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Os da camiseta preta

Talvez o mundo esteja ficando menos inocente ou o dilúvio de informações e a instantaneidade do acesso a elas ocupou o lugar da fantasia e da intuição; quem sabe também, os consumidores tenham menos paciência com as manipulações publicitárias; ou a indústria da propaganda acreditou demais no seu poder, olhou demais para o próprio umbigo e colecionou medalhas ao invés de propósito, mas porque a propaganda está tão básica e covarde?

Ironizamos os professores que ensinam porque não sabem fazer, reclamamos dos intelectuais sem calo na mão ou dos políticos que usam a retórica para justificar a representatividade, criticamos os técnicos de futebol e também o pessoal do marketing que exige e cobra mas é ruim de bola.

Mas nunca nos perguntamos porque o produto final do trabalho está tão repetitivo e se não teria alguma responsabilidade a assumir.

A culpa é dos camiseta preta.

Que transformaram suas recomendações estratégicas em dogmas esotéricos que cumprem muito bem a função de dar um álibi intelectual ao trabalho maçante de vender pasta de dente mas muito pouco a servir de insumo criativo.

Que acreditaram numa visão entrópica do trabalho de posicionamento de uma marca, justificando a mensagem pela mensagem ao invés de encaminhar um problema de negócio.

Que mistificaram tanto sua pretensa superioridade intelectual que, em tempos de crise e da ditadura da performance, provocaram uma onda reacionária mas segura das mensagens, mais pragmática e sem graça.

No front, estrategistas são bucha de canhão.

Propaganda em lata

Com os ideais planando no espaço sideral, muitos publicitários sonham com a reinvenção da forma de pensar a comunicação. Com boa vontade que transborda de energia, querem – queremos – chacoalhar as estruturas, sacodir a poeira de práticas viciadas e cansadas. As hipóteses são formuladas com lucidez e sensibilidade e as soluções e modelos são flexíveis, artesanais, caprichados. Constroem-se catedrais, tinindo de novo e muitos sucumbem ao charme de sorrisos sinceros.

E porque a caretice domina o mercado (publicitário e de marketing), dá gosto de ver.

Mas se inocência não for condição para o idealismo, a esperteza consciente evita muitas frustrações.

Fazer comunicação para uma marca tem uma parte moderada de invenção, uma dose razoável sob medida e grandes sortimentos de enlatado.

Em outras palavras, a propaganda exige – 1. fazer algo um pouco novo – 2. que esse algo um pouco novo esteja dentro do briefing da marca – 3. que se tire da gaveta um caminhão de recursos pré-fabricados.

E sabem onde é que se ganha dinheiro, na propaganda?

Qualquer MBA mediano sabe que o lucro vem da escala. É a primeira lição do capitalismo para cabaços: o enlatado, o pré-fabricado, o modelinho, a matriz conceitual e todas as pesquisas quantitativas, os ferramentais de mídia, os relatórios passe-partout, tudo aquilo que você pode usar (e acochambrar) para qualquer cliente, são a mina de ouro. E isso vale até para as análises, os discursos coringas, os salamaleques de circunstância. Vale também para muito do que chamam de criação mas que no fundo não passa de um infindável requentar de ideias. Quantas vezes o Luciano Huck, O Faustão não gritaram as mesmas imbecilidades nas suas vidas, seguindo roteiros publicitários “criados” e portanto cobrados?

Sim, na propaganda assim como nos clientes, para ter sucesso, precisa vender enlatado com cara de feito em casa.

Pesquisa não ajuda mais a planejar

Não existe boa estratégia sem boa investigação. Mas se a pesquisa é muleta e escudo, ela nunca será um cão guia. Nem nunca foi.

Mas ainda caímos em duas cascas de banana.

A primeira é a crença de que pesquisas podem antecipar o futuro baseando-se em tendências e puxando o pontilhado ao sabor da ambição, da fé ou do bônus. Uma olhadinha no público atual e pronto, desenhamos a estratégia para atingi-lo. Agradar quem já agradamos é correr atrás do rabo. E a conclusão mais básica sempre será aumentar os esforços e os investimentos. Infelizmente a maioria das estratégias de mídia ainda escorregam aqui. Poderíamos dizer que é conservadorismo mas essa atitude não leva em consideração mudanças exógenas de cenário.

A segunda é quando queremos antecipar a resposta a um estímulo publicitário através de testes de comunicação. Não se trata de negar o teste de desastre. Esse tipo de teste valem tanto quanto vale ler e reler um texto várias vezes antes de publicá-lo. A gente sempre acha um errinho para corrigir. Mas concluir que uma mensagem será capaz de atingir um objetivo é crer no imobilismo do mercado e no atavismo dos consumidores.

Em síntese esses dois tipos de pesquisa, na melhor das hipóteses, confirmam o ponto de partida.

Mas vivemos em um mundo em permanente mutação onde a velocidade das transformações extrapolou em muito a nossa heterodoxia. Os consumidores não obedecem mais a padrões de comportamento previsíveis. Eles sequer podem ser mais tipificados de maneira segura. Seus valores são voláteis. Seus desejos mudam ao sabor dos estímulos de antigamente – as mídias – mas também ao sabor de um post numa rede social. O mercado também ficou intricado e acelerado. Uma marca não consegue mais definir com clareza quem são seus concorrentes e muito menos quem serão eles amanhã. Porque eles podem surgir do mais improvável. Produtos com a mesma utilidade não concorrem mais entre si apenas. São as marcas que concorrem e não importam que produto elas representam. E o tempo, o tempo é o nó górdio a ser desatado todos os dias, a todo momento.

Vivemos em um mundo em que não dá mais para esperar e o tempo de planejar, avaliar, testar, escorre numa ampulheta de desafios e cobranças. O que ontem parecia prudente tornou-se arriscado. Talvez seja arriscado não pular do trem antes da estação, porque ele talvez não pare onde deveria. Arriscado demais desenhar um plano de voo em cima de pesquisa.

É o tempo da experimentação, da mudança de rota no ar. Isso não significa falta de precaução ou perícia. Ao contrário. Significa que o futuro está se desenhando à nossa frente, na vida prática, na rua e não num relatório de pesquisa. Já temos inúmeras ferramentas para fazer isso com um mínimo de assertividade porque as reações também – dos consumidores e do mercado – podem ser mensuradas rapidamente. Se os cenários estão em metamorfose permanente, temos que “planejar” (entre aspas, é claro, porque a palavra em si perde toda conexão com seu significado clássico) on the go. Planejar não é mais recomendação, é prática. Planejar não é mais escrever na pedra, é desenhar na areia. Não é posicionar, é mudar. Planejar não é mais saber, é intuir.

