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As abelhas e o marketing

Tinha uma colmeia de abelhas no telhado de casa. Elas eram agressivas no verão mas resisti bravamente. Afinal, a longevidade dos apicultores é a mais elevada de todas as ocupações humanas. Não iria desperdiçar essa fonte da juventude. Minha resiliência durou alguns meses até que li que só nos acostumamos com a dor depois de oitocentas picadas. Mesmo contabilizando as minhas, das visitas e dos vizinhos, não chegavam a dez.

Quando o apicultor chegou, pedi encarecidamente que retirasse a colmeia sem dor nem prejuízo ao valoroso trabalho das aguerridas defensoras da primavera de minha jaboticabeira. Foi difícil e demorado pois a rainha escondia-se na laje, bem protegida e inalcançável. Não achamos a sua majestade e portanto só havia duas soluções: eliminar a colmeia ou suportar estoicamente mais setecentos e noventa fisgadas.

Eu já estava desistindo quando o apicultor disse: “olha, uma colmeia tem por vocação a acumulação de mel. Elas acumulam, acumulam, acumulam, até que um dia, não tem mais espaço para a reprodução também incessante da rainha. É então que a colmeia migra ou morre. A sua já é bem antiga”.

Alguns meses depois, minha relação sadomasoquista com as abelhas terminou e minha jaboticabeira nunca mais floresceu como antes.

As abelhas são como a gente, afinal. Um dia, não cabemos mais de tanta coisa, pessoas e lembranças. Um dia, nossa vida fica apertada, e, como a casa de Colin em a espuma dos dias, de tanto comprimir, morremos ou migramos, como creem os devotos.

As empresas são assim também. Como as abelhas que dão a volta da terra – quarenta mil quilômetros – para amealhar um quilo de mel, o marketing dá de tudo para aumentar, crescer, multiplicar sua participação de mercado. Até um dia.

Mas o maior mistério do mundo das abelhas é seu instinto de sobrevivência: a média da produção de abelhas de uma colmeia urbana é três vezes maior do que a de uma rural. Não porque elas preferem, é claro, mas porque o ecossistema das abelhas caipiras está tão tóxico que elas preferem as cidades.

Existe uma mensagem de esperança também nesse comportamento: apesar da sujeira, do concreto, da agitação da cidade, elas seguem produzindo uma fonte de energia abundante e luxuosa.

É uma questão de vida ou morte também que empresas entendam que suas estratégias de marketing de crescimento, outrora bem sucedidas, entoxicaram o mundo irremediavelmente e que é preciso adaptá-las e acomodá-las, para sobreviver. Todos por um marketing menos tóxico!

Propaganda em lata

Com os ideais planando no espaço sideral, muitos publicitários sonham com a reinvenção da forma de pensar a comunicação. Com boa vontade que transborda de energia, querem – queremos – chacoalhar as estruturas, sacodir a poeira de práticas viciadas e cansadas. As hipóteses são formuladas com lucidez e sensibilidade e as soluções e modelos são flexíveis, artesanais, caprichados. Constroem-se catedrais, tinindo de novo e muitos sucumbem ao charme de sorrisos sinceros.

E porque a caretice domina o mercado (publicitário e de marketing), dá gosto de ver.

Mas se inocência não for condição para o idealismo, a esperteza consciente evita muitas frustrações.

Fazer comunicação para uma marca tem uma parte moderada de invenção, uma dose razoável sob medida e grandes sortimentos de enlatado.

Em outras palavras, a propaganda exige – 1. fazer algo um pouco novo – 2. que esse algo um pouco novo esteja dentro do briefing da marca – 3. que se tire da gaveta um caminhão de recursos pré-fabricados.

E sabem onde é que se ganha dinheiro, na propaganda?

