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A Internet está mídia de massa

A redenção proporcionada pela liberdade de escolha na Internet é uma mascarada. A cavalar maioria das pessoas recorre a uma ferramenta de busca para iniciar qualquer navegação. E outra estúpida maioria passa mais tempo em alguma rede social de sua escolha, do que nossas avós na televisão. A promessa de universalidade permanece potencial, mas se dissipa na prática.

Todas as grandes iniciativas na Internet têm por objetivo a concentração. Afunilando todas as portas de entrada – buscas, videos, mapas, tradutores, redes sociais, canais de compra, etc – se a Internet é anárquica na sua estrutura, é um ambiente fértil para ambições monopolistas.

A livre competição é presunção e a sonhada segmentação das audiências, uma quiméra. Qualquer portal minimamente agressivo, se é vertical no discurso, acalenta secreto desejo de abraçar novos e diversificados focos de interesse.

A Internet comercial é movida em primeira instância pela audiência e a lógica não é muito diferente da velha mídia. Claro que o discurso é outro, que vendem-se outros modernos argumentos, mais pertinentes, mais modernos, mais precisos. Mas nas entranhas inconfessáveis dos grandes atores da Internet, o dogma do “mais” em detrimento do “melhor” permanece inalterado.

Se o ovo ou a galinha, se porque as pessoas não gostam de  escolha ou se porque não lhes é dada escolha, não há, nem houve revolução alguma. A Internet mudou hábitos, não mentalidades. Ainda.

O paroxismo da comunicação sem mensagem

No começo era o verbo. Milhares de anos depois o verbo não resolveu o caos. E de tradução em interpretação, o sentido se perdeu e verbo significou comunicação e muito blablablá.

Para o pensador Georges Haldas, verbo é o que une sujeito e objeto, dentro e fora, “em cima” e “em baixo”. Verbo é conexão.

Mas para aterrissar as discussões mais metafísicas, façamos um exercício gramatical para entender o que é essa conexão.

Na sentença “Maria (sujeito) ama (verbo) chocolate (objeto)”, o verbo é o que une Maria ao chocolate. Mas o verbo não é só forma, é também, e principalmente, sentido. “Maria detesta chocolate” dá um sentido diferente à conexão entre Maria e o chocolate.

Se cavarmos um pouco mais o raciocínio, destituindo-lhe de todo brilho filosófico, o verbo é o meio que une sujeito e objeto, o meio que une emissor e receptor. É um raciocínio semelhante que nos fez, um dia, acreditar que a comunicação era a engrenagem do nosso sistema. A comunicação é o verbo (relação) entre um emissor e seus muitos potenciais receptores.

Investimos por décadas na tese de que o meio prevalece sobre a mensagem. Tese extremamente bem sucedida em toda lógica broadcast de transmissão de mensagens. Em outras palavras: fale, grite, repita, à exaustão, qualquer coisa, ou qualquer coisa bem simples, mínimo denominador comum, que o meio se encarrega do mais importante: convencer.

Gastei todo esse verbo aí para chegar no cliché do cliché, que um dia foi genial: o meio é a mensagem.

E veio a Internet, veio o quantum leap e os meios viraram um googol tendendo ao infinito. Incontrolável, com geração expontânea e exponencial.

Como é que faz agora? Ah, já sei: mídia de massa significa de um para muitos e de preferência para todos. Ficamos anos soltando pum sem pedir a opinião de ninguém ou de poucos. O povo ficou puto, inventou a Internet e ferrou a gente mas vamos ferrar eles de volta. Vamos abrir o canal. Vamos fazer a via ser dupla. Vamos ouvir essa gente diferenciada, dar voz à negrada e pronto, tá resolvido. Vamos ser interativos, colaborativos e o escambau.

Mas comunicação é só conexão? Adianta abrir retorno? Verbo não era conexão com sentido? Cadê o sentido?

Às vezes, não dá a impressão que estamos destituindo a conexão de sentido?  A mensagem que uma dia foi substituída pelo meio não estaria agora sendo mais uma vez subvertida pela interação ainda mais vazia de sentido?

A mensagem escrava do meio agora é escrava da interação e assim perde o pouco do sentido, vulgar, que ainda lhe restava.