Nome na porta e pé na cova

Era um dia normal: atendimentos descabelando-se, criativos choramingando, planejadores arrotando e mídias atolados.

Caiu como uma bomba: Jailson estava de saída, recebera uma proposta nababesca. Há anos segurava o pulso do cliente, sobrevivera às trocas, às dissecações, aos esquartejamentos, a todas as crises e todas as vitórias, fugazes como todas.

Jaílson, Fênix, esteio, panteão da sabedoria, colecionador de piadas, intérprete das fofocas e léxico das intricadas relações interpessoais, passadas, presentes e projetivas que mantinham a conta na casa.

Jaílson, imiscuído nas intimidades de tal e qual funcionária chave, fizera malabares com as informações de toucador, e ainda alimentava paixões desassossegadas entre os altos escalões.

Jaílson ia-se cacarejar alhures, carregando consigo rugas políticas e uma extensa rede de favores à espera de compensação proveitosa.

Jaílson desertara. Jaílson, o criativo de todas as mágicas, o atendimento de todos as gingas, o planejador de todas as parábolas, o mídia de tantos Xis da questão.

Teríamos chororô, caça às bruxas, jogos de guerra, forças tarefas, almoços, jantares, planos mirabolantes para recuperar a estima do cliente e a autoestima dos encostados.

E se a conta entra em concorrência? E se contratarmos o fulano, o sicrano, o beltrano? Precisamos de um nome, um sobrenome, um pedigree de alta patente. Outro Bulldozer tarimbado. Uma tête d’affiche.

O tempo passou. A lembrança de Jaílson dissipou-se e não aconteceu absolutamente nada. Nem de bom, nem de ruim.

Não tem nada mais antigo do que cowboy que dá 100 tiros de uma vez. Não tem nada mais antigo do que agências com o sobrenome na porta.

Jaílson jazem.

Planejamento, o sonho do possível

Se o Planejamento nasceu de necessidades ou ambições associadas a evoluções do mercado de comunicação, e se idealistas criaram necessários dogmas e métodos, a especialidade continua indefinida, maleável apesar de convicta, sensorial apesar de exata. E talvez resida precisamente nesses paradoxos a pedra angular que faz do Planejamento uma sustentação do negócio de comunicação hoje e amanhã.

A disciplina polariza-se entre duas visões, aparentemente antagônicas mas muitas vezes concomitantes: a primeira atribui importância prima na quantificação das observações, a segunda dá maior relevância à intuição. Mas a evolução do negócio de comunicação que apartou as duas entregas clássicas – ideía (Criação) nas agências “tradicionais” e execução (Mídia) nas de “mídia” – forçou o Planejamento a assumir um papel que o distanciou da realidade e prática da comunicação.

Foi assim nos principais mercados do mundo, mas não é assim nos periféricos. A reflexão sobre o mercado no Brasil oferece uma possível alternativa para enfrentar os desafios presentes do Planejamento e por conseguinte, do negócio de comunicação.

A gênese do Planejamento

Se primeiro veem os fatos, se uma marca deve cerca-se de certezas para elaborar, prever, ambicionar seu futuro, ou se antes deve vir o ideário, se uma marca deve defender uma Missão e perseguir uma Visão, são duas questões que dividem opiniões e críticas.

Para alguns, a ciência se constrói sobre certezas observadas. Mas desde o dia em que constatou-se que a própria observação alterava o objeto observado – como em qualquer pesquisa, por mais discreta, bem moderada e analisada que seja – todo fato coletado passou a vir acompanhado de ressalvas que condicionavam as conclusões à condições de laboratório, portanto de duvidosa extrapolação para a realidade.

No entanto a vivência comprova que a ortodoxia pseudocientífica pode desembocar em estratégias de comunicação conservadoras, covardes ou que não conseguem tirar as marcas de um crescimento vegetativo. E como é fácil identificar, nas mais simples peças publicitárias, esse pensamento cartesiano ou quando muito genérico, incapaz de arrepiar o mais sensível dos consumidores!

Para outros, no entanto, certezas só podem ser obtidas a partir de uma intenção, de hipóteses inspiradas de musas criativas. A partir desse salvo conduto corajoso, é que a observação passa a corroborar o mistério da iluminação preliminar.

Mas essa espécie de criação antes da Criação, pouco técnica mas não menos intelectualizada, castiga uma Criação com referências elevadas, tendências mirabolantes e estímulos eruditos. E como é fácil reconhecer, na mais prosaica das reuniões de briefing, o transe dos planejadores confrontado ao desespero pragmático dos criativos.

Ambos os pontos de vista – “primeiro pesquisamos” ou “primeiro intuímos” – são métodos intercambiáveis, dependendo tão somente daquilo que cai no colo antes – os dados ou as ideias: na falta de dados, vamos às ideias; na falta de ideias, vamos aos dados.

Sobretudo, ambas os caminhos, enferrujam o difícil equilíbrio operacional de uma agência de comunicação. O planejamento-comme-il-faut que coleciona dados com obsessão, censura a liberdade e o planejamento-enfant-terrible que capricha nas metáfora, isola-se sem serventia.

Planejamento: o triunfo do hip

O eixo fundador, no entanto, passou por enormes transformações nas últimas décadas que, além de impactar no modelo de negócio, teve forte influência sobre uma certa visão do papel do Planejamento nas agências de comunicação.

A mais notável – e que talvez tenha deixado de frequentar os debates – é a separação entre o negócio de “criar estratégias e mensagens” e o negócio de “planejar e comprar mídia”. Nesse processo, no entanto, a disciplina de Planejamento esquartejou-se: do lado das agências de comunicação ficaram os planejadores mais “criadores” e do lado das agências de mídia, aqueles mais “matemáticos” (ou o Planejamento limita-se a ser um Planejamento de canais).

Qualquer agência minimamente influente no mercado, defende um planejamento parasita da Criação, distante da execução e principalmente alienado do comportamento de consumo de meios.

Planejamento: garantia e sonho para os clientes

O cliente flutua ao sabor dessa idiossincrasia.

