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Propaganda: emocionar para pensar o mínimo possível

Fascinante o artigo final de José Porto sobre o último PicNic no Meio & Mensagem de 21/09/2012. Vale a leitura. Uma lufada otimista, entusiasta e simples: “Open Data, Open Government, Open Brands, Open Design, Open Source, Open everything!” Todos os pensamentos modernos convergem para o fim da exploração das pessoas – colaboradores e consumidores – baseada no misticismo das fórmulas de acumulação de riqueza.

Mas…

O capitalismo (primitivo), as corporações (primitivas), as marcas (primitivas), os departamentos de marketing (primitivos) ainda protegem seu presumido conhecimento, através de patentes, fórmulas, informações de mercado, metodologias, lavagens cerebrais, chantagens obscuras com colaboradores e toda sorte de perniciosos meandros legais, lobbies e outras caixinhas de malvadezas. A política (primitiva), idem.

Em tempos de propaganda eleitoral no Brasil, é impossível não traçar um paralelo desesperador entre as técnicas de conquista de voto e as de conquista da lealdade dos consumidores. É impossível não perceber que muito conhecemos essas técnicas, que as aplicamos sem dor todos os dias, sem sequer levantar sobrancelhas de incômodo ético. O pacto publicitário é de passividade infantil: “até tentei dizer para o cliente que filtrar a crítica, moderar a opinião, ocultar a informação, direcionar a resposta e levantar cortinas de fumaça era um risco, mas ele não quer nem saber”.

É a crença no ocultismo de curto prazo que consiste em mascarar soluções duráveis ou definitivas com pequenas artimanhas criativas. Bananas aos macacos – os consumidores – para disfarçar uma bomba relógio.

É a velha técnica do marketing político em ação no marketing comercial: investir na emoção para conquistar pessoas – eleitores e consumidores – é extirpar a razão da escolha. Pessoas apaixonadas não pensam: o voto é uma questão de fé e o consumo, uma questão de impulso. Quem não pensa, se deixa levar.

A, B ou C: gente ou contingente?

Numa recente exposição de arte, um homem e seu filho, trajando camisetas de um time de futebol e visivelmente pouco à vontade com o ambiente, foram abordados por um jornalista.

– O Senhor está gostando da exposição?
– Muito.
– O Senhor costuma frequentar esse tipo de lugar?
– É a primeira vez. Mas gosto muito.
– Pretende voltar?
– Claro.

E apontando o filho com orgulho e autoridade:

– Estou investindo nele.

Da comida para a cultura, da casa própria para a educação, da saúde para a informação, a fome do brasileiro mudou.

Com indiferença estatística e frieza matemática, chamam-nos de emergentes ou dão lhes siglas. Herança de um tempo em que populações eram contingentes, pessoas eram consumidores e só interessavam números superlativos. Minorias ou indivíduos não participavam da cidadania nem do mercado.

Naquele tempo, pessoas que votavam em massa acéfala e que compravam por impulso idem, eram uma estatística, um número. Número vultuoso mas impermeável ao desejo de compreensão.

Isso era ontem e ainda permanece, hoje, em muitas pesquisas eleitorais ou mercadológica.

É chegado o tempo de cessar, aposentar, esquecer esse tipo de classificação. Parar de ver votos e bolsos ao invés de pessoas.

É chegado o tempo de construir outro tipo de lógica, trans-social, trans-financeira. Podemos – e devemos – organizar nossos alvos (outra palavra odiosa) em função de seus valores e aspirações.

Se o Senhor da exposição da Tarsila do Amaral for analisado pelo bolso ou voto, sabemos que pertence a uma massa de X% da população brasileira.

De que nos serve esse número além de reforçar um preconceito insidioso?

Não seria mais inteligente e útil saber, todas os bolsos e votos confundidos, quantos brasileiros têm os mesmos gostos, os mesmos sonhos, as mesmas fomes?

“Agradeço aos eleitores na rua e no Twitter”

Em democracias mais maduras, os órgãos de imprensa costumam declarar suas opções políticas e eleitorais. Na França, um dos maiores jornais do país, o Libération, se anuncia “anti-Sarkozy” convicto.

No Brasil, boa parte da mídia abriga-se sob o manto de uma confortável e aparente neutralidade. Portanto, se Obama pode eventualmente agradecer o inequívoco apoio do New York Times à sua campanha, o mesmo não poderia José Serra fazer à Veja.

O sonho hegemônico dos principais veículos de imprensa no país justifica essa neutralidade de opereta que transborda um falso apartidarismo.

Justifica em parte também a propaganda eleitoral gratuita, porque, por trás da máscara (furada) da neutralidade, os órgãos de imprensa fazem perniciosas campanhas. A neutralidade presumida é um poderoso argumento de convencimento. Era.

O candidato derrotado à eleição para presidente, em seu discurso logo após o resultado da apuração, agradeceu  aos seus eleitores “nas ruas e no Twitter”.

Singela delicadeza, já que seguidores são eleitores potenciais e ele também poderia ter agradecido aos leitores da Veja – que devem ser os mesmos, inclusive.

Mas mídias sociais são diferentes porque o conteúdo editorial é necessariamente “partidário”, portanto, honesto. Sem essa de fingir neutralidade.

Embora não se possa calcular ainda a importância da Internet nessas últimas eleições, já se pode perceber que a maior parte da imprensa brasileira “tradicional” teve muito pouca.

A imprensa tradicional brasileira está perdendo capacidade de mobilização também por falta de transparência?

A Televisão é melhor que a Internet para esta democracia que temos

É tempo de eleição, e já já vamos começar a enfrentar aquele bombardeio de propostas, farpas e programas de humor. Todos são unânimes em dizer que é o ano da Internet na campanha política, seja lá o que isso quer dizer (ainda tem candidatos chamando o eleitor na Internet de internauta!).

Mas o que tem essa plataforma a oferecer aos candidatos?

Nada. Nada a não ser mais uma mídia que, por definição, exige a participação ativa das pessoas para acontecer.

Em outras palavras, se não estivermos minimamente interessados em saber o paradeiro dos candidatos, seus projetos, promessas, carismas e mentiras numéricas, é muito pouco provável que os talvez setenta milhões de votantes brasileiros estejam sensíveis às invectivas eleitorais e eleitoreiras.

Porque a Internet é muito ineficiente para o convencimento massacrante, à base de lavagem cerebral repetitiva, a televisão continua sendo o grande e ensurdecedor megafone.

A Internet é a praia da busca, racional e deliberada. E como tal, ela não vai arregimentar legiões de ovelhas carentes por disciplina e ordem, como se presume.

Mas talvez os candidatos pudessem oferecer algo aos eleitores. Essa é a questão, a única, angular, a ser feita.

A Internet se fez e se faz a partir da participação voluntária das pessoas. É assim que ela se sucede. E o corolário dessa constatação anuncia a performance: os meios online exigem vontade de sufrágio. Vontade de ouvir e agir em consequência.

Mas qual dos candidatos está preparado para atender aos votos, no sentido etimológico da palavra (desejos, aspirações), dos eleitores, após ser eleito e até o pleito?

Não é isso o que se vê por aí. O que se vê é o uso da Internet para reafirmar um sistema de poder cansado, baseado em um discurso broadcast, de poucos pouquíssimos, para muitos muitíssimos. Nada de novo.

A Internet não é uma democracia de polichinelo.