linguagens, tentaremos entender as motivações (não as inspirações)  autorais por trás de cada linguagem.

Será que dá?

Um artista tem compromisso com a sua expressão individual. É garimpando na profundeza da sua alma que ele desenvolve a sua ideia. Essa ideia tem e sempre terá um público incerto, não premeditado, que irá na obra reconhecer-se, emocionar-se, inspirar-se. A motivação do artista é, portanto, individual, autocentrada, egoísta. É por isso que tantos foram e são incompreendidos ou amaldiçoados.

O compromisso do jornalista, por sua vez, é com o relato do fato histórico. É apurando, pesquisando, consultando, ouvindo e relacionando fontes que ele se exprime. O público que ele alcança é definido pelo hábito e também com objetivos de instrumentalização da informação. O jornalista é um observador do real, um retratista da verdade, ou da verdade que ele consegue depreender de sua própria subjetividade. Sua motivação é, portanto, científica. É por isso que muitos são perseguidos ou censurados.

Finalmente, o compromisso do publicitário é precisamente com o público definido como alvo do produto ou marca para o qual ele trabalha. É sensibilizando-se com as aspirações e desejos, hábitos e comportamentos ou níveis de compreensão e preconceitos das pessoas que serão impactadas pela sua mensagem que ele esculpe sua ideia. Um publicitário é um farejador, um animal com enormes orelhas e olhos em todos os membros. Sua motivação é escancarar-se para o povo. É por isso que somos vistos por artistas e jornalistas como prostitutos.

Dar-se conta dessas fundamentais diferenças entre as linguagens separa muito o joio do trigo. E na propaganda, naquilo que fazemos e gostamos de fazer, a gente fica se perguntando por que diabos tem gente que gosta de inverter as motivações.

Tem gente que inventa e acha que a motivação individual – artística – é primordial na propaganda, e dá no que dá: propaganda de museu. Tem gente que inventa e acha que a motivação pode ser factual – jornalística – e que chata que é essa propaganda-conteúdo. Fora a confusão.

Por treino e por talento, o publicitário fala melhor com o povo do que o jornalista e o artista.

Se publicidade é cultura, se grafite é arte, se podemos usar (de novo) a Sarabanda de Handel ou o Adágio de Samuel Barber numa propaganda, se podemos dizer que xixi no banho vai salvar a Mata Atlântica, interessa menos, contanto que o povo (que não é burro nem surdo) ouça.

Esse artigo foi originalmente publicado no Meio & Mensagem de 28/02/2011

Ipad não serve pra ler, só pra ver e lamber

No Brasil, as pessoas passam mais tempo na TV do que jogando videogame. Entre o game e a Internet deve ter empate técnico, mas certamente mais tempo na Internet do que fazendo amor, conversando com os filhos ou lendo um livro ou um jornal.

A gente queima as pestanas para achar os culpados. E claro, o maldito preferido é o governo, que não dá educação. Ou o presidente que é ignorante, mas já houveram outros tão incrivelmente educados, de fino trato, e coisa e tal. Ou então os portugueses, esses degenerados.  Ou a elite que não quer gente estudada para questionar o sistema de classe. Ou os pobres coitados que são uma mistura infeliz de raças preguiçosas.

Balzac passava páginas e páginas descrevendo a aparência física de uma pessoa. E, através dessas longas e precisas linhas, ele também revelava sua personalidade, sua alma, seu destino. Balzac e Swift ganhavam por linha escrita nos jornais em que publicavam seus livros.

O fato é que ninguém quer saber de ler coisa nenhuma. Para piorar, vem essa Internet que organiza ou desorganiza o conhecimento em fragmentos esparsos, sem garantia de origem, nem direitos, nem censura. E se perguntarem para 10 pessoas que desejam ardentemente o que pretendem fazer com seus iPads, nove vão responder que é para ver vídeos, ouvir música, ver fotos e papear nas redes sociais. Quem disse que o iPad vai substituir o livro ou o jornal está redondamente enganado.

O livro ou o jornal não vão ser substituídos, serão banidos de nossa existência, apesar da modernização dos suportes.

E diante desse cenário em que a cultura da imagem, do movimento, da síntese ou da imersão protolisérgica das narrativas venceram a contemplação, as descrições e o culto do estilo, não adianta sentir saudades.

A culpa está em nós. Não é o governo que não dá escola. Somos nós que não vemos mais tanto interesse em ter filhos aprendendo tabuada.

Não é o presidente que é ignorante, somos nós que lemos menos de um livro por ano e nos informamos aos frangalhos no google, no orkut ou no twitter.