Por um lado, brilham aos olhos dos clientes as ricas técnicas de pesquisa, cada vez mais profundas, rápidas, e pretensamente analíticas. O Planejamento que comprova os insights – mesmo que óbvios – é um escudo contra as incertezas. Por outro, a construção de um raciocínio mais elaborado, comportamental e filosófico, compensa as metas terrenas dos profissionais de marketing. O Planejamento quase sempre brilha nas apresentações aos clientes e é cada vez mais comum triunfar em detrimento até mesmo da própria ideia criativa.

Nunca dantes, o Planejamento conheceu tamanho prestígio. O profissional, nerd ou hip, é valorizado, super-valorizado, over-valorizado. O Planejamento é a grande estrela da sala de reunião e fideliza os clientes. Desde que o contrato entre uma agência e um cliente deixou de se dar pelo viés do relacionamento pessoal, o Planejamento é o elo perdido. É a ponte, muito mais lógica, muito mais inspiradora, entre o cliente e a agência. Da porta para fora das agências, o Planejamento salva as crises.

Planejamento muleta

Se o Planejamento tem seu papel circunspecto a uma crescente e sólida interface com o cliente (origem, inclusive da sua gênese), será esse, no entanto, seu destino? Voltar a ser o que foi? Só uma interface “pensadora” entre o cliente e a agência?

O planejamento não pode ser relegado a um mero papel de vitamina intelectual pois sua importância seria um luxo extravagante. O planejamento não pode ser a muleta a serviço dos calcanhares de Aquiles de uma agência de comunicação: uma Criação autista ou um atendimento acéfalo.

Brasil: o sonho do possível

O Brasil, como todo país periférico ao eixo fundador, ostentou por décadas uma adaptação publicitária de seus clichés de cartão postal. A propaganda brasileira era um brilho de alegria adolescente e maliciosa nas estratégias das marcas globais. Os pródigos publicitários brasileiros davam um sopro positivo e desenvolto nas campanhas, contribuindo de forma marginal a uma imagem mais universalista, democrática e sem preconceitos para as marcas. Esse ar mestiço, com o sorriso frouxo, era recebido com boa vontade para aliviar os debates dos fóruns internacionais das agências. Era também, muitas vezes, o trunfo “fora da caixa” e exótico.
A contribuição era, no entanto, mais facilmente retribuída nos festivais de propaganda do que nas estratégias globais das marcas. A propaganda brasileira, nos anos 80, colecionou centenas de prêmios mas raríssimas aparições na mídia do eixo fundador.

Afundado em políticas retrógadas que levaram o país a enormes gaps culturais e econômicos, crescimentos pífios, inflação galopante, indicativos educacionais decepcionantes e estagnação dos investimentos publicitários, o Brasil adernava e com ele todas as ambições de uma geração de profissionais acostumados com louros internacionais mas para marcas provincianas.

Na chamada década perdida (80), o Brasil quebrou duas vezes. O PIB bruto cresceu 17% no período, mas representou uma queda acumulada de 4% no dado per capita, sem melhorar a distribuição de renda e portanto sem aumentar o mercado consumidor interno. Já o investimento publicitário era equivalente a 0,5% do PIB, em média – bem menos do que os 1,2% atuais.

Não fosse mais um lugar comum, o país do futuro (sempre postergado), no entanto, despertou na virada do milênio, quando percebeu que sua força residia no mercado interno em detrimento de sua vocação de exportador de matéria prima e mão de obra. Na contramão do eixo fundador, o Brasil emergia quando o consumidor despertou de dentro do cidadão.

O Brasil dos anos 2010 é o país de uma nova classe média ingênua e ávida, combinação perfeita para nutrir todas as esperanças de corporações saturadas em seus mercados de origem.

A economia brasileira ganhou destaque recentemente, quando passou a ser a sexta maior economia do mundo – ultrapassando UK. Apesar de ser um marco, essa mudança andou junto com outras importantes: entre 2000 e 2010 o PIB per capita deflacionado cresceu mais de 30% e o índice de Gini caiu 10%. No começo da década, as classes C e D representavam 37% da massa de renda brasileira, enquanto a classe A respondia por 30%. Hoje, esse número é, respectivamente, 59% e 16%.

No entanto essa Meca consumista ainda apresenta enormes obstáculos estruturais. O desafio das marcas transcende em muito as calejadas estratégias globais acostumadas a tudo planejar com método, racionalidade e antecipação calculada. As alternativas pasteurizadas não vencem uma população acostumada a usar de enorme criatividade para vencer os desafios da sobrevivência. As saídas “mínimo-denominador-comum” são frias para um consumidor empoderado.

A solução fácil é portanto recorrer a gritarias varejistas, endossos de celebridades locais e uma mídia repetitiva e massiva, mas os consumidores só aderem às ofertas e esnobam as marcas magistralmente.
Distribuindo conteúdos de comunicação mastigados para o estômago “global” ou recorrendo a apelos varejistas vulgares, as marcas globais enfrentam enormes desafios no país para conquistar o coração dos consumidores.
A defesa do negócio da propaganda no Brasil

Fruto das vicissitudes de um país economicamente oprimido por décadas, o mercado brasileiro de comunicação, passou ao largo da especialização excessiva. As agências brasileiras ainda oferecem às marcas um serviço abrangente que inclui, por exemplo, serviços de inteligência e compra de mídia. Essa oferta ampla permite uma visão holística da comunicação, que vai do impacto broadcast de uma mídia de massa ao engajamento dos consumidores com os conteúdos das marcas nas mídias digitais.

Frente à explosão dos meios e formatos, acompanhada de uma adesão rápida e entusiasmada da população, inclusive e sobretudo a chamada nova classe média (Até pouco tempo atrás, a internet era um território quase completamente povoado pelas classes A e B. No entanto, desde 2005, a classe média cresce seu volume de usuários em 30% ao ano. Nesse contexto, 2011 foi um ano simbólico: a Internet brasileira passou a ser composta por 50% de usuários da classe média) à Internet, as agências de comunicação brasileiras nunca abriram mão de sua operação de mídia.

Parecia vital não permitir a entrada no país das agências especializadas na compra de mídia. O mercado garantiu assim, não somente uma rentabilidade segura, mas principalmente uma inteligência e um pulso permanente com a realidade do consumo de meios, canais e conteúdos. Assim, sem perder a capacidade de conjugar mensagem e meio no desenho das estratégias de comunicação das marcas, as agências de comunicação brasileiras permanecem um parceiro estratégico para os anunciantes, apesar de obedecer às imposições globalizantes ou varejistas.

