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A pesquisa aliena a verdade

Quando Simão Bacamarte descreve a patologia dos moradores de Itaguaí, parecem-nos subitamente íntimos vizinhos. Conhecemos cada um daqueles pobres condenados e reconhecemos neles outros semelhantes. No Alienista,  sem ter feito um único focus group, uma única quantitativa e muito menos modernas etnográficas, Machado de Assis desvenda os personagens que perseguimos na nossa badalada ciência da observação.

Só a arte é sincera porque não tem compromisso com a verdade. A arte, se não revela, ao menos resvala na verdade como nenhuma pesquisa é capaz.

Todas as elaboradas técnicas que tentam entender o próximo (o bolso do próximo) não passam de um voyeurismo – muitas vezes bem intencionado –  confrontado a um exibicionismo quase sempre inconsciente.

Ensinaram-nos que o observador altera o objeto observado e por isso somos discretos, condescendentes, ingênuos e fingimos – fingimos – compaixão. A interação tem que ser passiva, absorvente, permeável. Em síntese, o pesquisador finge-se de burro e inocente.

Do lado de lá, ser objeto de estudo é um lustre na autoestima ou pelo menos um divã paciente. Por isso, o observado maquia-se com compostura, elabora o raciocínio, mascara todo reflexo e finge – finge – a verdade. As respostas tem que projetar uma imagem idealizada de si, de seus sentimentos e impulsos. Em suma, o pesquisado finge-se de inteligente e sincero.

Toda pesquisa, mesmo a honesta, é uma charada que depende muito mais do talento do observador do que da técnica.

Os bons observadores são capazes de criar com suas sensibilidades, histórias verdadeiras. Os ruins reproduzem sem originalidade as idiossincrasias das sessões.

Os bons elaboram sem preocupar-se nos embasamentos dos números ou das declarações dos pesquisados. Os ruins nos enfastiam com complicadas teorias que apontam infinitas e nada conclusivas possibilidades.

Os bons estão muito mais para ficcionistas do que pretenciosos donos da verdade. Como Simão Bacamarte, nem sempre são compreendidos e vencem os tristes relatórios com as óbvias recomendações. Uma alienante versão da verdade, a serviço da mediocridade.

A pororoca publicitária

Outro dia passei 4 horas de frente para um telão colossal, aguardando um vôo, em meio a uma desesperante desorganização. Achei que iria enlouquecer. Se frequência e impacto são fatores de convencimento de uma mensagem comercial, eu deveria ter saído lobotomizado daquela experiência. É evidente que excesso de exposição é como um refluxo estomacal. Mas passados alguns dias, não conseguia sequer me lembrar da marca anunciada e tampouco do conteúdo do comercial.

O fenômeno me deixou perplexo. A decoreba involuntária surtiu o mesmo efeito que aquele curso de sleeping-mandarin que comprei anos atrás em que um alto falante dissimulado debaixo do travesseiro repetia a lição ad-nauseam.

Fui atrás e, nas minhas investigações, descobri que o comercial era de carro. Parece ser uma dedução lógica: o que mais poderia ser anunciado em um aeroporto francês, num telão nababesco sem som? E o que mais além de um comercial de uma montadora francesa poderia ser mais sem graça e irritante?

Na briga pela atenção, a experiência do aeroporto é uma boa metáfora para a publicidade de jaleco branco à qual nos submetemos diariamente.

Criam-se comerciais de situações, sucessivas, repetitivas, sincopadas por uma música ritmada e um texto como um scat sem sentido: la dum ba dum pa. Então vem a pesquisa e analisa a atenção detalhada do consumidor cena a cena. Elaboram-se gráficos precisos que irão definir quais devem prolongar-se, quais devem ser suprimidas e qual é a ordem adequada. Uma espécie de sanduíche sem pão: só bacon com maionese.

Difícil dizer o que vem primeiro: a preguiça ou a dissecação. Mas é certo que uma se alimenta da outra: a preguiça criativa é prato cheio para o furor da pesquisa, a pesquisa é um prato cheio para a falta de imaginação. Ou a falta de imaginação é um prato cheio para o lugar comum over-produzido. E a pesquisa assassina, um prato cheio para aliviar a mediocridade.

“Não se vai tão longe quando se sabe aonde vai.”

O autor dessa frase foi longe. Muito longe. Inventou a América. Cristóvão Colombo, contra toda lógica, venceu o medo e atravessou o abismo que separava o velho mundo do novo.

Coragem e intuição é o nome do jogo que muitos chamam de acaso. Porque somos medrosos, construímos lógicas e acreditamos em dados. Chamamos isso de ciência. E entre o acaso e a ciência, ficamos com a lógica. O resto é misticismo, fantasia, poesia.

Um dia sacramentou-se que comunicação era ciência, que consumidores eram números, que agências de propaganda, linhas de montagem e, que o marketing, um banco de dados.

A pretensão científica – baseada em lógicas vulgares e manipulação de dados – criou uma pressão por metas cada vez mais difíceis de alcançar com investimentos cada vez menores. Dessa matemática nasceu o mal, a patologia, a doença que acomete a todos: o medo. Medo de não alcançar aquele objetivo que vai pagar aquele bônus no fim do mês. O medo de fazer menos do que esperado. O medo de fazer mais do que o esperado e gerar uma meta ainda maior!

A pretensão científica também relegou a intuição a uma reles ferramenta, uma muleta.

