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On e off são o mesmo lado da mesma moeda

Quando surgiu a mídia das mídias, a geleia interminável de conteúdos, constelação de interações, magma de onde tudo começa e onde tudo acaba – a Internet, nada mais prudente do que morder aos pedaços, aos poucos e com destemidos e intratáveis desbravadores, hoje conhecidos como especialistas. E não demorou para criar-se a carochinha de que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa: de um lado da linha, o novo inexplorado em constante mutação, do outro o tradicional sacramentado e estável. E desde então, toda a indústria da comunicação se equilibra nesse equador, balançando ao sabor da onda do momento.

Mas desde que o primeiro Ford T saiu da fábrica, sabe-se que a divisão do trabalho é uma técnica eficiente de produção e uma ideologia competente de opressão e alienação.

O fato é que as linhas de Nazca só podem ser observadas do alto e a linha do equador é um marco imaginário: a comunicação entre os homens não opera conectando diferentes gavetas que se conjugam em função de suas etiquetas. O cérebro humano é uma geleia, constelação e magma infinitamente mais complexo do que a Internet dos próximos séculos.

Comunicar uma mensagem para alguém ou para vários não se dá em camadas e jornadas e por mais sensível que seja o esquema, ele sempre será pobre e sujeito a insondáveis fatores de sucesso ou fracasso.

Assim como não existe esse negócio chamado de comunicação racional e emocional, não existe esse troço de comunicação online e off-line. Nenhuma descoberta aqui.

Da mesma forma, não é nenhuma descoberta dizer que a divisão do trabalho não é a mais glamorosa das vogas. O fordismo é eficiente e mais competente ainda se a mão de obra inteligente for substituída por robôs e algorítmos mais baratos, sem encargos nem chiliques.

E para eliminar qualquer poesia, aterrissando a divagação teórica, por três motivos rés do chão não é mais inteligente separar a comunicação em on e off.

Primeiro, custa mais caro porque tem duplicação de energia e recursos. Todo o pensamento que precede a execução é feito lá e cá, cobrado lá e cá. Sem falar do time-sheet da integração, dos alinhamentos, dos check-points.

Segundo, quem garante que a escolha entre os recursos, a divisão entre quem faz o que aonde, é a mais racional? Quem garante que o investimento on e off está otimizado se cada macaco puxa a brasa para o seu galho?

Terceiro, porque fazer o cerco ao consumidor com mensagens similares em todos os seus suspiros de atenção não é a forma mais convincente de conquista-lo. Poucas e boas é melhor do que muitas e fracas

Que papo é esse de integração on-off line?

Parece que a imprensa especializada não vai parar nunca mais de gaguejar “on-line isso” e “off-line aquilo”. É falta de assunto ou gosto pela retórica: afinal de contas, por que será que ainda andam falando tanto de integração de disciplinas? Por que tanta energia é gasta para ensaiar modelos vencedores e apontar do dedo estratégias perdedoras?

Um marciano que resolva estudar a respeito, vai perceber que nos últimos 10 anos, as agências esnobaram, depois integraram, depois apartaram, depois integraram, depois apartaram, depois integraram, depois apartaram e continuam sem saber o que fazer. Se compram, se educam, se fazem parceria, se aculturam, se, se, se.

Essa busca por uma fórmula é vício mais do que virtude e entorpece um pouco a tomada de decisão.

O foco, por si só, já parece um contrasenso pois foco mais parece uma contingência financeira do que um default de largada. Já faz muito tempo que a comunicação deixou de ser passiva. Faz tempo que o ponto de partida de qualquer briefing de comunicação não é mais a verba ou a mídia: “tenho tanto dinheiro, otimize” ou “comprei isso, veicule nisso”. Pelo menos na ambição, não preenchemos espaços comprados. Os canais estão a serviço de um conteúdo e não o contrário.

E essa lógica, portanto, anula o raciocínio do foco na mídia e reestabelece o foco no conteúdo. A mídia forte não atrai, não engaja, não convence, a não ser pela repetição. Já um conteúdo forte atrai, engaja, convence por si só, onde quer que ele esteja disponível.