Do total de investimento publicitário brasileiro, em 2011, 88% foi intermediado através de agências de propaganda clássicas. Essa proporção se mantém desde que a lei 4.680 que veda a entrada de bureaus de mídia no país foi promulgada em 1965.

Planejamento: o triunfo do hip II

No Brasil, assim como em mercados desenvolvidos, e apesar de ainda beneficiar-se de todos os recursos de inteligência de mídia, o Planejamento das agências conectou-se muito cedo com as tendências internacionais.
Assim como lá, o Planejamento padece de pulso, sentido de urgência e principalmente pragmatismo. Tendo rejeitado com veemência o Planejamento nerd, sonhou com briefings mais inspirados e idealizados.

A promessa da lua enternece o sapo, mas no mundo real, sapo é sapo e príncipe é príncipe. O Planejamento das agências brasileiras fala inglês e joga cricket.

Planejamento: o sonho do possível

Como se pode planejar a comunicação de uma marca sem conhecer a dinâmica do consumo de mídia? Encastelando-se atrás de dados, abstraindo-se da prática, criando metodologias cada vez mais abstratas, místicas, intelectualizadas, etéreas?

Esse parece ser o nó górdio a ser rompido pelo Planejamento das agências na próxima década: equilibrar-se entre a improviso e a ortodoxia, aplicar a inteligência com uma dose equalizada de imaginação e pragmatismo.
O Planejamento de uma agência de comunicação, para além de seu recente papel de sedução junto aos clientes, também deve saber voltar-se para a própria agência, descendo de seu pedestal científico ou filosófico, fazendo decolar dados ou aterrissar insights. De sua torre elevada, a pitonisa ficou distante, pedante e recitativa. Perdeu timing e principalmente conexão, transformou pessoas em consumidores e ideias em números.

Em tempos de multiplicação exponencial de meios e formatos de comunicação, talvez o Planejamento possa liderar o retorno de uma certa inteligência de mídia às agências. Talvez essa volta seja necessária tanto para o negócio quanto para trazê-lo de volta ao mundo real.

É a hora de deixar de tergiversar com ares proféticos. É hora de entrar na sala de máquinas, sujar as mãos de graxa, interessar-se novamente pelos canais que conectam pessoas de carne, osso e humores com as coisas – e não só as marcas – que elas desejam possuir.

Vamos rir da metafísica estudada nas escolas, nos livros e nos estéreis wokshops. Fazer mais e pensar menos. Sonhar com o possível.

Planejamento e criação, la même chose

O bom planejamento de comunicação não é aquele que levanta suspiros da plateia, não é aquele que provoca perguntas inteligentes, muito menos aquele trunfado de glamorosas citações que arrancam concordâncias inequívocas.

Tem sido muito fácil aprovar o backstage da propaganda. Tem sido fácil demais levar a coxia para o palco principal. Tem sido fácil demais sair de uma reunião com ramalhetes de flores na mão dos contrarregras e atores condecorados com tomates podres no peito.

Quando o planejamento brilha e a criação chora, é porque o planejamento foi incapaz e profundamente egoísta. Quando o planejamento está aprovado e a criação precisa de ajustes eufemísticos, é porque o planejamento falhou vergonhosamente. Quando o planejamento está bom e a criação não chegou lá, é porque o planejamento estava errado no briefing e na defesa.

A glória fácil do planejamento materializado em uma comunicação medíocre na rua é sinal de que algo está errado. Nos papéis, nas expectativas, no processo e nas veleidades.

O bom planejamento é aquele que treina, incentiva, inspira e suporta. Custe o que custar, inclusive as premissas, inclusive o suporte, inclusive as vaidades.

Decidiu-se que existiam pessoas que criavam e outras que pensavam. Mas foi evidentemente uma figura de linguagem exagerada, que levaram a sério. Como é pretensioso chamar os que escrevem e os que ilustram de Criativos! Como é arrogante dizer que aqueles que pesquisam e defendem são Pensadores! E como é injusto atribuir menos pensamento aos que criam e menos criatividade aos que pensam!

O bom planejamento tem que ser frouxo no briefing como o bom criativo deve ser maleável na convicção. O bom planejamento não pode ser covarde e o criativo preguiçoso.

O bom planejamento de comunicação é, no mínimo, aquele que aprova uma campanha e, no máximo, aquele que coloca um trabalho bom na rua.

A propaganda de apertar parafusos

Falemos dos silos, das gavetas secretas, das caixinhas impermeáveis, das agendas lacradas que coabitam numa agência de comunicação. O assunto é cansado e recorrente, e sua resposta, retórica: integração é uma panaceia.

Mas nenhuma integração é remédio, nem pode haver ordem poderosa o suficiente, tampouco metodologia bastante criativa para vencer as resistências culturais e de vaidades individuais que criaram os feudos. Integração é uma questão de bom senso e boa vontade.

A Verdade Mística é que inventamos a separação das áreas de uma agência. Nós é que resolvemos dizer que mídia-é-mídia-que-não-tem-nada-a-ver-com-planejamento-nem-com-criação-ah-não-criação!-nem-me-fala-é-outra-coisa-que-é-quase-o-avesso-do-atendimento-pelo-amor-de-Deus!

No começo, parecia uma boa ideia, porque dava foco e separação de tarefas. Ajudava também a dar valor para o trabalho. Enfim justificava o trabalho. Mas isso era na época em que a especialização estava na ordem do dia: Chaplin em “Tempos Modernos”?

No fundo e hoje mais do que antes, será que nosso trabalho é apertar parafuso? Será que nossas habilidades são tão restritas? Será que somos tão debilitados e deformados?

Com um pouco de recuo, é fácil perceber que a separação dos poderes se reflete desastrosamente na mídia: existem campanhas que são claramente campanhas lideradas pela mídia, outras pela criação, outras pelo planejamento, outras pelo atendimento. Não fosse triste, seria divertido fazer as apostas. Campanhas com janelas de oferta: quem manda é a mídia. Campanhas com filmes de um minuto difíceis de entender: criação. Campanhas com cenas da vida e papo-cabeça em off: planejamento. Campanhas demo de produto: atendimento.

