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Ipad não serve pra ler, só pra ver e lamber

No Brasil, as pessoas passam mais tempo na TV do que jogando videogame. Entre o game e a Internet deve ter empate técnico, mas certamente mais tempo na Internet do que fazendo amor, conversando com os filhos ou lendo um livro ou um jornal.

A gente queima as pestanas para achar os culpados. E claro, o maldito preferido é o governo, que não dá educação. Ou o presidente que é ignorante, mas já houveram outros tão incrivelmente educados, de fino trato, e coisa e tal. Ou então os portugueses, esses degenerados.  Ou a elite que não quer gente estudada para questionar o sistema de classe. Ou os pobres coitados que são uma mistura infeliz de raças preguiçosas.

Balzac passava páginas e páginas descrevendo a aparência física de uma pessoa. E, através dessas longas e precisas linhas, ele também revelava sua personalidade, sua alma, seu destino. Balzac e Swift ganhavam por linha escrita nos jornais em que publicavam seus livros.

O fato é que ninguém quer saber de ler coisa nenhuma. Para piorar, vem essa Internet que organiza ou desorganiza o conhecimento em fragmentos esparsos, sem garantia de origem, nem direitos, nem censura. E se perguntarem para 10 pessoas que desejam ardentemente o que pretendem fazer com seus iPads, nove vão responder que é para ver vídeos, ouvir música, ver fotos e papear nas redes sociais. Quem disse que o iPad vai substituir o livro ou o jornal está redondamente enganado.

O livro ou o jornal não vão ser substituídos, serão banidos de nossa existência, apesar da modernização dos suportes.

E diante desse cenário em que a cultura da imagem, do movimento, da síntese ou da imersão protolisérgica das narrativas venceram a contemplação, as descrições e o culto do estilo, não adianta sentir saudades.

A culpa está em nós. Não é o governo que não dá escola. Somos nós que não vemos mais tanto interesse em ter filhos aprendendo tabuada.

Não é o presidente que é ignorante, somos nós que lemos menos de um livro por ano e nos informamos aos frangalhos no google, no orkut ou no twitter.

O Mundo não está perdido

Semana passada, selou-se um memorável acordo: a troca de participação do mais tradicional jornal da França, “Le monde”, mais que uma empresa jornalística, uma instituição nacional.

Por mais de 100 milhões de Euros, três investidores assumem o desafio de salvar o jornal: Pierre Bergé, Xavier Niel e Matthieu Pigasse.

O que tem de surpreendente essa nova investida para enfrentar os tempos bicudos que assolam os jornais de todo mundo há vários anos? O que tem de arrojado o compromisso que derrotou a poderosa oferta do Nouvel Observateur (uma espécie de Veja no conteúdo e na ideologia), do Grupo Prisa (uma espécie de Abril nos tenáculares poderes) e da France Telecom (uma espécie de estatal privada)? O que tem de irônica essa vitória que tanto desagradou ao presidente Sarkozy, com seu apetite pela cobertura midiática e que enfrenta os piores indices de popularidade já registrados por um presidente francês?

Acima de tudo, a biografia dos novos donos da casa.

Por detrás das manchetes “people” que estampam Pierre Bergé como companheiro por décadas de Yves Saint Laurent, há também o formidável empresário que construiu a marca YSL, o homem de grandes causas como a Sidaction, a bem sucedida campanha de arrecadação de fundos para a luta contra a Aids na França, o amigo dos socialistas poderosos, o idealizador e proprietário de “Tétu”, a revista GLS mais influente do país. Bergé também é um homem com um gosto apurado pela cultura e manifestações artísticas.

Xaviel Niel é o mago da Internet que dá dinheiro. Proprietário da Free, o maior provedor de acesso à Internet na França, Niel começou sua carreira criando os endereços de encontros eróticos no Minitel (o avô francês da Internet commercial). É também um feroz e contundente defensor da liberdade na Internet, opondo-se do alto de sua imagem de “enfant terrible” do empresariado francês e 12o homem mais rico do país, à todas as tentativas de coibir, legislar ou regulamentar o acesso (como a lei Hadopi, um projeto anti-diluviano que restringe e pune os infratores do direito autoral on-line).