É evidente que a intuição não é uma força bruta, incontrolável e desorientada. Mas é impossível colocar um ovo em pé partindo de quantificações de qualquer espécie, share, vendas, dinheiro, índices, coberturas, frequências, ROIs e que tais.

O que acanha a intuição é, por definição, o objetivo de marketing, o saber-aonde-se-vai cheio de números . A intuição se nutre de outra matéria: observação, repertório, liberdade. Mas quando sabe-aonde-se-vai, a intuição é subjugada pela preguiça medíocre, pelo lugar comum, pelo mínimo denominador comum, pelo easy listening, easy watching, easy understanding.

Nada de errado em fazer propaganda que sabe-aonde-vai. Ela paga bem. Tem ótimo custo/benefício. Vale a pena, cada centavo investido.

Sim, dá para fazer propaganda assim, partindo de insights matemáticos. Não somente dá como é praticamente a regra. Propaganda funciona. A banal e a inspirada.

A banal chega aonde-se-quer-chegar; a inspirada chega aonde nunca-se-pensou-chegar.

Artigo originalmente publicado no Caderno de Propaganda e Marketing de 22 de julho de 2013

A, B ou C: gente ou contingente?

Numa recente exposição de arte, um homem e seu filho, trajando camisetas de um time de futebol e visivelmente pouco à vontade com o ambiente, foram abordados por um jornalista.

– O Senhor está gostando da exposição?
– Muito.
– O Senhor costuma frequentar esse tipo de lugar?
– É a primeira vez. Mas gosto muito.
– Pretende voltar?
– Claro.

E apontando o filho com orgulho e autoridade:

– Estou investindo nele.

Da comida para a cultura, da casa própria para a educação, da saúde para a informação, a fome do brasileiro mudou.

Com indiferença estatística e frieza matemática, chamam-nos de emergentes ou dão lhes siglas. Herança de um tempo em que populações eram contingentes, pessoas eram consumidores e só interessavam números superlativos. Minorias ou indivíduos não participavam da cidadania nem do mercado.

Naquele tempo, pessoas que votavam em massa acéfala e que compravam por impulso idem, eram uma estatística, um número. Número vultuoso mas impermeável ao desejo de compreensão.

Isso era ontem e ainda permanece, hoje, em muitas pesquisas eleitorais ou mercadológica.

É chegado o tempo de cessar, aposentar, esquecer esse tipo de classificação. Parar de ver votos e bolsos ao invés de pessoas.

É chegado o tempo de construir outro tipo de lógica, trans-social, trans-financeira. Podemos – e devemos – organizar nossos alvos (outra palavra odiosa) em função de seus valores e aspirações.

Se o Senhor da exposição da Tarsila do Amaral for analisado pelo bolso ou voto, sabemos que pertence a uma massa de X% da população brasileira.

De que nos serve esse número além de reforçar um preconceito insidioso?

Não seria mais inteligente e útil saber, todas os bolsos e votos confundidos, quantos brasileiros têm os mesmos gostos, os mesmos sonhos, as mesmas fomes?

PESQUISA 4.0? Por Vera Aldrighi

Na sua coluna do dia 06/02 na Folha de São Paulo, Pesquisa 4.0, o redator e empresário Nizan Guanaes desafia pesquisadores e usuários de pesquisa a reinventar seus procedimentos.

Creio que não haverá o debate que espera, pois sua polêmica tem apelo restrito ao meio propaganda e marketing, público pouco afeito a expor e criticar publicamente particularidades de seus negócios e relações profissionais. Mas acho que ele toca em questões importantes que merecem e devem ser discutidas.

Para resumir sua tese: Nizan atribui a mesmice e o desgaste das fórmulas publicitárias repetitivas e padronizadas ao uso de pesquisas que não estão sendo suficientemente renovadoras em seus métodos, análises e interpretações.

Acho que ao desenvolver seus argumentos Nizan fala verdades, mas se engana na proposição.

É certo que estamos todos sendo obrigados a mudar num ritmo que não estamos conseguindo. E que a publicidade não está inovando tanto quanto dela esperam o público e os anunciantes: como ele mesmo diz, “basta ligar a TV”, para constatar a chatice infinita dos clichês que se alastram como praga por todas as categorias de consumo. E é certo também que o uso excessivo e pouco sensível (burocrático, autoritário, controlador) com que grandes empresas usam pesquisa, mais atrapalha do que ajuda as agências a encontrar saídas mais criativas.

Mas o uso de técnicas de pesquisa que se apresentam como inovadoras e revolucionárias parece que também não estão resolvendo o problema. Pois elas já existem em profusão e já estão sendo largamente vendidas e experimentadas pelas agências e seus clientes. Para constatar, basta olhar a esteira de sites com as apresentações de empresas do setor.
Nizan exagera ao cobrar da pesquisa tanta responsabilidade sobre a qualidade criativa no resultado final da comunicação publicitária. O rabo não abana o cachorro. No mundo propaganda e marketing, pesquisa é uma ferramenta, ao lado de uma crescente variedade de outras, com pequena e marginal (talvez até decrescente) participação proporcional nos negócios desse setor.

Arrisco dizer, sem fazer as contas, que o uso de pesquisa não representa nem um milésimo dos altos valores investidos em mídia, produções, promoções, eventos etc. Valores investidos, principalmente, na estrutura profissional das agências, com especialistas muito bem pagos para ter ideias, elaborar estratégias, e para usar com perspicácia as ferramentas e o expertise em investigação do consumidor.