Claro que existem talentos: jeito pra fazer desenhinhos, piadas, filosofias, cálculos ou salamaleques. Mas um bom diretor de arte, redator, planejador, mídia ou atendimento não faz um bom profissional de comunicação.

Seremos iconoclastas e polivalentes ou não seremos a agência do futuro.

Planejamento patinho feio é o caraiowa

Outro dia, perguntavam o que era um Planejador, mais uma vez. Saiu que era um dos “patinhos feios” da agência.

Concluí que a jornalista ateve-se à descrição de minha foto e não à prolixa explicação que lhe dei. Se ainda tenho dificuldade de explicar para minha mãe, o que dizer a um foca? O que dizer a clientes que poluímos diariamente com novas e complicadas estruturas transversais, diagonais, poli-disciplinares, pan-funcionais?

Minha explicação foi uma longa história do Planejamento, pedante e recheada de falsa modéstia. O termo em si é trunfado de interpretações e pistas equivocadas, por isso, o melhor é ser incisivo, separatista e franco. Sem medo de ser cru.

Planejar não é organizar. Não é juntar pedaços. Não é supervisionar um processo de trabalho. Planejar também não é selecionar ideias e tampouco destinar dinheiros e mídias.

Pois se Planejar não é fazer timeline e por ordem no circo (indispensável função do “Atendimento”), não é contar histórias pra boi dormir (santa função da “Criação”), nem apontar o lápis com a orelha (rica função da “Mídia”), alguns gostam de ver o Planejamento como uma espécie de Grande Inquisidor, em nome do cliente e/ou do consumidor.

Este é um estilo. O Planejamento-Censor, figura cinzenta e respeitada, fala sem filtro, sem não-me-toques, sem medo de chafurdar o dedo nas feridas.

Outros gostam de ver o Planejamento como um tipo de Grande Conciliador, em nome do trabalho e do todo.

Este é outro estilo. O Planejamento-Harmonista, cuida do produto final, da coerência entre a necessidade do cliente, os atropelos do processo e o produto final. Ele trabalha para que tudo tenha harmonia, sentido holístico, geral, macro. É o gestor do que excede, do que não está enquadrado, das concessões.

Planejamentos Censores ou Conciliadores incluem-se no processo de trabalho com entregas definidas. Se participam do briefing, da criação, do planejamento de mídia, do atendimento ao cliente, serão Censores ou Conciliadores, depende do estilo do profissional, da filosofia da agência ou da oportunidade do trabalho.

Tendeu?

Posicionamento é cacoete

A comunicação é uma ferramenta-soluço.

De hics em hocs, construímos (presumimos) uma conexão emocional e durável com pessoas.

Por isso as campanhas (soluços) devem perseguir uma coerência de valores e mensagens.

Essa corda que conecta os continuados surtos loquazes (soluços) é o que chamamos de posicionamento.

E mesmo quando somos Demiurgos que reinventam a natureza das coisas, detratando a propaganda boliche em favor de uma comunicação fliperama, esses discursos não passam de laboratórios de circunstância, modismos, bons tons pra inglês ver: marcas não são gentes, são abstrações.

Sabe quando você reencontra uma pessoa que o tempo corroeu, uma relação intima do passado que tudo separou por anos? Você tenta reatar os laços, lembrar daqueles momentos que viveram juntos mas que a poeira da vida tratou de reinterpretar. De memórias em memórias a gente tenta reconectar fluxos invisíveis sem sucesso. Triste angústia. Até que, repentinamente, a pessoa coça o olho. Por reflexo. Aquele reflexo. Aquele trejeito. O trejeito que te arrepia.

Posicionamento é mais ou menos esse trejeito repetido, que se integra na natureza de uma marca. E o arrepio se traduz em desejo.

Construir uma marca é brincar de transformar abstrações em gente. É brincar de colocar trejeitos, tiques, manias, cacoetes nos soluços, modernos ou tradicionais, que criamos.

Da gaveta para o mundo

Primeiro vem um insight de consumidor, depois uma brand idea, depois uma brand campaign, depois um manifesto, depois umas execuções aí.

Um poderoso resolve agradar a um papa: insight. Depois ele resolve construir uma igreja: brand idea. Daí, a igreja vai ser em homenagem a um Santo: brand campaign. Assina-se um contrato que é o manifesto. Finalmente contrata-se um mestre de obra qualquer (um Michelangelo ou um Seu José) para as execuções.

Um insight tem que ser universal, ou seja, quanto mais genérico, melhor. Uma brand idea tem que ser verdadeira, portanto quanto mais vaga, melhor. Uma brand campaign tem que ser inspiradora, logo, quanto mais lugar comum, melhor. Um manifesto tem que agradar ao faxineiro e ao presidente: quanto mais burocrático, melhor. Quanto às execuções … quem liga para as execuções?

A gente regozija de tanto regorgitar.

Planejamento ketchup

Depois de horas de blablablá estonteante, messiânico, apaixonado, o cara vira pra você e diz “só me fala uma coisa: o que é que eu tenho que dizer afinal?” É então que você recomeça tudo do início, modulando as palavras, variando os argumentos, revirando os olhos, caprichando nos trejeitos e o cara fala: “não entendi nada. O que é pra fazer?”

Este é o calvário de todo cristo autoproclamado. É a via crucis dos arautos do caminho da redenção. É a penitência dos avatares iluminados, planejadores em seus faróis de sabedoria.

Chegamos a um grau de metafísica em que o planejamento é mais lisérgico do que a criação, mais onanista do que o mais baseado dos diretores de arte.

Chegamos a um grau alienação em que o planejamento, do alto da sua estratosfera intelectual, aterrissa em conceitos de auto-ajuda passe-partout. Ideias repetitivas, que valem pra todas as marcas, todos os públicos, todos os contextos.

Quem discordaria de que o “amor é lindo”, “a vida vale a pena se for vivida”, “você pode se quiser”, “coisas incríveis podem acontecer com pessoas comuns”?

Afinal de contas, quem liga para o coitado que vai ter que colocar essa punheta num filme, num anúncio, numa ativação, numa embalagem, num post do facebook?

Talvez por isso, nego só pensa em criar conteúdos longa metragem hiper produzidos transmídia storyteller engaging co-created com o James Cameron. Pudera.

Quem leva a melhor?