Matthieu Pigasse foi o mais jovem talento a assumir a direção geral do banco de investimentos franco-americano Lazard Frère, aos 34 anos. É um empresário que curte Beckett e recita Spinoza, além de ser fino conhecedor do Rock. No ano passado, adquiriu a revista Inrockuptible, um sucesso de vendas há anos na França, e talvez a mais importante publicação independente de cultura jovem do País.

O Le Monde vendeu no ano passado, em media 288 mil exemplares (dos quais 130 mil assinantes) por dia, ou seja uma repetição paulatina das quedas de tiragem dos anos anteriores: – 4%.  O grupo emprega mais de mil pessoas, dentre os quais 280 jornalistas só para o jornal.  Além do jornal, a empresa possui revistas (Télérama, La Vie, Courrier International e Monde diplomatique) e uma plataforma na Internet (lemonde.fr e lepost.fr). Apesar da diversificação e dos investimentos continuados em meios digitais de fazer inveja a qualquer periódico brasileiro, Le Monde acumulou um prejuizo de 25 milhões de Euros só em 2009.

É evidente ainda que o contrato de controle acionário prevê total e absoluta independência editorial à redação. Os novos donos do jornal não podem, por contrato, ter qualquer ingerência no conteúdo dos veículos, sendo esse integralmente controlado por um conselho editorial de jornalistas. Ainda que essa ética nos pareça ficção, principalmente no nosso país em que os principais jornais são de propriedade majoritária de famílias que nem sempre são fãs da deontologia e transparência, esse tipo de estrutura é comum no mundo, digamos, tarimbado de civilização.

Ainda que não se possa prever com exatidão quais serão os movimentos de mudança pelos quais o Le Monde irá inevitavelmente passar, é de admirar-se e encher-se de esperança com a guinada modernizadora ancorada pela biografia dos novos donos do jornal.

É de um novo protagonismo que a mídia carece, aqui como lá. De ar fresco, sangue nos olhos, menos pretensão e mais ousadia. Caso contrário, a condenação, ainda que não venha por mecanismos mercadológicos e econômicos, virá por atentados democráticos e culturais irreversíveis. Ainda que não percamos nossos respeitáveis jornais, perderemos as novas gerações.

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 11/07/2010

O jovem divorciou-se do jornalismo?

Outro dia, num evento lotado de gente bacana, jovens na maioria:

– Tem muita reportagem de televisão aqui, né?
– Pode crer. É para meus pais essa parada.

Era assim que os dois analisavam a cobertura jornalística do acontecimento, referindo-se em particular à equipe do CQC presente para seus rompantes.

Não existia possibilidade de ir para a escola e depois para a faculdade sem ter lido o jornal, de preferência a Folha, e obrigatoriamente a Ilustrada, que muitas vezes carregávamos dentro do caderno. Ler jornal era uma questão de sobrevivência social. E também era importante ver o Jornal Nacional e ler a pré-degringolada da Veja.

Responsabilizar a Internet pelo desinteresse da molecada pelo jornalismo tradicional, broadcast, encurta demais o raciocínio. Sim, a função hard-news desempenhada pelos veículos tradicionais perdeu algum sentido. Sim, a fome por liberdade e voz é incomensurável.

Mas, sem dúvida nenhuma, a responsabilidade é no mínimo compartilhada. Muito pouco ou quase nada se fez nos jornais, nas revistas e na TV – o rádio é um caso à parte – para entender o novo contexto do consumidor de notícias, particularmente o jovem.

As incorporações “participativas” do jornalismo cidadão nos veículos tradicionais são um truque muito meia-boca para dar conta do recado de reconquistar, seduzir e fidelizar o jovem. Sempre soa como um arremedo que não parece funcionar em plataformas nascidas para serem broadcast.