Qualquer MBA mediano sabe que o lucro vem da escala. É a primeira lição do capitalismo para cabaços: o enlatado, o pré-fabricado, o modelinho, a matriz conceitual e todas as pesquisas quantitativas, os ferramentais de mídia, os relatórios passe-partout, tudo aquilo que você pode usar (e acochambrar) para qualquer cliente, são a mina de ouro. E isso vale até para as análises, os discursos coringas, os salamaleques de circunstância. Vale também para muito do que chamam de criação mas que no fundo não passa de um infindável requentar de ideias. Quantas vezes o Luciano Huck, O Faustão não gritaram as mesmas imbecilidades nas suas vidas, seguindo roteiros publicitários “criados” e portanto cobrados?

Sim, na propaganda assim como nos clientes, para ter sucesso, precisa vender enlatado com cara de feito em casa.

Propaganda: emocionar para pensar o mínimo possível

Fascinante o artigo final de José Porto sobre o último PicNic no Meio & Mensagem de 21/09/2012. Vale a leitura. Uma lufada otimista, entusiasta e simples: “Open Data, Open Government, Open Brands, Open Design, Open Source, Open everything!” Todos os pensamentos modernos convergem para o fim da exploração das pessoas – colaboradores e consumidores – baseada no misticismo das fórmulas de acumulação de riqueza.

Mas…

O capitalismo (primitivo), as corporações (primitivas), as marcas (primitivas), os departamentos de marketing (primitivos) ainda protegem seu presumido conhecimento, através de patentes, fórmulas, informações de mercado, metodologias, lavagens cerebrais, chantagens obscuras com colaboradores e toda sorte de perniciosos meandros legais, lobbies e outras caixinhas de malvadezas. A política (primitiva), idem.

Em tempos de propaganda eleitoral no Brasil, é impossível não traçar um paralelo desesperador entre as técnicas de conquista de voto e as de conquista da lealdade dos consumidores. É impossível não perceber que muito conhecemos essas técnicas, que as aplicamos sem dor todos os dias, sem sequer levantar sobrancelhas de incômodo ético. O pacto publicitário é de passividade infantil: “até tentei dizer para o cliente que filtrar a crítica, moderar a opinião, ocultar a informação, direcionar a resposta e levantar cortinas de fumaça era um risco, mas ele não quer nem saber”.

É a crença no ocultismo de curto prazo que consiste em mascarar soluções duráveis ou definitivas com pequenas artimanhas criativas. Bananas aos macacos – os consumidores – para disfarçar uma bomba relógio.

É a velha técnica do marketing político em ação no marketing comercial: investir na emoção para conquistar pessoas – eleitores e consumidores – é extirpar a razão da escolha. Pessoas apaixonadas não pensam: o voto é uma questão de fé e o consumo, uma questão de impulso. Quem não pensa, se deixa levar.

Marketing é marketing. Cultura c’est autre chose

Os gurus de autoajuda empresarial trocaram ideologias por idolatrias. Rezam por essa mesma ladainha há anos: as marcas são ou devem ser influências culturais.

Existe um extenso repertório de patologias empresariais e tipificá-las retoricamente costuma ser um alívio psicológico.

Para isso, a polarização ajuda a definir extremos sem correr riscos: caricaturas não encarapuçam.

Há empresas que se autoproclamam influenciadoras. Mais por acidente do que por ideologia, suas marcas impregnaram infinitas histórias de incontáveis pessoas. E acreditando que cultura se constrói quantitativamente, as marcas, seriam, assim, uma espécie de patrimônio cultural de um grupo, de uma sociedade, de um povo, da espécie inteira. A pretensão crê-se assim capaz de transformar a cultura.

Essas organizações costumam orientar suas ações, principalmente de comunicação, para estratosferas filosóficas, evoluindo em bolhas dogmáticas, gramáticas peculiares e bíblias conceituais messiânicas.

Um terráqueo normal – desses que nasce, sofre, ama e tem medo da morte – ao aterrissar por acidente no marketing desses Olimpos, se sentiria em Marte: “que língua falam? com quem querem falar? o que querem vender? isso é algum reality show?”