Por motivos que pertencem aos insondáveis labirintos escuros da mente, competimos uns com os outros para aplacar uma insaciável carência de afeto e atenção. Para justificar esse embate de egos, inventamos talentos e habilidades particulares e diferenciadores. É mais ou menos por isso – e talvez por outros álibis menos nobres – que nas agências de comunicação existem macacos trabalhando em galhos diferentes, em volta de um tronco.

Se a metáfora está correta, existem árvores na floresta com galhos mais desenvolvidos e valorizados do que outros. Criação portentosa e planejamento mirrado. Planejamento super-irrigado e criação raquítica. Por exemplo.

Maçãs não ligam para o tamanho do galho. Quem acha que a maçã de um galho musculoso é melhor do que que aquela de um fiapo, desconhece tudo da botânica publicitária. Maçãs-comunicação se desenvolvem a partir do concurso equilibrado e harmônico da árvore toda, da raiz abissal à mais débil das folhas. Bonsais, mesmo lindos, caros e raros produzem frutas insípidas.

O mercado brasileiro – quiçá global – é uma dessas esdrúxulas florestas de anomalias.

O cliente faz a colheita nessa selva artificial. Aqui ele prefere o planejamento, ali a criação, acolá a mídia, e outras bizarrices circunstanciais. E come maçãs belas mas ocas, feias mas rechonchudas, saborosas mas feias e ocas.

E mesmo assim, competimos. E por isso ouvimos que o cliente gostou do planejamento mas não comprou a criação. Adorou a criação mas roncou no planejamento. Curtiu o planejamento e a criação mas a mídia era banal. Ou aquele que detestou tudo mas contratou por causa da estratégia de mídias sociais. Ou ainda aquele que tudo amou mas refutou porque não curtiu o wobler de gôndola.

Tanta ideia boa e tanto aborto por aí

Se de boas intenções o inferno está cheio, de boas ideias o mundo está de saco cheio e nem por isso está melhor.

Ideias pululam, se multiplicam, se atropelam porque são muito frágeis.

A esmagadora maioria das ideias que brotam aos borbotões até das fontes mais improváveis, morre por incapacidade de expressão, paixão ou realização. É por isso que tem tanto aborto por aí.

Primeiro é preciso saber expressar a ideia. E é aqui que entra a linguagem, a técnica e o suor. Talentoso não é aquele que tem ideia – isso não vale muito – mas aquele que consegue dar-lhe forma, simbólica. Publicitariamente falando, é fácil parir uma big-idea, cabe numa frase tosca, geralmente mal escrita, seguida do aviso “olha, não estamos criando, viu? É só um ponto de partida. É pra inspirar!”. O enrosco vem quando tenta-se dar cara e sex-appeal para isso sem cair na banalidade do power-point “inspirador”.

Segundo tem que saber convencer. É aqui que entra o sangue nos olhos, a segurança e uma certa dose de malandragem, mais conhecida como maturidade. Publicitariamente falando, uma big-idea com um lindo estímulo não passa nem na primeira reunião com o último dos aprovadores da escala hierárquica. Difícil é saber driblar a preguiça, a falta de tesão, o bônus incerto, os testes atrofiantes, o cronograma, a vaidade, a dor de barriga, o mau humor e outras espinhas.

Terceiro é bom saber se dá para fazer. E se o fazer não vai destruir a ideia, vulgarizar a expressão e corromper a paixão. Por algum desvio evolutivo, convencionou-se separar a “criação” da “realização”. Tem o cara da torre de marfim e o outro no chão da fábrica. Publicitariamente falando inclusive. Realizar significa não somente respeitar a expressão, mas também o bolso, o tempo e principalmente os objetivos do briefing. Os festivais curam as frustrações mas não enchem a barriga.

As agências de propaganda foram, estranhamente, constituídas a partir dessas três funções distintas. Tem o cara da ideia, o da expressão e o da realização. As atribuições variam, mas sempre cada macaco em seu galho. Por exemplo: se a ideia é do atendimento, ninguém mete a mão na cumbuca. Se a expressão é da criação, não me toques. Se o convencimento é do planejamento, não enche meu saco. E se a realização é da mídia, money talks. É por isso que tem tanto aborto por aí.

Criação e planejamento, a gangorra

Há quatro diferentes maneiras de fazer planejamento de comunicação em uma agência.

A primeira é quando planejar significa exatamente planejar, ou seja, concatenar ações, mensagens e estratégias no tempo. Esse “tempos e movimentos” é uma administração crucial mas deixou a área de planejamento para incorporar-se nas disciplinas de atendimento. Não é planejamento, pelo menos como se define hoje a área, mas gerência de projeto.

A segunda forma de planejar nasceu nos luais psicanalíticos e ripongas. Defendida pela turma das ciências sociais, por inflamadas tietes de Lacan ou Lair Ribeiro (dependendo do pedigree acadêmico), esse é o planejamento pesquiseiro e enfezado, que se vê, projeta e faz amor com arquétipos. Numa agência de comunicação, essa turma faz o que chamamos de retroplanejamento: “chama a bigoduda para provar que minha ideia é incrível”.

A terceira prática foi sevada na opressão tirânica da Criação das agências. Um ódio selvagem e reprimido contra as musas que iluminam infantilizados criativos formou planejadores intelectuais, super-hipertendência, que dissertam sobre Bocuse e Marcuse com a mesma flatulência. Em uma agência de comunicação, esse pessoal moderno faz o protoplanejamento: “manda aqueles moleques mimados da criação executarem nosso power-point”.

Finalmente, a quarta maneira de planejar, como reação à segunda – subserviente – e à terceira – pretensiosa, é o antiplanejamento. Esses planejadores são híbridos assumidos, camaleões com talento para as artes circenses. Escorrega-se aqui pelas práticas, de acordo com as circunstâncias, os objetivos e as plateias. O planejamento de comunicação é aqui retro ou proto, abre-alas ou anunciação, pedestal ou redenção, alavanca e contra-peso, depende. Depende da ideia, depende da necessidade.

Esse é o planejamento que não acredita na tabuada das pesquisas, nem no blablablá metafísico. O planejamento dos bastidores assumidos, que existe para que brilhe o que deve brilhar. Nem dados, nem teorias, nem metodologias, nem egos, mas a comunicação que vai pra rua, que vai ser vista, curtida, lembrada, que influencia, cria desejo e prazer.

A inspiração não nasce da reação de fórmulas previamente experimentadas. Ela tem sua dose incidental e mágica. Por isso é refratária ao método quando ele se impõe dogmaticamente.