Por outro lado, os esforços de reforma editorial tampouco parecem ser fundamentados ou inspirados para atrair nossos leitores/espectadores do futuro. Parecem maquiagem porque pouco se ousa em nome daqueles que ainda não aposentaram seus hábitos. Quem assumiria o risco de enfrentar o vovô, enfurecido cada vez que seu jornal muda uma coluna de posição?

Por isso, talvez seja mais inteligente e rápido criar produtos paralelos, mais ousados, para aprender e experimentar o diálogo com essa galera que acha que jornalismo é coisa de paizão querendo saber o que está acontecendo com o mundo, com a rua, com o jovem.

Você vai sentir falta do papel jornal?

Há mais de uma geração, quase da noite para o dia – porque é assim que as grandes cagadas cagam-se – os jornais liberaram seu conteúdo de graça na Internet. E quando a merda é grande, a gente manda pra análise.

Nem precisamos falar dos coitados que nem liberar, liberaram: morreram constipados.

A maioria dos outros abriu o acesso em vários graus. Alguns acreditam que foi por entusiasmo, outros por desespero, mas talvez tenha sido só fruto da fleumática e pernóstica superioridade dos jornalistas: “isso aí não é nada não, são só as alucinações de um bando de fanáticos que passa a vida atrás de um computador”.

Num propagandeado ato de generosidade contemporânea, os jornais investiram a fundo perdido. E quando fizeram conta, sacaram que só a propaganda não pagaria. Porque a propaganda não salva, é uma Messalina aproveitadora.

E está essa zona aí: os vovôs aposentados, que pegam o jornal de pijama todos os dias, pagam a fatura dos milhões de vagabundos, Internet afora.

Como é que a gente faz agora? Porque vovô quer o jornal de cabo a rabo, do obituário às tiras, dos editoriais às fofocas, por tudo isso ele paga.

Já os vagabundos da Internet só sabem borboletear, pulam “daqui, dali, pelo vento em atropelo, seguido, vão de porta em porta, como a folha morta.”

Não, os vagabundos que já aprenderam a catar as coisas na faixa, não, eles não vão querer pagar por 99% de conteúdos que eles não querem.

E assim os jornais estão morrendo com seus últimos clientes. Talvez também porque lhes falte coragem para franquear o jornal pros assinantes de papel e cobrar o conteúdo fragmentadamente na Internet.

Já ouviu falar no Busk?

Muitos de nós abandonaram o hábito de abençoar o dia com a leitura de um jornal. Ele era uma espécie de despertar da consciência. Ler o jornal de manhã era uma corrente de conexão com o mundo. Mas para além dessa elaborada razão, o ritual era a inconsciente motivação, uma âncora que conforta a nossa dramática condição de merdinhas soltas no espaço.

Mas a gente resolveu achar que existiam maneiras mais rápidas, baratas e livres de interligar as baterias, de se informar e informar. Operamos a transferência do comando que nos pareceu justa e merecida. Não é mais um mundo peneirado, filtrado, manipulado às vezes, que me encontra na soleira da porta. Eu vou ao mundo se, quando, para o que e na plataforma que quero.

A gente resolveu desistir do ritual religioso – coisa de gente fraca! Mas toda renúncia tem um preço: onde diabo estão as coisas?

Search nelas!

Livramo-nos da dominação que se esconde por detrás de todo curador/editor e entregamo-nos alegremente na boca do caos mecânico, a mercê das ferramentas de busca na Internet.

Somos seus fervorosos devotos.

Vocês já conhecem o Busk?

Um agregador/search de notícias com funcionalidade intuitiva, simplicidade refrescante e lindo (a menos que a gente ainda ache bacana o design monástico do Google).

Um beta a quem entrego, com carinho, meu novo ritual diário.

A liberdade é o antônimo da devoção. Busk neles!