Jornalismo participativo não é jornalismo de auditório

Há uma crítica generalizada que se dirige à qualidade do assim chamado jornalismo cidadão, ou participativo. Pouco compromisso com a qualidade das fontes, responsabilidade ética duvidosa, anonimato que mascara intenções questionáveis, investigações superficiais.

Se por um lado, ainda no susto de uma incontrolável concorrência surgida sem compromissos comerciais, legais ou de reputação, a mídia tradicional reagiu (e ainda reage) com inocência, dando voz indiscriminada aos comuns cidadãos, por outro, a liberdade é inebriante para aqueles que repentinamente descobrem um canal de expressão universal, simples e sem censura.

Ainda vivemos um longo período de adaptação, no qual, uma vez vencida a pretensão magoada dos antigos e o frenesi adolescente dos novos, o tributo sociocultural que a Internet, a termo, permite é alvissareiro.

Mas parece que, por parte dos antigos detentores e distribuidores da informação, ainda há um longo caminho de compreensão do fenômeno.

O mais recorrente argumento diz respeito, evidentemente, à qualidade da informação. E é simples verificar que, de fato, quando a mídia tradicional permite, sem discriminação, a manifestação de seus leitores, o resultado é geralmente ruim, superficial, mal escrito e personalista (“eu acho” ou “para mim” são os preâmbulos de 2 em cada 3 comentários em sites de notícias). O público, ao expressar-se, não percebe com muita clareza ainda que um veículo de comunicação, seja ele em que plataforma for, deve respeitar a regra do interesse comum. Um jornal ou um blog “jornalístico” não é confessionário ou divã. Portanto, achismos são menos interessantes que argumentos.

A tese, no entanto, não deveria ser tão conclusiva, a ponto de virar axioma das redações, que ridicularizam consciente (para os mais ousados) ou inconscientemente (para os mais pretensiosos) o jornalismo participativo, reduzindo-o muitas vezes a uma espécie de sufrágio de opinião pública, obviamente sem nenhum valor.

Cabe, sim, às novas redações, aos novos jornalistas, assumir uma nova função que consiste na capacidade de lidar com um fluxo muito maior de informação, oriundo agora, para além das tradicionais fontes, dos próprios leitores. Isso exige trabalho e ferramentas, além de boa vontade. Cabe ao jornalista devidamente munido dos adequados recursos a função do filtro editorial exponencialmente extrapolado. Não se trata mais, apenas, de publicar qualquer bobagem só porque “foi dito por um leitor”. Essa “tendência” já caducou há anos e perdeu totalmente a relevância, inclusive para dar ares de modernidade às redações. Por trás de cada editor deveria existir uma espécie de trackeador de fonte, subeditores – automatizados ou não – que peneiram, na montanha de canais de recepção de informação, aquelas que realmente são capazes de enriquecer o conteúdo.

Por outro lado, um paradigma importante deve ainda ser quebrado. Ainda que as fontes explodidas vindas dos leitores possam ser difíceis de filtrar, deve-se acreditar na seleção natural. A termo, informações equivocadas ou mal intencionadas são naturalmente expelidas pelos próprios leitores e algoritmos automatizados. Se a Wikipedia tem muitos verbetes equivocados, a esmagadora maioria deles está correta ou vai se corrigir com o tempo, rapidamente. Assim sucede também com a nova função jornalística que, sem furtar-lhe o dever de filtro expandido, deverá crer na capacidade de autocorreção.

Se não queremos perder-nos no obscurantismo cultural, se não queremos que as novas gerações informem-se apenas no jornalismo humorístico de auditório e nos scraps das redes de relacionamento, é tempo de encarar a participação dos leitores com mais inteligência e menos parti-pris.

“Profissão repórter”: jornalismo redentor

As curvas de audiência/leitores dos conteúdos jornalísticos nos principais veículos de comunicação vêm caindo (despencando?) em velocidades maiores nos targets jovens do que a queda (acomodação?) da audiência geral.

Antes de construir algumas hipóteses (alarmantes?), vale descartar a explicação fácil: se a audiência dos tradicionais está caindo e a dos novos está crescendo, isso não significa necessariamente uma transferência de um para o outro. As plataformas digitais são talvez aquelas que mais facilmente permitem superposição da atenção. A Internet é um estímulo irresistível ao comportamento multitarefa. Por outro lado, a pulverização dos meios novos (novos?) é tamanha que é impossível estabelecer quantitativamente algum tipo de correlação entre a queda de uns e o crescimento de bilhões. Por fim, se qualquer crescimento (da audiência do conteúdo jornalístico da Internet) é grande quando ele parte de muito pouco, difícil é levantar depois de uma certa, digamos, experiência.