Que papo é esse de foco? Que papo é esse na integração das disciplinas on-line e off line? Que foco? Que discplinas?

Só existem duas disciplinas em uma agência de comunicação: a daqueles que focam nas mídias e a dos que focam nas pessoas. A primeira é velha, mesmo que on-line. A segunda é nova, mesmo que off-line.

A lenga-lenga da Internet

Desde que a Internet virou uma coqueluche que saiu do guetto de meia dúzia de pioneiros, a pressão tem sido grande por uma mudança radical nas qualificações de profissionais de agências de comunicação.

Vamos desobstruir o vazadouro para aliviar.

Especialista não existe. Todos, inclusive os desejados “digital natives”, sentem-se como surfista em dia de ressaca: muito desejo e apreensão nutridos diante da imprevisibilidade do ambiente digital. Os pretensos experts encastelam atrás de supostas técnicas de mensuração. A mística é sedutora mas vale-se mais da fé do que da matemática. Ou quando muito e como sempre foi, prevêm o futuro baseados no passado, portanto chutam, com muita técnica, mas chutam. Especialista é quem admite a incerteza.

Por outro lado, é cômico perceber que quanto mais envolvidos são os profissionais com o suposto novo mundo, mais histéricos detratores se tornam do velho. É como se só pudessem construir sobre as cinzas. O contrário também existe, mas está tão – mas tão fora de moda – que nenhum cético ousa posar de bacana. Mas é irônico perceber que o velho tende a comprar o novo com mais competência. E aqueles que muito esbravejam acabam mordendo a língua, lustrando a imaturidade (já caducando, aliás).

Finalmente, “saber fazer” não significa “saber pensar”, assim como “saber pensar” não significa “saber fazer”. Saber projetar e implementar uma plataforma complexa de mídias sociais não significa necessariamente que a ideia seja boa. Assim como ter uma boa ideia não garante sucesso sem viabilidade de execução. Engana-se aquele que justifica uma ideia na execução assim como aquele que sacrifica a ideia para que seja exequível.  Mais parecem defesas recíprocas pois ideia e execução são irmãs xipófagas.

E se ao invés da pressão, a Internet servisse como banho de humildade para ambos os lados da quimérica separação entre on-line e off-line?

Off-line / on-line é sado-masoquismo

O povo anda se desculpando muito quando apresenta uma campanha off-line. É tipo “olha, dessa vez, é só uma campanha de página dupla e comerciais de televisão e não, não pensamos nada para a Internet não”. E o cliente faz a maior careta “eu já falei para vocês não me virem com esses campanhazinhas de off-line”.

E do outro lado da cena, os esquisitos apresentam lá sua campanha on-line, sites, filmes, estratégia de redes sociais e mais uma penca de coisas pra internet. “Não, não tem nada de mídia morta não. Afinal de contas, nosso target não é a dona Maria (Ana Braga), né?” E o cliente faz o sorriso maroto de quem está economizando um bom dinheiro.

É gente derretendo as meninges para pensar on-line e outras gentes suando a camisa para pagar o aluguel. Tem também o cliente, pulando de galho em galho, acochambrando briefings para integrar tudo.

Já tem uma geração que essa coisa dura e está difícil encontrar o caminho do meio porque no fundo, todo mundo está careca (eu) de saber que esse negócio de off/on line é uma estupidez. É tão demente imaginar uma agência de comunicação que só pensa mídia tradicional quanto imbecil acreditar que pode haver uma especialização on-line. A sensação é que os negos do “off” radical estão tão atrasados quanto os pelegos do “on” especializados.

E não se pode negar uma certa causa psicológica por detrás das resistências. Do lado da “dead tree society”, é a inconfessa e inconsciente preservação do terreiro, no mais autêntico princípio do “tomara que eu morra antes”. Do lado dos “digitais”, é a assumida atitude geracional do tipo “tomaram que os véios morram junto com suas árvores”.

No fundo, é sado-masoquismo: gente curtindo sofrer nas reuniões de apresentação e outras gentes morrendo de fome.