Mas a cultura, felizmente, não se molda através de coisas mas de ideias. A cultura, felizmente, não é um produto. Cultura não é uma sopa enlatada, nem mesmo quando decora os museus.

Até porque, como sempre, os “culture shapers” entenderam errado, ou apressadamente o que não passava de uma piada.

Infelizmente, tudo é tão desprovido de humildade e senso de humor, que poucos sacaram que marketing é só marketing e propaganda é só propaganda.

Sem essa de cultura. O que realmente presta no marketing – e principalmente na propaganda – é quando ri de si mesmo.

É o de quem que está na reta?

Existe uma movimentação ao mesmo tempo inquietante e excitante na forma como os clientes das agências de comunicação vêm se movimentando principalmente no que diz respeito ao papel desempenhado pelo marketing.

A percepção superficial do fenômeno dá-nos a desagradável sensação de juniorização das equipes e a apreciação mais comum dá conta de que os clientes não estariam mais fazendo o que deveriam, a saber, municiar suas agências de informações e objetivos claros sobre suas marcas.

Mas a realidade por detrás dessa falsa idéia, é que os clientes tendem a colocar em xeque o papel mesmo de seus fornecedores de comunicação. Passam ainda a superpor-se às tradicionais funções atribuídas às agências. É nesse nem sempre evidente ponto que a relação fica dramática: “afinal de contas, qual é o papel de cada um?”

Existem duas formas de encarar essa tensão.

A primeira é o belo discurso da parceria, que somos um time que se mobiliza em  torno de um único objetivo. O lugar comum é uma falácia muito pouco objetiva. Afinal de contas, parceria significa comungação de interesses comerciais e embora isso possa ser aplicável em alguns casos, não resiste da porta para dentro de ambos os lados da fronteira cliente/agência.

A segunda consiste em resignificar as diferenças. Consiste também em reconhecer os erros, as acomodações, os medos. Em determinado momento, as agências renunciam a suas convicções, intuições e até evidências para adequarem-se aos briefings dos clientes, cada vez mais imperativos. E o acochambro é sinônimo, no tempo, de irrelevância.

Mas existem truques eficientes para fazer a auto-crítica dentro de casa.

– Conhecemos coisas, pessoas, assuntos, pontos de vista, que nossos clientes não conhecem (ou não podem acessar) ou estamos sempre mastigando aquilo que eles já sabem?

– O cliente está confortável com seus recursos? Ele acha que tem todo o dinheiro de que precisa? Ou falta-lhe sempre algo de que ele adoraria dispor para poder executar nossas idéias?

– Finalmente, estamos convictos das nossas propostas? E se fossemos o cliente no lugar do cliente, aprovaríamos? Estamos dispostos a investir na nossa idéia a ponto de demonstrar que o nosso também está na reta?

Criação de roer unha

Pequenas especialidades não fazem um grande todo. Intrincar detalhes não compõe uma obra harmônica. Ornamentações não colocam uma catedral de pé.

Quanto maior uma organização ou um projeto, mais especialistas se atravancam com uma infinidade de detalhes voluntariosos. É o cara que conhece aquela particularidade, daquele mercado que tem aqueles problemas, debatendo-se com o outro que conhece outra particularidade de outro mercado, portanto com outros problemas. E de ideias microscópicas em experiências infinitesimais, organizadas num quebra-cabeça sem cabeça, iludem-se que o todo está diagnosticado e o plano de ação, desenhado.

É batata: o resultado é medíocre. Repetem-se velhas formas e surradas estratégias agora devidamente justificadas.

O fervilhar de especialistas experimentados, que pululam nas salas de espera mal dormidas dos aeroportos do mundo inteiro, produzem um briefing de comunicação.

Bem intencionados e cheios de esperança, os inspiradores mal dormem tamanha a ansiedade de pesquisar, analisar, contra-argumentar, canetar e ticar a campanha.

E começa tudo de novo. Lá do início.