As hipóteses a seguir são possibilidades concomitantes mas merecem ser isoladas para que a análise tente ser mais cristalina.

A primeira hipótese (catastrofista?) é a de que o gênero simplesmente não interessa mais aos jovens. É dizer que nesse mundo pós-pós-moderno, o cérebro da molecada é composto de fractais de atenção, que se multiplicam, desdobram, perdem-se, ao infinito. Nada gruda, nada pega, nada entusiasma, inflama, excita. Se assim for, o jornalismo sempre será refém das quedas de avião e dos julgamentos espetaculares. Ai do futuro dos nossos valores de outrora.

A segunda possibilidade (conformada?) é que de fato o jornalismo broadcast, de cima para baixo e ideológico caducou. Essa possibilidade confronta uma revisão da autoridade como decorrência de conhecimento e experiência. Ou seja, não acreditamos mais que a reputação de um jornalista ou de um veículo possa ser fator de seu passado e de seu pedigree intelectual e técnico. Acreditamos mais no mais próximo e nos nossos relacionamentos que procriaram repentinamente. Reputação se conquista com seguidores e não com currículo. Ai de nossos velhos dias.

Mas talvez (inshalláh!) possamos também encarar a nossa fórmula de construir o conteúdo jornalístico com um olhar de implacável crítica. O jovem, confrontado com uma realidade cada vez mais intrincada, inter-relacionada, organicamente conectada, não se excita mais com o jornalismo cortado em fatias editoriais. Qual a história das mentalidades, que decretou o fim da visão cronológica (como um salame: a Antiguidade, a Idade Média, o Renascimento, etc.) e anunciou uma visão temática do mundo (como um repolho: o amor no ocidente, a loucura, o mal), o jornalismo que fazemos deixou de ser crível e apaixonante. Economia, finanças, política, comportamento, cultura, esporte, por que não aposentar os velhos especialistas, cada vez mais arcanos e iniciados?

Por que o jornalismo não pode ser um contar de histórias (mil e uma noites?) interminável, uma novela que documenta o mundo em temas transversais e universais? Uma espécie de realismo ficcional. Queremos (jovens e velhos) consumir o mundo como uma fantástica história, cheia de perigos, esperanças e heróis.

O jovem divorciou-se do jornalismo?

Outro dia, num evento lotado de gente bacana, jovens na maioria:

– Tem muita reportagem de televisão aqui, né?
– Pode crer. É para meus pais essa parada.

Era assim que os dois analisavam a cobertura jornalística do acontecimento, referindo-se em particular à equipe do CQC presente para seus rompantes.

Não existia possibilidade de ir para a escola e depois para a faculdade sem ter lido o jornal, de preferência a Folha, e obrigatoriamente a Ilustrada, que muitas vezes carregávamos dentro do caderno. Ler jornal era uma questão de sobrevivência social. E também era importante ver o Jornal Nacional e ler a pré-degringolada da Veja.

Responsabilizar a Internet pelo desinteresse da molecada pelo jornalismo tradicional, broadcast, encurta demais o raciocínio. Sim, a função hard-news desempenhada pelos veículos tradicionais perdeu algum sentido. Sim, a fome por liberdade e voz é incomensurável.

Mas, sem dúvida nenhuma, a responsabilidade é no mínimo compartilhada. Muito pouco ou quase nada se fez nos jornais, nas revistas e na TV – o rádio é um caso à parte – para entender o novo contexto do consumidor de notícias, particularmente o jovem.

As incorporações “participativas” do jornalismo cidadão nos veículos tradicionais são um truque muito meia-boca para dar conta do recado de reconquistar, seduzir e fidelizar o jovem. Sempre soa como um arremedo que não parece funcionar em plataformas nascidas para serem broadcast.

Por outro lado, os esforços de reforma editorial tampouco parecem ser fundamentados ou inspirados para atrair nossos leitores/espectadores do futuro. Parecem maquiagem porque pouco se ousa em nome daqueles que ainda não aposentaram seus hábitos. Quem assumiria o risco de enfrentar o vovô, enfurecido cada vez que seu jornal muda uma coluna de posição?

Por isso, talvez seja mais inteligente e rápido criar produtos paralelos, mais ousados, para aprender e experimentar o diálogo com essa galera que acha que jornalismo é coisa de paizão querendo saber o que está acontecendo com o mundo, com a rua, com o jovem.