Mesmo profissionalmente bem aparelhadas, parece que as agências não estão conseguindo se entender com os seus clientes a respeito de uma política de uso inteligente de recursos de pesquisa aplicados ao desenvolvimento de boa comunicação (como conduzir o processo em conjunto, usar para que, com quais objetivos, em quais momentos, o que medir, que estímulos usar, como escolher fornecedores e técnicas, como interpretar e avaliar resultados, e por aí vai).

Em minha experiência de fornecedora de agências e anunciantes observo profissionais cada vez mais desmotivados para o trabalho de investigação, entrando a contragosto em projetos que estão sendo obrigados a conduzir ou acompanhar.

Para entregar um bom trabalho vejo-me muitas vezes na incômoda posição de tentar satisfazer expectativas divergentes, de suprir lacunas de conhecimento de ambos os lados, de apaziguar antagonismos preconceituosos e harmonizar visões conflitantes.

Assim como tantas outras áreas ligadas a marketing e comunicação, a oferta de serviços e metodologias de pesquisas do consumidor é crescente e variada. De 1.0 a 4.0, há alternativas para todo gosto, necessidade e capacidade de escolher.

E, como já disse, o que não faltam são propostas arrojadas de abordagens inovadoras que prometem a resposta de um bilhão de dólares como descobrir as tendências que revelam o futuro, mapear as profundezas do cérebro do consumidor, detectar motivações inconscientes ou inconfessáveis. E que propõem “novos olhares” sobre isto, aquilo, e tudo mais.

Mas apesar de tantas promessas arrojadas não é a inovação, ou a tentativa de inovação, que mais diferencia empresas e profissionais que competem nesse mercado. Infelizmente a realidade é bem mais prosaica, e o buraco bem mais embaixo. O que mais diferencia ainda é preço e qualidade.

E a qualidade do serviço de pesquisa continua sendo definida por confiabilidade, seriedade e ética profissional, inteligência e conhecimento. E sobretudo pelo expertise teórico e científico para analisar dados estatísticos e manifestações complexas do comportamento humano. Coisas que têm preço, porque são raras e custam anos de estudo e dedicação!
Como em toda área do conhecimento, não haverá inovação legítima e relevante sem que os pesquisadores tenham ralado e construído essa base de sustentação profissional. Necessária não só para quem faz e analisa, mas também para quem planeja, compra e usa os resultados.

Pesquisa séria e confiável, usada de modo sensível e inteligente, não é só uma parceria segura para quem quer reduzir o risco de decisões que envolvem altos investimentos (e há sim metodologias muito eficientes para isso), mas também uma parceria inspiradora (insightful, como se diz no meio) para quem precisa inovar. Há eficientes e sensíveis técnicas exploratórias que ajudam as agências a encontrar saídas criativas para a comunicação de seus clientes.

Há, sim, por aí, muita pesquisa inútil e mal conduzida. Mas nem por isso pode-se dizer que a pesquisa ruim é culpada pela propaganda ruim. Va lá, elas apenas se merecem e caminham juntas.

Agências em trabalho de prospecção prometem jurar princípios todo o dia sobre a bíblia da corporação cliente. Prometem mandar suas equipes de ponta observar consumidores em supermercados ou em seu habitat e até comer empadinhas todas as noites em banais e tediosas reuniões com pessoas pouco interessantes que parecem mentir sobre seus reais desejos de consumo.
Mas muito cedo se instauram as dificuldades de relacionamento, a falta de motivação para buscar novas soluções, os conflitos de egos, de interesses e as diferenças nas posturas e filosofia de trabalho.

Sei por experiência que quando clientes e agências não se entendem sobre a importância a finalidade e os objetivos da pesquisa, ou quando profissionais de ambos os lados não tem o conhecimento, a motivação, a sensibilidade ou capacidade intelectual para acompanhar e entender os resultados de um processo complexo de investigação seriamente conduzido, não há santo pesquiseiro, nem tecnologia 4.0 que possa operar o milagre da criatividade!

Vera Aldrighi
Diretora da Vera Aldrighi Clínica de Marcas.

Publicitários e profissionais de marketing: vítimas da própria criação

Cada vez que o assunto aqui é pesquisa de comunicação, a curva de audiência alcança os pícaros dos 15 minutos de fama.

E quanto mais radical for a opinião, quanto mais direta, quanto mais destruidora, mais júbilo. O jargão assinado tira da reta o reto de quem cita. Só isso é um sinal.

As pesquisas de comunicação fazem muito mais estrago  nos resultados objetivos das marcas do que na moral dos publicitários e profissionais de marketing, ambos vítimas conformadas da própria criação.

O problema concentra-se na presunção da verdade.

Pesquisas do tipo alegado são contratadas como pitonisas. Prevendo o futuro com o insidioso poder de manipular seus   atores, não passam de catalisadoras de mentiras e interpretações corrompidas.

Primeiro porque não existem verdades quando tratamos de emoções humanas. Não existem verdades em intenções, pulsos, reflexos e sonhos.

Segundo porque, na vida, não há causa e efeito nem determinismo. Consumidores são pessoas, portanto, como nós, vogam ao sabor de seus desejos e à deriva.

Terceiro porque o consentimento social é mais poderoso do que a opinião. A aprovação do grupo altera a verdade íntima, a memória e até as convicções mais sangúineas.

E quarto porque quem lidera, modera, interpreta e decide as pesquisas também é gente, ou seja mente,  divaga e teme  o próximo.