A cada ciclo, cada volta apara as arestas, até não sobrar quase nada além do essencial, ou seja, a mesma fucking ideia que já foi fucking bem-sucedida em um fucking mercado com algum fucking problema fucking igual ao nosso.

Acaba um dia, indo para o ar, uma criação de unha roída até o dedo.

O marketing cria?

Coco Chanel, até os últimos dias de sua vida, além de se debruçar de giz em punho sobre os moldes, freqüentava os ateliers de suas costureiras, seus fornecedores de rendas, tecidos e flores, assistia aos desfiles do alto da mítica escadaria espelhada da rue Cambon, supervisionava as sessões de fotos, revisava textos de divulgação, treinava as modelos como se fossem animais de estimação e dirigia todas as campanhas publicitárias.

Não havia Marketing na Maison Chanel. Ou melhor, o marketing era uma atribuição criativa, portanto, Madame cuidava. A divulgação e a propaganda era parte do produto. Ainda é assim na indústria da alta moda: uma marca é construída com conteúdos criativos que começam no produto e terminam no pós venda, passando pela propaganda.

O marketing, que me perdoem os clássicos, é uma muleta operacional. Uma espécie de anomalia do processo criativo. Embora o marketing competente saiba se travestir de idéias e conte para isso com especialistas (agências por exemplo – de propaganda, de tendências, de pesquisas, etc), quanto mais distante do processo produtivo, quanto mais longe dos laboratórios e protótipos, mais alienado da criação. Muitas vezes ainda, o criador, o mestre da fórmula, o talento original aposentou-se e terceirizou a criação para o marketing. Quem faz não cria mais, só executa as estratégias pensadas no andar de cima.

É precisamente para suportar uma utilidade que o marketing se sofistica, produz teorias, ensaios, metodologias, gramáticas de qualificação das marcas, léxicos interpretativos, pesquisas e mais pesquisas, mensurações e mais mensurações.

Se competência se mede em incrementos de vendas, então o marketing é uma ferramenta. Real.

Mas o marketing que se pratica hoje tem veleidades de poder e ao debruçar-se sobre o processo criativo, perora, tergiversa em inutilidades teóricas paralisantes.

E aqui, se a competência se mede em incrementos de imagem, então o marketing pode não passar de uma quimera. Virtual.

Marketing global que estais no céu

Na sala de reunião abarrotada de executivos, prepostos dos acionistas de férias nas Maldivas, um frenesi criativo agita as mentes. Ali irá decidir-se o destino de uma marca e como ela irá formular seus mantras planetários. É também a ocasião de ouro para surrupiar uns minutinhos de fama e ambicionar um memorando de recomendação para posto mais confortável em um país inútil. Há aqueles que sonham em ser CEO da Romênia, ou, quem sabe, CMO na Ucrânia, e os domadores profissionais, matracas de frases de efeito.

Num canto, uma inglesa gigantesca, cabelos tristes e olhar desbotado por décadas de transcrições aproximadas dessas orgias burocráticas, castiga seu notebook. Seu gato persa, está em algum lugar da casa, abandonado à própria agonia. A sobrinha escreve-lhe queixando-se do namorado machão. Há meses que ela não visita a mãe no asilo e, à noite, seu namorado de anos talvez lhe peça finalmente em casamento.

O workshop de café requentado e paletós amassados, ferve a cada palavra nova, fresca, nunca usada em nenhum encontro da “mediocracia” mundial. As missões são alinhavadas na mais vaga das ambições: vamos dominar o mundo com entusiasmo e dedicação.

A inglesa sabe que tudo acaba às seis. Mais meia hora para assassinar um PowerPoint, disparar o email sagrado aos quatro cantos do tabuleiro e correr para comprar para o jantar duas fatias de rosbife e uma geleia de laranja enlatada.

A tarde transcorre e o baile continua, os dribles, os golpes baixos e os transes inspirados.

Lá no escritório central, a masturbação termina e ejacula-se, mundo afora, das mãos da solteirona escriba.