Criar e planejar parecem práticas inconciliáveis a menos que ambas sirvam de alacanca uma para a outra, qual uma gangorra equilibrada e divertida.

A Berrini não é o East Village e Moema não é o Marais

Desde que a comunicação resolveu galgar alguns centímetros na escala de consideração social, as masturbações intelectuais subiram para nuvens estratosféricas.

E a culpa é do power-point animado, cheio de imagens cool de jovens dançando de olhos fechados com headphones enormes. A culpa é dos planejadores de todas as raças que serpenteiam em procissões internacionais, atrás da última tendência, da última frase de efeito, do último case revolucionário.

Foi assim, graças ao verniz cheio de sabedoria de almanaque, que a as propagandas (palavra que virou palavrão) ou as plataformas de comunicação (seu eufemismo cool) viraram briefings. É fácil reconhecer esses abortos cheios de justificativas strory-teller-transmídia-technicolor-dolby-stereo. É só não ter charme, nem sutileza. É como um steak-tartare sem tempero.

A comunicação foi dominada pela tosqueira dos mídias, pela subserviência dos atendimentos, pela egotrip dos criativos e agora está sendo devastada pela pretensão dos planejadores. Quem sabe um dia a gente possa abolir job descriptions e fichas técnicas!

Boa propaganda mata mais do que inspira

Excesso de escolhas mata a escolha. Como aqueles cardápios infinitos que dão preguiça de ler, como aqueles templates que escolhemos afoitamente quando testamos um aplicativo, como entrar na Bloomingdales. Dá pânico. Dá pânico ler guia de cidade turística, o Louvre dá pânico, o controle remoto também e o manual da nova câmera.

Desespera saber que o Bach Werke Verzeichnis (o catálogo de músicas de Bach) tem 1126 obras e que todas universos de infinita imaginação. Dá tremedeira buscar referências. Dá dor no peito e de barriga olhar um short list ou qualquer best of. Dá suor frio browsear as melhores campanhas do mundo. Dá medo. Trava mais do que inspira.

Nossa disciplina, muitas vezes irrelevante para o consumidor, de jamais criar algo que de longe lembre outra coisa, o pavor do olhar crítico de nossos semelhantes, extirpam muita alegria do trabalho.

Para o planejador, referências são como cintos de castidade: exasperam e criam desvios perigosos. O que já foi dito e pensado leva-nos para o que sobra. E talvez não seja a tôa: sobrou porque é ruim.

Para culminar a opressão, ainda lidamos com um caminhão de ferramentas e metodologias. Para os micos amestrados, são um save my ass. Mas para os inspirados, atrapalham e frustram.

Antes de sair enchendo os braços com cabides e mais cabides, antes de metralhar seu repertório com pesquisas e mais pesquisas, que tal pensar no briefing com a cabeça vazia, sem parti pris, sem medos nem referências? Que tal uma dieta de internet, de festival, de conferências? Jejum de todas as metodologias. A propaganda está te deixando chato e medíocre. Pare de ver propaganda imediatamente.

O Planejamento de tanto querer ser muito acabou sendo nada

Palavras são por definição generalizações e simplificações das manifestações que elas simbolizam.

Convenciona-se chamar uma coisa em que se senta a bunda de cadeira, por exemplo. Aquilo em que não se senta a bunda não é cadeira. Uma cama é aquilo em que se deita para dormir. Mas se você não deita para dormir numa determinada cama, então você não pode chamar aquilo de cama. Você pode chamar essa coisa de sofá por exemplo. Se você usar a cadeira apenas para alcançar um livro na estante, você não deveria chamar a cadeira de cadeira mas de escada que é a coisa que assim se convencionou denominar para esse uso.  As palavras são portanto tentativas de organizar confusões e imprecisões.

Chamamos Planejamento uma área de uma agência de comunicação que tem por função ou missão pensar no tempo e no espaço como as iniciativas de uma marca irão concatenar-se, organizar-se, disciplinar-se, evoluir, transformar-se. Deve ser isso que o Planejamento, cujo nome é preciso, faz. Mas não é. Porque ele faz outras coisas também. E essas outras coisas são mais importantes. O Planejamento cria insights, raciocinia os canais, dá um verniz filosófico ao discurso comercial, e mais um monte de outras coisas. Palavras, palavras, palavras e mais palavras.

Em suma o Planejamento de uma agência de comunicação é uma cadeira que não serve para sentar a bunda, uma cama que não serve para deitar. É uma cadeira que é uma escada, uma cama que é um sofá.

Planejamento é um nada que é muita coisa. Ou muita coisa que não é nada.

Planejamento não é nem cadeira, nem escada, nem cama nem sofá. Planejamento é bengala ou seja, aquilo que usamos para se apoiar e ajudar o membro mais fraco, atrofiado ou doente a andar.

O novo criativo, das profundezas e superfícies

A grande sorte da “criação” das agências de comunicação é elas terem, de todos as estabelecidas áreas, o melhor nome: Criação. Criar é uma atividade que conjuga a habilidade para expressar-se de forma escrita com aquela para fazê-lo de forma visual. Criar significa também e principalmente, ambas  as linguagens confundidas, aprofundar-se na essência de uma ideia. Pensar o conteúdo para além da forma.

Assim usurpado o sagrado coração da profissão, os impostores desenvolveram proteções ardilosas que empurram as outras “especialidades” numa periferia necessária mas acessória.

Sem querer entrar na retórica cliché de “agência de ideias em todas as áreas”, um mutável virus introduziu-se na indústria da comunicação: a o big bang dos meios, a Internet. As habilidades de redator e diretor de arte não parecem mais suficentes para Criar. Uma garotada domina outra linguagem, que, embora pareça suja de graxa, é curiosamente celebrada nos grotões novos ricos da indústria tecnológica. A primeira reação é enquadrar os energumenos que nascem nesse mar subterrâneo numa lógica conhecida: designers digitais e programadores – tipos novos de produtores. Assim (e ainda), para salvar a proteção territorial, incorporam-se esses novos à “criação”.

Mais vale, no entanto, entender que linguagem “nova” é essa que as plataformas digitais demandam? Certamente não se trata apenas de uma habilidade específica para produzir em ambientes virtuais.