A propaganda é um teatro grostesco em que marionetes cambaleantes fingem a verdade nas mãos de gepetos manipuladores.

Pesquisa ou a falácia da verdade

Menos impostos significa mais investimento e mais investimento, mais emprego. Depende, porque quem não gosta de imposto é o lucro, não o emprego. Energia limpa é energia renovável, como a água. Depende, pois água depende de floresta e floresta de água. E a floresta não gosta de barragem. A verdade do sistema capitalista é o lucro, a do sistema ambiental o equilíbrio. E a verdade é inimiga mortal da malandragem, do truque, da cortina de fumaça, da falácia.

A propaganda é muitas vezes uma fábrica de falácias poderosíssima que sobrevive à base de agendas pessoais justificadas por pesquisas.

Funciona mais ou menos assim:

Tem-se um problema de marketing. Entra então o arsenal dos falaciosos que gargareja achismos intelectuais que gostam de chamar de criatividade. E a ciência da manipulação mais conhecida como pesquisa comprova os insights mais conhecidos como agendas pessoais. Bingo: o chute vira verdade e a verdade vira briefing.

Mas tudo bem, quando a plataforma,  mais conhecida por campanha, vai para o ar, tem mais pesquisa para comprovar a verdade que se queria.

A verdade é inimiga da vaidade e por isso dói. Mas como disse o economista M Reich, “a verdade não é o meio do caminho entre o certo e o errado”.

E nenhum, nenhum grande posicionamento nasce no meio do caminho.

Consumidores primatas e especialistas brilhantes

Os consumidores mentem. São influenciados. Não têm opinião própria. São burros e ignorantes. Repetidores treinados que não sabem emitir julgamentos novos, suas referências são lugares comuns. Gostam de dar opinião, mesmo que não acreditem ou não entendam o que elas significam.

Esse bando de chimpanzés, esse rebanho de ovelhas são o que somos, na média, todos nós. Essas bestas que somos compram. Por isso precisamos delas. E, porque dependemos de suas escolhas, ouvimos o que elas têm a dizer.

Especialistas sabem dar opinião, acreditam no que dizem e entendem o que lhes perguntam. Especialistas são pessoas que dedicaram muitos anos de suas vidas fazendo a mesma coisa. Essas coisas que fizeram tanto mobiliam o imaginário e moldam a lógica.

Essa seleção de amestrados, esse clube de pacientes malabaristas são pessoas que precisamos para nos ajudar a entender os animais que compram. Dependemos de suas opiniões e de suas inteligências treinadas.

Como esperar inovação ou frescor do calejado especialista que decodifica a massa sem forma, sem cheiro, sem graça? Porque muitas vezes os papeis se invertem: especialistas pensam como consumidores e consumidores como especialistas.

Por que será que não podemos selecionar consumidores diferentes, cuidadosamente pinçados por suas habilidades originais? Por que será que não podemos escolher especialistas puros, sem vícios, sem experiência para ouvir e relatar? Para experimentar, divertir-se ou inspirar.

Pesquisa é olho na nuca

Existe um nítido conflito que estabelece uma fronteira entre duas abordagens da visão do que é propaganda.

Em resumo, esse embate baseia-se na resposta à pergunta: “com quem devemos estabelecer contato?” Por um lado podemos preocupar-nos com o consumidor como ele foi. Por outro, com o consumidor como ele será.

As duas abordagens subentendem diferentes posturas e expectativas, diferentes métodos e produtos de comunicação.

Para fins analíticos, é importante não cair na simplificação preguiçosa do “dá para conciliar”. Claro que dá, sempre dá para estabelecer uma média ou uma conjunção, mas, quando queremos definir uma visão, esse tipo de arranjo soa falso.

A abordagem do “olho na nuca” significa que devemos entender como é, o que pensa, como age, como reage, como se emociona o consumidor que queremos sensibilizar. Para isso devemos cercar-nos de informações precisas e abrangentes. Também analisamos onde, em que meio o consumidor pode ser encontrado e tocado. Todas as pesquisas de mídia são olho na nuca por exemplo, e a grande maioria das exploratórias, também. Quando falamos do target, não estamos evidentemente nos referindo apenas àquele atual, mas também àquele que queremos abarcar. Nessa visão, a propaganda crê na ciência e no determinismo. “Ele é assim e para esse assim devemos comunicar”.

Já a abordagem do “olho na testa” significa que entendemos que as pessoas não estão tão predefinidas quanto nos faz crer a ciência. Cremos que as pessoas não se conhecem tanto assim quando nos dizem quem são, cremos que elas mentem também, se projetam e se inventam. As pesquisas não são muito úteis nesse caso porque as pessoas mudam a partir de estímulos imprevisíveis. Com o olho na testa, só podemos contar com a sensibilidade, a intuição e a fé. E só é muito. A propaganda que investe na sua capacidade de transformação das pessoas é aquela que acredita que o risco é o motor do possível. “Ele é assim mas vamos mudar esse assim”.

A propaganda é técnica quando o olho está na nuca. A propaganda é arte quando o olho está na testa.

As pesquisas reiteram preconceitos

Por mais moderna que seja a pesquisa de marketing e comunicação, todas partem de  filtros classificatórios por região, sexo, idade e classe social. Para fins analíticos, ainda que as conclusões não tenham por objetivo segregar, é inevitável.

Faz cada vez menos sentido avaliar diferenças de comportamentos em função de critérios que não levam em consideração as profundas mudanças que a sociedade da informação trouxe.

