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Retro-briefing por que não?

Quem fabricou a primeira roda, quem inventou o amor? A nossa filiação ao método científico e todo o conhecimento enlatado que recebemos diria que o primeiro estava com uma grande dificuldade para levar uma carga de um lugar ao outro, o segundo sentia-se só.

A necessidade é mãe do tino que por sua vez é pai da ideia.

Mas e se tivesse sido diferente.

O sujeito apaixonado, triste, olhava para o horizonte. Nenhuma esperança de vencer a timidez quando do fundo da planície, uma nuvem de poeira levantou-se. Distraído de sua dor, observava curioso os novelos de gravetos que corriam pelo solo seco da savana. O amante inconsolado descobriu a roda.

Você pensa, pesquisa, demonstra e edifica um extraordinário raciocínio para responder a um grave problema. E de repente, em meio a tanta certeza, você escorrega por um atalho, se deixa seduzir. E de repente, você escorrega e cai de boca numa bizarrice que faz sorrir inexplicavelmente. E de repente, alguém vem com uma maluquice que dá um alívio incontinente. É um repente aleatório, quase gratuito.

O que acontece quando você pensou meses e o resultado soa acidental?

Resistir é normal. Triste é não perceber quando a boa ideia, apesar de vir rodopiando do fundo da planície seca, é uma boa ideia.

 

Tanta ideia boa e tanto aborto por aí

Se de boas intenções o inferno está cheio, de boas ideias o mundo está de saco cheio e nem por isso está melhor.

Ideias pululam, se multiplicam, se atropelam porque são muito frágeis.

A esmagadora maioria das ideias que brotam aos borbotões até das fontes mais improváveis, morre por incapacidade de expressão, paixão ou realização. É por isso que tem tanto aborto por aí.

Primeiro é preciso saber expressar a ideia. E é aqui que entra a linguagem, a técnica e o suor. Talentoso não é aquele que tem ideia – isso não vale muito – mas aquele que consegue dar-lhe forma, simbólica. Publicitariamente falando, é fácil parir uma big-idea, cabe numa frase tosca, geralmente mal escrita, seguida do aviso “olha, não estamos criando, viu? É só um ponto de partida. É pra inspirar!”. O enrosco vem quando tenta-se dar cara e sex-appeal para isso sem cair na banalidade do power-point “inspirador”.

Segundo tem que saber convencer. É aqui que entra o sangue nos olhos, a segurança e uma certa dose de malandragem, mais conhecida como maturidade. Publicitariamente falando, uma big-idea com um lindo estímulo não passa nem na primeira reunião com o último dos aprovadores da escala hierárquica. Difícil é saber driblar a preguiça, a falta de tesão, o bônus incerto, os testes atrofiantes, o cronograma, a vaidade, a dor de barriga, o mau humor e outras espinhas.

Terceiro é bom saber se dá para fazer. E se o fazer não vai destruir a ideia, vulgarizar a expressão e corromper a paixão. Por algum desvio evolutivo, convencionou-se separar a “criação” da “realização”. Tem o cara da torre de marfim e o outro no chão da fábrica. Publicitariamente falando inclusive. Realizar significa não somente respeitar a expressão, mas também o bolso, o tempo e principalmente os objetivos do briefing. Os festivais curam as frustrações mas não enchem a barriga.

As agências de propaganda foram, estranhamente, constituídas a partir dessas três funções distintas. Tem o cara da ideia, o da expressão e o da realização. As atribuições variam, mas sempre cada macaco em seu galho. Por exemplo: se a ideia é do atendimento, ninguém mete a mão na cumbuca. Se a expressão é da criação, não me toques. Se o convencimento é do planejamento, não enche meu saco. E se a realização é da mídia, money talks. É por isso que tem tanto aborto por aí.

Big Idea: muito big e pouco idea

Fomos disciplinados que a ideia é origem de onde nascem e explodem todas as iniciativas de comunicação de uma marca. Como Lancelot, perseguimos com o coração puro e convicção inamovível, o graal fundador, a big idea.

É muito comum no entanto perseguir-se uma big with idea ao invés de simplesmente uma idea. Superlativar uma idéia é um pleonasmo, a menos que o significado de big seja algo como caro ou barulhento. Assim – e muitas vezes – o que é big tem mais importância do que é idea. Uma celebridade loira, um jogador de futebol, um gordo que anda de avião, um cantor supersticioso ou outro socio-fóbico, desde que seja muito difícil de conseguir e custe os olhos da cara, é uma big idea.

Quem cunhou o termo pela primeira vez, pode ter tido uma intenção diferente, talvez ele tenha simplesmente pensando em diferenciar essas ideias daqueles suspiros originais tão comuns, daqueles gadgets criativos que costuma-se perseguir na falta que faz uma certa liberdade necessária para quebrar regras. Pois se estamos tolhidos por pesquisas e opiniões precoces, resta-nos procurar as centelhas microscópicas. Mas a big idea enquadrou-se, aviltou-se, e virou simplesmente uma ideia que se encaixa nos cabrestos conservadores com voz portentosa. E por que tem que se moldar às mediocridades hierarquizadas, perde seu pedigree de ideia.