De forma sintética, os novos “criadores” são pessoas que possuem talento ou desenvoltura, para “criar” horizontalmente, numa multitude encadeada e estratégica de meios. Não são designers nem programadores – embora possam sê-lo, assim como podem ser diretores de arte ou redatores clássicos – mas falam uma língua que pensa transversalmente mídias afora. Podem ser também mídias, planejadores, atendimentos.

E por que essa “habilidade” é uma habilidade que soma (e integra) e não substitui?

Voltemos à definição de “criativo” do primeiro parágrafo: “criar” é aprofundar-se na essência de uma ideia. Como era esse o talento necessário para tornar-se um dos bons (e não só um original pirilampo), com o tempo, as atividades acessórias aproximaram-se desse olimpo, e em particular o planejamento. Até chegarmos ao momento em que “planejar” e “criar” confundem-se na busca da conceituação profunda de mensagens, discursos e histórias que seduzam, envolvam e fidelizem o coração dos consumidores. “Criar” é (ou era) portanto verticalidade, essencialidade.

Isso funcionava, e bem, em um mundo em que poucas e domesticáveis são as interfaces com os consumidores. Não funciona mais depois do big bang.

Criar é portanto, hoje, verticalidade e horizontalidade ao mesmo tempo. É a habilidade indissociável de intuir e pensar profunda e superficialmente, na largada, desde o primeiro briefing. E essa nova Criação está na mídia de um novo tipo, no atendimento de um novo tipo, na “criação” de um novo tipo e principalmente no planejamento de um novo tipo.

Esses vídeos-muleta para animar uma apresentação

A moda pegou, mas pegou mesmo. Virou uma mania (e lugar-comum) da nação de planejadores e criadores: colocar a viseira e sentar na cadeira de diretor para produzir minidocumentários ou videozinhos para apresentar suas ideias.

Não tem derrapada, gaguejo nem cacoete; tudo é lindo, rápido, sintético e, principalmente, não suscita interrupção.

É a grande evolução dos power-points com pessoas pulando e jovens sorrindo, que substituíram aqueles com imagens-conceito de lâmpadas, escadarias e tiro ao alvo.

Como se subitamente todo o mundo fosse acometido de mudez envergonhada. Faz-se uma pequena introdução e lá vem o play com uma música animada, imagens lindas, textos de impacto e outras referências chupadas no parnaso descolado.

O improviso, o senso de oportunidade, a condução diligente a partir da observação, a body language e a sedução foram enlatados e trocados por imagens roubadas.

Em breve, tudo será feito por videoconferência com atores construídos em 3D.

Em breve, a saudade da vida real vai ser compensada por algum reality armado e vulgar a que assistiremos de cueca velha em casa.

Mas não há nada mais convincente que o não dito, mais sedutor que o deslize, mais poderoso que o subliminar que só a presença física, de carne, osso, voz e olhar pode produzir.

Planejamento guard rail ou off-road?

Primeiro ato: elabora-se um raciocínio encadeado e sem arestas, sustentado por convicções intuitivas e informações contundentes, que resulta em um caminho que parece criativo o suficiente e convincente o bastante para responder a um problema de comunicação cascudo. O planejador esbalda-se.

Segundo ato: explica-se, com minúcias deliciosas, uma história apaixonante, floreada por incontáveis desdobramentos. Com o olhar do evangelizador cheio de compaixão e segurança, recebe-se a aprovação unânime do posicionamento, com humildade. O planejador goza.

Terceiro ato: ouve-se, com a contrição do dever cumprido, uma campanha que parte de uma ideia catada, sabe-se lá em que sórdido meandro autista, desgarrada da augusta inspiração planejada, vulgar, baixa, simplória, genial. O planejador chora.

Quarto ato: recupera-se o brio ferido, lucubram-se argumentações reversas e, estoicamente, ao calar da madrugada, cotovelos inchados e orgulho escapando pelo dedão do pé, põe-se a aparição brilhante no altar. O planejador conforma-se.

Finale: o cliente regozija-se.

Post-scriptum: a campanha vai ao ar por falta de tempo ou para o lixo por excesso.

Post-scriptum 2: sucesso ou volta à página em branco.

Acontece cada vez mais.

Em um universo de mídias mais fragmentadas, acidentais ou sempre novas, com consumidores mais conscientes, menos escravos de seus hábitos e que borboleteiam ao sabor do impulso fugaz, já não se tem mais certeza da construção de marca dogmática: o planejamento está em crise existencial.

Como defender a coerência do discurso de comunicação, construído no tempo e no espaço, paulatino, faseado, “planejado”, se não se tem nem recursos nem ferramental para valer-se da frequência, pedra de toque da comunicação de massa? Se o convencimento pela repetição já não percute com tanta eficiência?

É tão evidente decodificar uma campanha de publicidade que ainda se vale dos cabrestos das metodologias clássicas do planejamento que chega a ser melancólico. Falsidades de fotonovela.

Qual seria, então, nosso papel, se não podemos mais ser guardiões da ortodoxia, se a voga glamorosa do “branding” não passa de um sobressalto defensivo?

Nas nem tão novas mídias, na internet, é em um clique de sorte que se alcança a fama. É seguindo um percurso quase acidental que se cerca o consumidor. É com impacto que se mobiliza a audiência.

Nosso novo exercício é uma espécie de caça ao inesperado, no contrapé das expectativas do cliente e do consumidor. É buscar uma heterodoxia criativa e libertadora. É garimpar aquilo que ninguém espera que aquela marca, categoria ou agência possa fazer. Não devemos renunciar, no entanto, a nenhuma das ferramentas que já conhecemos — às pesquisas — mesmo que com roupagens aparentemente empoeiradas. É lá, no campo e na vida, que iremos garimpar o contrafluxo. Se ainda iremos indagar o gosto e as preferências, é para desacomodá-los e reacomodá-los em caminhos perturbadores. Nossos briefings serão desconfortáveis, mas comprovadamente desconfortáveis. Quem sabe assim libertemo-nos também das nossas bíblias ilustradas, ingênuas e superlativas, quiçá mentirosas.

A virtude da comunicação de massa é hoje seu maior vício.

É pelo fato de o consumidor, consciente ou inconscientemente, ter cansado das setinhas de peregrino que colocávamos em seu caminho, que perdemos sua atenção. A propaganda não é mais uma estrada demarcada, e o planejador deve esforçar-se off-road ou morrer guard rail.

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 28/03/2011