O sentido de identidade regional é uma abstração que se baseia menos nas  diferenças e mais por simples necessidade organizadora. O pertencimento cultural é fator de gosto e preferência antes de estar enraizado na  tradição geográfica. A preferência por um conteúdo ou uma marca no Acre pode ter exatamente as mesmas motivações que as do Rio Grande do Sul porque os dois estados estão separados por um clique rápido, simples e gratuito.

O exemplo vale também para a segregação sexista, etária e de nível socioeconômico, por razões diferentes. Homens e mulheres, velhos e jovens, ricos e pobres são mais iguais do que diferentes em seus gostos, visões de mundo, ambições e sonhos. E cada vez mais iguais com o tremendo e incontrolável curto-circuito de informações que a Internet proporciona, indiscriminadamente. Mas insistimos com a lógica classificatória por falta de imaginação ou preguiça metodológica.

É evidente que não interessa muito analisar o comportamento de homens quando se vende absorvente feminino, ou de crianças quando se vendem carros, no entanto, as pesquisas clássicas são preconceituosas na largada quando classificam os analisados por critérios sociodemográficos.

E o preconceito é muito latente quando o corte é por nível de renda, instrução ou classe social.

É esse tipo de pesquisa, por exemplo, que reitera que a classe C tem dificuldades cognitivas e que, por isso, a comunicação para esses “pobres coitados” tem de ser racional, simplória e repetitiva. Que a classe C, feia e gorda, gosta de celebridades cacarejantes e clichês aspiracionais. Que a classe C, ignorante e desconectada, entende melhor a gritaria, o splash, o demo de produto, a fórmula problema-solução e não entende patavina de narrativas, de histórias, de linguagem clipada.

Vá la que até pouco tempo atrás era difícil pensar em outro tipo de recrutamento de pesquisa que não usasse de filtros sociodemográficos.

No entanto, já existe um terreno muito fértil, as redes sociais, para um tipo de pesquisa muito mais inspiradora.

Uma rede social agrupa indivíduos que se encontram e interagem por afinidades antes de sê-lo por região, sexo, idade e classe. É nas redes, e em seus agrupamentos, que podemos encontrar tipologias humanas cujas similaridades de comportamento e gosto são muito mais determinantes no processo de decisão de compra de uma marca ou de um conteúdo do que sua tradição regional, seu sexo, sua maturidade, instrução ou capacidade de consumo.

Em tempos de redes abertas, o preconceito, ainda que inconsciente, é uma simplificação intelectual ineficiente.

Pesquisa é jogada de marketing

A gente ainda acredita nos interrogatórios reveladores: se reunirmos consumidores numa proveta e os estimularmos  com indiretas muito espertas e desvios malandros, iremos descobrir os mais inadmissíveis impulsos consumistas.

E os consumidores são muito bonzinhos, crédulos e previsíveis. No laboratório, eles são dóceis e inocentes. São uns fofos porque burros e ignorantes. Que conforto perceber que a massa é tão ignara, padronizável, manipulável!

No culto, todo mundo é santo.

E nós, os espertinhos de jaleco atrás do espelho, puxamos as cordinhas das marionetes.

Mas, para o consumidor, marketing sempre foi sinônimo de mentira, e propaganda, atestado de burrice: “Ah, mas essa Propaganda é só uma Jogada de Marketing!”.

É por isso que ele mente tanto nas salas de pesquisas.

Em uníssono para que seja conclusivo. Afinal de contas, é para fazer isso que ele foi pago, entre uma coxinha e outra, “marketing”!

Pesquisa não mente. Mentiroso é quem pesquisa

Ninguém move uma palha sem pesquisa. Também pudera, somos tão inseguros! E é para o que servem todas elas: birutas, balizadores, muletas ou escudos, dependendo da nudez das certezas.

Existem as pesquisas para inspirar e as pesquisas para confirmar (ou negar). Não se deve confundir as duas, senão incorremos no erro clássico e crônico: paralisia criativa, perpétua repetição de fórmulas, monotonia.

Pesquisas qualitativas, quaisquer que sejam as técnicas, são da primeira categoria. São frustrantes para quem nelas procura ideias prontas. Qualitativas são trampolins, pontos de partida e perigosíssimas para quem nelas acredita. Qualitativas são tiroteio, experimentos. Toda pesquisa qualitativa é mentirosa na sua essência, porque só da mentira, da ficção e do sonho nascem as ideias. Essas pesquisas são projetivas, é para isso que foram inventadas, nunca para investigar o passado.

Já as pesquisas quantitativas, todas as metodologias confundidas, são confirmadoras. Confirmam ou refutam uma suspeita inserida na pergunta. Elas são estatísticas,  portanto, exatas. Sempre serão inúteis para quem busca tatear no devir. Elas servem para dizer que “foi assim”, não servem para dizer “assim será”. Não se deve acreditar em tendência de pesquisa quantitativa. Pesquisa quantitativa é investigação histórica, é para isso que existe, para documentar, não para projetar.

E o problema, o problema é o erro de diagnóstico que confunde os propósitos. É achar que se quer inspiração quando se quer confirmação. Ou que se quer confirmação quando se quer inspiração. Dá no que dá.

Quando a pesquisa qualitativa explica o que aconteceu, quando a pesquisa quantitativa sinaliza para onde ir, andamos para trás ou não saímos do lugar.

Mamãe, você acredita em pesquisa?