Uma ideia antes de ser grande ou pequena, tem que ser boa. E para que seja boa, ela tem que ser nova, pertinente  e surpreendente. Só isso e não é pouco.

Mas a brisa megalonanica sopra.

Big ideia é big por quê?

“Lemos seu post de ontem em seu blog. Acreditamos que uma ideia ali delineada pode se consolidar em um negócio realmente big. Somos um grupo de investidores interessado em mapear e incubar iniciativas de negócios online. Caso tenha interesse, favor entrar em contato com fulano de tal blá-blá-blá-blá-blá.”

O post foi mesmo um sucesso. Foi tanto que a ficha caiu quando recebi o e-mail do tal grupo de investidores: deve ter muita gente patenteando o que era para ser, apenas, um ensaio irônico-malicioso.

É até possível que alguém fique rico com minhas tímidas ideias, vomitadas sem censura, sem preocupação de viabilidade e pelo simples prazer de distribuir indiretas a torto e à direita.

Mas de que valem as ideias? As big?

Esta semana acontece uma feira de empreendedores em São Paulo. Centenas de ideias big, bad e esdrúxulas se atropelam em algum pavilhão lotado de “investidores interessados”. Centenas, milhares de ideias se apertam nas gavetas de milhares de cientistas, técnicos, aposentados e publicitários. Deve ter mais ideia vagando no espaço do que realizações humanas. Mais ideia perdida na blogosfera do que livro na biblioteca do congresso americano. Deve ter tanta ideia big nos lixões, nos arquivos, nas memórias frustradas, que a oferta abundante deprecia seu valor de forma infinitesimal.

“Prezados investidores interessados,

A ideia que vocês consideraram big no meu artigo é de vocês. Façam dela o que quiserem.

Só peço um único pagamento: avisem-me se ela for realizada. Pode ser por vaidade – admito e agradeço-lhes por terem me despertado tão nobre sentimento – mas meu interesse é nutrir um certo mau humor inconformado.

Não me parece adequado julgar uma ideia em função de sua capacidade de gerar “big negócios”. Tampouco me parece que o valor de um criador está na big ideia que ele um dia, num desatino inspirado, resolveu realizar.

O valor de uma big ideia só se mede pela sua aplicabilidade. O valor de um criador só se mede pela capacidade de gerar novas e incessantes outras big ideias.”

Coitada da idéia mal apresentada

Não se nasce Kayapó ou Bororo.

Perguntaram a um índio, portador de avantajado alargador labial, se venderia o artefato. O índio respondeu: ” te dou o botoque e você me dá a sua orelha”.

Um japonês, um pigmeu ou um albino pode tornar-se tão Kayapó quanto o Raoni.  Basta agir como um Kayapó para ser aceito como tal.

O “savoir vivre” dos nossos índios ultrapassa muitas vezes nossa capacidade de entendimento.

Os Kayapós organizam-se em grandes aldeias nas quais os homens pertencem a associações independentes, com seus próprios chefes. Mas chefe entre os Kayapós não manda em ninguém. É só aquele que recebeu, por doação de tios ou avôs maternos, alguns privilégios ritualísticos.

Além disso, para legitimar a liderança da associação – da qual pertencem todos aquele que possuem um dos privilégios (uma pessoa pode ter até uma dezena de privilégios, compondo assim uma enorme combinação de possibilidades) – o homem deve possuir uma qualidade essencial à vida social Kayapó: a oratória.

Ainda criança, o pequeno índio recebe um alargador de lábios e tem as orelhas furadas. Os botoques e pesados brincos simbolizam uma espécie de amplificação simbólica dos dois sentidos mais nobres: a fala e audição (a visão é meramente funcional e “ver demais” é qualidade depreciada).

Quando há desavenças na aldeia – quando um índio ousou portar um cocar de cores não compatíveis à sua classe de privilégios ou simplesmente se um garoto chavecou uma garota casada – as questões serão resolvidas em embates de oratória entre os oponentes. Os chefes das respectivas associações tomarão a palavra e defenderão seus pontos de vista, na casa dos homens, até entendimento final entre as partes.

Entre os Kayapós, tudo se resolve no gogó. Privilégios (de qualquer natureza) não dão poder. Só o gogó. E o gogó se aprende, se desenvolve, se afia.

A gente vem subestimando demais a importância da oratória.

Capacidade de apresentação não é um detalhe de convencimento.

É com paixão e convicção, inteligência e articulação, simplicidade e humildade que se expressa e vende uma idéia.

O resto é natimorto.