A mídia de massa é advogada do diabo

Sempre que uma tragédia ocorre, a já eterna discussão sobre liberdade de expressão e Internet inflama as mentes. Radicaliza-se de ambos os lados, seja defendendo um território livre e amoral para a Internet, seja enaltecendo valores tradicionais e achocalhando a produção livre de conteúdos.

É cansativo entrar nesse debate porque todo argumento levado a esse extremo pode estar certo. É  essa mania que as pessoas tem de construir barricadas para a falta de opinião ou para uma opinião torpe, suja, preconceituosa, interesseira: “Vou aqui fazer o advogado do diabo”.

A Internet taí e as pessoas, queiram os advogados do diabo ou não, usam e abusam dela. Para se expressar. Sim, livremente. Mas essa liberdade, todos sabem, é condicionada pelas leis, pela moral, pelos valores. Como na vida de todos os dias, como na vida da rua.

Bin Laden mandou avisos para os Estados Unidos durante anos. Seus discursos circulavam em aparelhos de videocassetes, em fitas-cassetes, em praças públicas, em conversas na Medina e depois na Internet também. Disse o que faria. E fez.

A opinião não é um delito. O discurso não é um delito. A expressão não é um delito. Delito é o fato. Se o marido diz para sua esposa “Vou te matar” e não mata, não fez nada. Mas, se mata, será condenado por matar, não por avisar que mataria.

A Internet não tem nada a ver com essa discussão, pois, se o assassino filmou-se antes de cometer sua barbárie, ninguém viu. Mas, que ironia, depois do atentado, a mesma mídia dos advogados do diabo populariza sua mensagem louca. Dá lhe voz, difusão e credencial.

Em nome de quê? Da mesma liberdade de expressão dos defensores extremados da liberdade na Internet.

No mundo em que vivemos, com a Internet do jeito que é e sempre será, queiram os advogados do diabo ou não, difundir é muito mais sério e irresponsável do que fazer.

O triunfo da criatividade é a mídia de massa

Um grupo de cem arqueiros certeiros é menos mortífero  do que uma chuva de flechas.

Um exercício simples pode trazer muitos incômodos quando auscultamos as fan pages ou comunidades de algumas marcas nas redes sociais. Caem por terra muitos preconceitos e essa simples observação contradiz as mais acuradas das pesquisas. Quando inventarem uma ferramenta capaz de desenhar o retrato-falado médio de uma comunidade dessas vai ter muita gente vendo sua marca, outrora orientada para um determinado público, revisando sua estratégia radicalmente.

A propaganda, que coteja a ciência, e que a cada dia procura ser mais cirúrgica no alcance de seus alvos, muitas vezes renega ou subestima sua maior virtude: a capacidade que tem de seduzir para além da previsibilidade dos objetivos.

A propaganda só alcança seu máximo poder de fogo quando emociona, engaja e compromete o mais insuspeito dos targets: a diet-freak a tomar cerveja, o gordinho a correr, a perua a comprar na fast-fashion, o classe média a se endividar por um carrão.

Uma marca de luxo não faz propaganda para vender suas preciosidades para quem pode mas para quem não pode, uma marca popular não faz propaganda para vender suas bugigangas para quem não tem opção senão recorrer a elas, mas para dar-lhes prestígio e seduzir o outro lado da cerca. Pensar que trabalhamos para lembrar que existimos é ter em baixa conta a arma que manejamos.

Se o óbvio transpira nessas afirmações, ele está ausente em muitas estratégias nas chamadas novas mídias. Lá, vendem-nos o estado da arte da precisão e mensuração. E mais parece um disfarce para acobertar outras deficiências, como a falta de padrão, o baixo impacto, a pulverização, os formatos exíguos.

Claro que podemos ainda alardear os serviços prestados à cauda longa, que não pode se dar ao luxo de desperdiçar cartucho na esperança de fisgar prospects insuspeitos, mas quando estamos falando de grandes estratégias, dar tiros excessivamente precisos é a desculpa para a má propaganda ou justificativa para a falta de ousadia.

Quando a estratégia de mídia é nebulosamente calculada, em qualquer mídia, inclusive as novas, ela resgata a criação e dá-lhe espaço para transbordar de sedução. Fazer propaganda do Corinthians para o corintiano é bico, agora que tal fazer propaganda do Corinthians para vender uma marca para um palmeirense? Esse é um desafio para o qual não há técnica, não há ciência, não há TGI ou Analytics capaz de solucionar.