O arco-íris é uma cobra maléfica que reside no fundo das águas. Em tempos imemoriais, os índios e os pássaros – ainda semi-humanos – uniram-se para destruí-lo. Tiveram sucesso. Os pássaros fizeram a divisão da carcaça do monstro. E foi assim que os seres alados coloriram-se e cantaram. Os homens celebram a vitória até hoje, ornando-se de penas. Os índios acreditam no mito porque ele está impresso na intuição dos anciãos e, dessa fé, nasce a coragem para enfrentar os espíritos.

Nós acreditamos em Deus, ou no maldito, na ressureição, ou fim de tudo, no pé do homem na Lua, na Guerra do Golfo, no aquecimento global e até em campanhas publicitárias capazes de transformar marcas em ícones sagrados.

Mas duvidamos, sempre, da idade da Terra, da quantidade de mortos nas guerras, do tamanho da camada de ozônio e até da correlação entre preferência de marca e participação de mercado.

A fé não tem dúvidas, a ciência é cheia delas. Ciência e dúvida são vasos comunicantes, porque é da segunda que a primeira se nutre para evoluir.

Desde que a propaganda arvorou-se o mérito de engraxar as economias de mercado, ela careceu de cartas de nobreza, comprobatórias, que elevariam a sua arte aos pícaros da ciência. Assim nasceram as pesquisas, sepultando as crenças, a intuição, a experiência e o colhão.

Para começo de conversa, a gente precisa “sentir o pulso” do consumidor. É analisando seu comportamento, suas ambições, suas repulsas, suas esperanças e reflexos que passamos a acreditar em certos preconceitos. Nossas crenças são todas devidamente mensuradas.

A partir dessa cautelosa observação, monitoramos nossos impulsos, criamos regras e cabrestos para controlar nossa transbordante imaginação, fantasia e criatividade. Nossa intuição deve ser toreada para não trair a ciência.

Então encarceramos os preceitos “descobertos” em metodologias, decalques desavergonhados de outras mais nobres áreas do conhecimento. Assim, o mais neófito dos decorebas – sempre mais barato, mais petulante e mais ingênuo – pode contrariar com veemência a experiência adquirida com muita porrada.

Finalmente, armados até os dentes, seguros pelos números que iremos reportar e que nos servem de escudo contra imprevistos – afinal de contas, seguimos as regras da cavalaria yankee – a gente tem colhão para colocar-nos à prova.

É mais ou menos assim que a propaganda segue, de bravatas em descobertas pseudo-óbvias. A gente crê – sem fé – na propaganda científica.

Mas acreditar não é nada disso. Acreditar não se justifica, não se mede, não se duvida. A crença vem lá de dentro, de uma inefável certeza que brilha nos olhos, faz o sangue ferver e a mente perder o controle.

Quando o pregador subia na montanha e recitava parábolas que moviam multidões, ele não tinha saído de uma sala de pesquisa nem mergulhado em relatórios sem alma. Na elevação vizinha, tinha os donos da lei, os recitadores de preceitos, os estrategistas e os homens de marketing enfastiados de power-points e teias de aranha, gráficos, pirâmides, pizzas e outras representações estéreis. Mas ninguém ligava, eles eram muito chatos.

Mas como é que a gente vence, então, a inércia do briefing? Como é que a gente faz para começar? Sem pesquisa, em geração espontânea, só do umbigo pra fora?

E, depois, como é que convencemos os burocratas? Sem pesquisa, lá da Conchichina, nego não vai entender grande coisa.

Os números são armas poderosas nas mãos dos déspotas e burros. A ciência foi caudatária de todas as tiranias da história. Não é inteligente seguir números e pesquisas. É falta de originalidade, opinião e livre-arbítrio.

Em compensação, se crescemos nas pesquisas como se crê no arco-íris, talvez fôssemos capazes de romper monótonas barreiras. Talvez assim pudéssemos levantar o sonolento consumidor, entretê-lo com aquilo que ele ainda não sabe e não disse nos infindáveis interrogatórios aos quais os submetemos.

Pesquisas deveriam ser acreditadas, e não seguidas.

Artigo originalmente publicado em Meio & Mensagem, edição 07/06/2010

A conclusão da pesquisa é… ou não…

Ela apareceu, comunicativa e com um sorriso farto que disfarçava-lhe sutil buço oxigenado. Os convivas aboletaram-se à mesa encabeçada por uma reluzente apresentação de pesquisa.

Depois dos preâmbulos de praxe, as conclusões desfilaram, entrecortadas por pitorescas verbalizações.

“A X é muito boa. Sempre compro”  acompanhada de seu inevitável corolário “Não compro nunca. Acho muito ruim. Prefiro a Y”.

No primeiro capítulo das impressões gerais, o cenário é claro: as opiniões estão divididas, e os “por-um-lado-por-outro-lado” suspendem a respiração da platéia.

Aprofunda-se então ponto por ponto, detalhadamente consideram-se as opiniões divergentes, por vezes eloquentes “mas é uma grande porcaria”, por outras tímidas “não tenho opinião formada” ou literárias “deveras inconseqüente opção que me resta se não aquela que por ora se me apresenta levando em conta a baixa estatura de meus proventos mensais”.

Em resumo gráfico, animado e enfático, a mestre de cerimônia que moderou, analisou e conjecturou em longas horas insones o profícuo estudo, declara “para os compradores da X ela é ótima, não resta dúvida. Já para aqueles que preferem a Y, está claro que não gostam de X”. Mas a relativização é inequívoca: “existem diversos motivos para provocar tanto a simpatia dos fiéis consumidores quanto o mau humor dos rejeitadores” e num rompante de ousada solidariedade: “vocês hão de convir que faz sentido, não é mesmo?”.

