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Porque pedalamos na chucrute

Durante dez longos minutos de pura repetição, Charpentier cantava que Luís era o maior de todos os reis. Durante duas longas páginas, quando não mais haviam epítetos na língua, Camões louvava os reis de Portugal.

Elogios de circunstância ajustam a máquina, preparam o terreno, equalizam o público. Mas depois, a gente fala a que veio e diz o que tinha que dizer.

Nem sempre é assim. Nem sempre a gente tem ou sabe o que dizer. E como ninguém sabe ouvir, só sobram os salamaleques papai mamãe. E a enrolação, a pergunta óbvia, a resposta esperada, o somebody-love, o cenho franzido, o termo rebuscado, até porque, do capo ao cabo, é a pose que conta.

E tem todos os tipos de poses.

Tem a pose de quem comeu tartufo vencido e de quem nunca comeu, de quem bagunçou o cabelo e a de quem terraplanou, de quem disfarça o Givenchy e quem estufa o Chanel, de quem tem cabeça de biruta e quem empina o nariz, de quem estica a corda do bom gosto e quem massacra a formalidade.

Mas a melhor é sempre aquela de quem aquiesça a platitude.

É preocupante a queda de vendas, é magnifico o crescimento de participação, é ousado o desafio, e sim, vamos evoluir para frente, subir para cima e nunca descer para baixo. Vamos unir os esforços, trabalhar juntos em colaboração solidária para que todos de mãos dadas alcancem o bem comum da comunidade de todas as pessoas que fazem parte da nossa grande família de seres humanos, funcionários, parceiros, acionistas, consumidores, e o planeta, e o planeta, claro, o planeta.

E assim, na chucrute, na maionese, no iogurte, a gente pedala.

Tem mala na reunião?

Embora reunião perfeita seja reunião cancelada ou adiada, dá para amenizar o suplício se cuidarmos para não assumir (ou convidar) um dos tipos maléficos.

– Linguiceiro: esse é o cara que geralmente está lá para fazer sala enquanto o quórum não está completo. Esse mala faz os preâmbulos socializantes, é o mestre das obviedades, o passe-partout-pot-pourri, que fala de qualquer coisa e não diz nada. O problema é que quase sempre ele fica até o fim.

– Parenteseador: esse é o sujeito que faz desvios bucólicos pelas vicissitudes da sua vida privada para comprovar qualquer argumentação. Esse rei do “acho” geralmente se perde na condução do raciocínio e, por mais que ele seja engraçado com suas metáforas, é o culpado por todas as sonolências, bocejos e conversas paralelas.

– Aparecido: é o pentelho que quer o tempo todo demonstrar participação, interesse e, principalmente, marcar pontos com a chefia. Como seu foco é lustrar a  própria vaidade ou a dos outros, ele geralmente não está prestando nenhuma atenção e cai de paraquedas num campo de urtiga.

– Torcedor: esse inútil camisa 12 é o indivíduo presente para fazer volume e funciona como as risadas gravadas dos seriados americanos de (mau) humor. Ele é fiel a seu papel e, mesmo que a bola tenha passado a mil quilômetros do gol, ele se manifesta com a mesma desenvoltura e naturalidade.

– Ruidoso: esse palhaço é o mal-humorado que sai o tempo todo, faz conversas paralelas geralmente para ironizar alguma coisa, não tira o olho do celular ou da jujuba que está em cima da mesa. Ele pode ter cargos importantes ou irrelevantes, mas quase sempre perdeu o bonde da profissão e entra de carona para não cair.

Felizmente, reunião de trabalho não é chopp com a malandragem nem jantar com pompa e circunstância.

Infelizmente tem gente que entra em reunião como entra no Orkut para abalar Bangu.

Celular é pornográfico

Numa aldeia do alto Xingu, o garoto era muito danado. Mal educado mesmo, isto é, se educação para os índios fosse um treino compulsório.

O indigenista alarmado com a aparente complacência do pai, pergunta:

– Por que você não diz a ele o que está certo e o que está errado?

O pai, calmo e óbvio:

– Por que ele não perguntou nada. Quando perguntar, respondo.

A gente é amestrado desde pequeno. A comer de boca fechada, não apoiar os cotovelos na mesa, não falar de bochecha cheia, não deixar comida no prato, cruzar os talheres no final e pedir licença para levantar. Não sabemos para que serve, nem nunca nos deram nenhuma explicação, só que era assim e pronto.

Se numa mesa de reunião houvesse pratos, seríamos uns lords. Mas na falta deles, somos uns porcos.

Madame Poços Leitão daria dar saltos mortais se visse os assassinatos da civilidade que acometem nossas reuniões.

Começa pela pontualidade, um conceito vago, muito vago, e contra o qual usam-se os mais diversos álibis, alguns práticos (o trânsito por exemplo) e outros psicológicos (os fodões se fazem esperar).

Segue pela liturgia caótica, pelo ritual tosco. Não há ordem para falar, nem para sentar ou sair. Participa quem quer e quem não quer, interrompe-se sem benção, conversa-se em paralelo, e tem até quem coça a planta do pé, palita o dente, ajeita a calcinha e respira o sovaco.

Mas os piores são os amolegadores de celular. Isso já não é mais uma questão de educação. O onanismo sonoro, vibratório e de dedo é um atentado ao pudor.

Reunião é coisa de atendimento

Talvez a função mais difícil de descrever, numa agência de propaganda, é a do atendimento. Mas simplesmente não suportaríamos trabalhar sem esse avatar apocalíptico, leão de chácara posh, exegeta da confusão, rasputim liberto, réu confesso, mártir masoquista. Sem essa linha Maginot, uma agência de propaganda não passaria de um teatro de marionetes ou o reino dos puxa sacos convictos.

O Atendimento também inventou uma instituição fundadora e sagrada: a reunião.

Como é dificílimo avaliar o desempenho do colega de atendimento – afinal de contas ele não produz nada – talvez seja precisamente na sua capacidade de administrar reuniões que esteja sua maior virtude ou defeito. Por exemplo, um bom atendimento sabe adiar uma reunião como ninguém e os incompetentes não conseguem. Um bom atendimento sabe introduzir uma reunião e conduzi-la. Um mau, faz digressões inúteis e completa frases. Um bom atendimento sabe terminar uma reunião, um mau, sabe começar.

E definitivamente o bom atendimento é aquele que fuzila, esgana e enterra as borboletas desfocadas que transformam qualquer reunião numa babel de maritacas surdas.

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PS: Vejam o que a Regina, Atendimento, dos bons, aprendeu com o Franco, seu filho.