Finalmente, o aprofundado esclarecimento chega ao fim e encerra-se com motivadora sentença: “Pode-se renovar, mas é importante evitar romper com a categoria sem a oportunidade de um estudo específico. Fim e Obrigado.”

Despertar os consumidores pra quê?

A audiência é cândida. Crente.

Mídias de massa pressupõem públicos dispostos a acreditar, sem partis-pris e até bom senso.

O mecanismo da comunicação publicitária nas mídias de massa não privilegia a mensagem mas a forma, nem o impacto mas a repetição.

O efeito da forma – entorpecente, e da repetição – pavloviana, é a desejada adesão, inconsciente, portanto instintiva, a uma marca.

Mas porque somos cartesianos por formação, não sabemos medir os coeficientes inconscientes de convencimento. É por isso que tantas pesquisas medem o supérfluo. Não existe correlações matemáticas no cérebro límbico.

A gente quer achar causa e efeito entre stopping power e absorção de mensagem, entre absorção de mensagem e intenção de compra. A nossa lógica é cristalina: quanto maior o impacto, maior a concentração na mensagem, e quanto mais assertiva a mensagem, clara, simples, verdadeira, maior o convencimento. O consumidor só  desperta se tiver impacto. Se despertou, ouve. Se ouviu, convenceu-se.

Isso é desconhecer, ou esquecer ou desencanar da nossa própria natureza, humana.

Despertar um consumidor significa pedir para ele ligar o tico com o teco, colocar seu “cogito ergo sum” para funcionar. Ele acorda, ouve a mensagem e imediatamente coloca-se em posição de guarda e crítica. O risco é grande dele achar a mensagem boba ou mentirosa, por puro espírito de porco que é como funciona nossa cachola.

Por que será que queremos acordar os consumidores se eles estão afim de madornar?

O consumidor é mentiroso

A comunicação é a mais desafiadora das missões porque é uma impossibilidade humana. Transformar nossos monólogos esforçados em interação é uma quimera. O discurso, por mais elaborado e preciso, e embora intencionalmente dirigido, não passa de um espelho embaçado.

De que adianta perguntar se a resposta é sempre uma mentira descarada?

A gente pergunta “você gosta?” ou “você concorda?”. E eles respondem com uma única vontade: a de passar adiante. O “sim” ou o “não”, quando muito, são circunstancias e passageiros. E quando elaborados, lá vem aquele monte de resposta óbvia.

Sem falar, claro, da nossa formidável capacidade interpretativa de transformar, adulterar e fantasiar as respostas ao sabor das nossas próprias convicções ou intenções.

As pesquisas são isso aí. Queremos que os caras confirmem nossa crença. Não estamos preparados para confissões.

A gente devia observar mais e interrogar menos. Anotar o que se vê, se sente, se intui e descartar o que se diz.

Esse é o único método.

E através da linguagem expressar o que o mundo nos revela.

Consumidor é uma espécie desgraçada

Não é fácil gostar de gente. Os outros são tão diferentes, a comunicação é tão difícil e a compreensão tão vaga que lidar com essa massa de humanos que nos cerca é um  calvário por vezes difícil de suportar.

Só que não temos saída, temos que tentar entender e interagir.

Todas as profissões são espécies de terapias de humanização. Algumas menos, algumas mais. E outras demais.

É o caso do cara de comunicação, do publicitário principalmente. A gente está sempre cheirando o sovaco das pessoas e sem nenhuma capacidade de avisar que elas “nos” fedem.

Só podemos observar, e por sobre a constatação – ingrata, dolorosa, injusta, revoltante, decepcionante, abjeta ou no máximo medíocre – achar um jeito de falar com a  turba.

Para facilitar a nossa vida, tem um jeito de conhecê-los mais asséptico, menos comprometedor e livre de contaminações perigosas: as pesquisas que basicamente encarceram esses nossos insuportáveis semelhantes em questionários. Ou então a gente vai se esconder atrás de uma sala de espelho ou do coitado do entrevistador/ moderador (esse daí tem um carma monumental a pagar para ter que suportar essa confrontação diária). Dá um certo alívio, claro.

Apesar de quase inútil – porque a gente nunca se conforma com a baixeza da espécie – esse tipo de pesquisa serve pelo menos para reafirmar a nossa superioridade semi-divina.

O cinismo também é uma defesa. Mas às vezes, é bom despir-se dele.

Por exemplo para dizer que essa maneira de pesquisar é preconceituosa e covarde. Que só tem um verdadeiro jeito de fazer algo que preste nessa nossa profissãozinha: aprender a gostar dos consumidores, conviver com os caras, olhar no olho deles, tocá-los, cheirá-los. Mesmo que eles fedam, como todos nós.

Ah, mas isso é só marketing!

O cinema que, das artes, é a mais comercial de todas, tem muito que aprender com a gente. Quando muito, fazem lá uns testes de platéia com público “de verdade”. No máximo, fazem uns cortes ou então mandam o diretor colocar uma voz em off para explicar o roteiro. Primitivos, diríamos.

Nós, para míseros 30 segundos, fazemos qualitativas diversas, pré-testes quantitativos com desenhinhos ou filmes prontos, mudamos tudo, colocamos a história de perna pro ar, cortamos sem cerimônia, acrescentamos uma pitada de brand, outra de intenção de compra, e mais uma de lembrança de posicionamento e stopping power. Uma ciência infalível. Temos grana, então dá até para jogar tudo fora e começar de novo. Temos tempo porque planejamos o natal no carnaval, mesmo que o papai Noel venha magrinho ou perdulário.

E a gente dá sempre certo no final porque os resultados dos pós teste, a gente sabe usar a nosso favor: dá-se um copy-paste de prestidigitação na apresentação. Se não rolou o índice certo, a gente mostra o outro, ou inventa um tsunami imprevisível, ou os responsáveis somem do mapa e a culpa era deles.

Do lado do consumidor, sua apreciação daquilo que para nós é tão preciso se resume num entusiasta “ah, é só marketing!”.

A frase é carregada de sentidos. Pode significar aquilo que nós chamamos de “licença publicitária”, ou seja, é o exagero que qualquer mentira bem contada comporta justamente porque é mentira.

Tem também um outro, que é uma espécie de depreciação raivosa: “é marketing dos caras, não dá para acreditar!”.

Finalmente também pode ser seguido de um gesto de “deixa pra lá”.

Mas às vezes o cara se diverte de verdade, comenta, espalha. Essa é a boa propaganda que não é “só marketing”.

É aquela que está no youtube, sem cortes nem enxertos científicos. A propaganda que deixou todas as pesquisas mutiladoras no power-point.

Porque a produção publicitária é tão tosca?

Existem poucas histórias. Talvez uma única. Um herói que se dá bem no começo e acaba se dando mau no final. Ou o contrário. E existe uma única estrutura para contá-la: “é assim”, “não é bem assim”, “e ficou assim”. Ou uma baguncinha dessa lógica.

Assim como Haydn criou algumas centenas de sinfonias em apenas 24 tonalidades, 7 notas, 5 linhas na pauta e só duas claves, escreve-se aos borbotões há milênios, e é sempre a mesma coisa. Da bíblia aos panfletos evangélicos, de Boccaccio a Dan Brown, de Montesquieu a Jabor, do Gorila da Cadbury a … cite uma propaganda porcaria, são tantas…

Não se criam histórias novas há milênios, e por isso tenta-se relativizar: é original nessa linguagem, é inovador para essa categoria, é totalmente surpreendente para essa marca.

Quando queremos contar histórias, na televisão ou no cinema, no namoro ou no boteco, na literatura ou na propaganda, a arte está no contar e não na história.

Sofismas à parte, a gente persegue demais a história e de pouco o contar. E contar é “como” e não “o quê”.

Isso tem duas conseqüências desastrosas – pelo menos duas – para a qualidade da nossa propaganda.

A primeira é o calvário paralisante do arsenal de pesquisas que tentam dar colo à insegurança. As pesquisas contam a história para as pessoas em formatos primitivos, animatics, storyboards e outras monstruosidades, nivelando sua capacidade de apreciação abaixo da linha do analfabetismo funcional.

O segundo desastre é a qualidade das produções que são precisamente o coeficiente “contar”. Como a história parece mais importante do que a forma de contá-la, de que vale o acting, a locação, os efeitos, a música?

“Economiza aí que isso não é importante. Faça um filminho vagabundo, desses que tem na Internet que dão milhões de views. O importante é a história”, como se qualidade de produção fosse a mesma coisa que qualidade da imagem, como se os consumidores que perseguimos, ignorantes, pobres e burros presumidos, não se acotovelassem para ver o “Avatar” da vez nos cinemas. Blockbuster com uma história bunda em um contar inebriante.

Pesquisa de comunicação: porque os consumidores são burros, ignorantes e pobres

Um dos argumentos mais comuns e que colocam em risco sistemático idéias e realizações publicitárias é a preocupação diligente e excessiva com a compreensão da mensagem. Em outras palavras, trata-se do clássico “o consumidor é burro (ou ignorante)” ou de seu corolário classista “o consumidor é pobre”.

As pesquisas preocupam-se em medir essa compreensão de forma superficial, geralmente em pré-testes precipitados. A sentença costuma vir acompanhada de conselhos degradantes para a idéia: “corta aqui, corta ali, troca aqui, troca ali e repita, repita, repita, repita e repita de novo a mensagem”.

A propaganda é a vítima, por vezes masoquista, de um papagaismo gago, um silviosantismo barroco ou apenas preguiça, carreirismo e imediatismo.

A despeito do preconceito travestido de preocupação social, a propaganda amarga de sua própria receita. Acredita-se que a freqüência  (a repetição hiper saturada) é fator de compreensão.

A propaganda é repetitiva na quantidade de inserções, repetitiva de campanha em campanha e repetitiva até na insistência do mesmo argumento filmado, cantado, falado, encenado incessantemente.

Pois compreensão não tem nada a ver com repetição. É óbvio que não. Compreensão tem a ver com envolvimento e concentração. Tem a ver com história bem contada, com linguagem precisa, com qualidade de produção, e claro com idéia.

Repetição tem a ver com razão. Compreensão tem a ver com emoção. E a propaganda é incompetente para convencer as meninges e formidável para tocar o coração.

A menos, é claro, que a gente acredite que a humanidade é composta de ovelhas e que o brasileiro é geneticamente degenerado. A menos que a gente acredite que essa cambada de burros, ignorantes e pobres só aprende na marra e na porrada.

Pelo nível atual do que é aprovado nas pesquisas lobotomizadoras, deve ter muita gente que pensa assim.