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Seu concorrente pode ser aquele maltrapilho anônimo

A definição de competidores é uma importante função estratégica em tempos de transformação acelerada, social, econômica, cultural. Esse trabalho exige uma boa dose de pesquisa, mas acima de tudo de criatividade e sensibilidade.

A popularização da Internet balança tudo. O espaço é livre demais, amplo demais, incontrolável demais, inclusive para observar o surgimento de concorrentes, que nascem muitas vezes às margens do sistema. Quando despontam no centro das atenções já são grandes demais, perigosos demais, estruturados demais.

E de miopia endêmica sofrem os grandes produtores de conteúdo nesse cenário movediço, em que gigantes tapados soçobram e anões prodígio emergem.

A distribuição é hoje o maior gargalo da indústria. Baseada em colossais e improdutivas cadeias de intermediários, ela justifica o preço na ponta do consumidor. Fundamentados na soberba de uma mentalidade monopolista, a decisão de encarar a verdade é postergada à base de proteções legais caducas e fiscalizações ineficientes.

Mas a equação sempre foi cristalina: a principal motivação da distribuição “alternativa” de conteúdos, da pirataria, não é o gosto pela ilegalidade, não é tampouco a busca de lucro fácil. É a compreensão lógica do que mudou.

O que os caras querem? Querem distribuir o conteúdo dentro de uma nova realidade que os dinossauros não querem entender: não existe mais fronteira no mundo,  nem fuso horário, e muito menos intermediação.

O maior concorrente dos produtores de conteúdo são os piratas da Internet. E a menos que a indústria legal desista da colossal fonte de receita do passado proporcionado pela distribuição, é preciso mudar o tom.

Está mais do que na hora de encarar os robin hoods.

O capitalismo já aprendeu que numa situação concorrencial extrema, o enfrentamento é perda de tempo e economicamente inviável. A saída é compor, aliciar, trazer pra dentro do sistema.

Esses caras são concorrentes e não estão de brincadeira.

E a solução é tão, tão simples, que dá raiva:

1) Liberar o conteúdo na hora em que ele vai para o ar no centro.
2) Expurgar do custo a margem dos distribuidores parasitas.
3) Acreditar que aumentando a escala da audiência de forma colossal, a diluição do custo de produção vai proporcionar um preço na ponta decente e que estão todos dispostos a pagar.

Será que argumentos econômicos vencem ideologias concentradoras e vaidades doentias? Capaz.

Pirataria não é opção, é falta dela

A pirataria é tema favorito.

A desavergonhada cópia safada, sem pagar direito pra ninguém, sem pedir licença, sem se identificar e ainda por cima modificando, adulterando, cagando o conteúdo. Esse cancro das sociedades organizadas, essa pedra no sapato de instituições seculares, essa parasitaria de heranças. Essa barbárie sem controle, que a Internet abriga e fomenta, com o apoio sem-vergonha dos blogueiros bolcheviques, anarquistas e hereges!

O ovo ou a galinha: a gente pirateia porque não tem alternativa ou porque a gente é degenerado? Quem fez o mundo fudeu-se?

E se a gente fizesse um esforço de abstração e imaginasse que tem muita coisa que a gente possui sem necessidade alguma. Um livro por exemplo depois de lido (ou antes), empoeira a estante. Um CD, depois de ripado, a caixinha feia vai pro funda da gaveta. Jornal de papel ainda tem utilidade sanitária para o cachorro e revista pra gaiola do papagaio. Tem mais sucata em casa: DVD, jogo, software e documentos, cartão de crédito, caderno , quadros nas paredes. Focos de ácaros, cupim, poeira e  alvo da inexorável senilidade.

Porque todas essas coisas não podem se transformar em assinaturas para ler, ouvir, assistir, jogar, pagar, escrever, enfeitar? Assinaturas on-demand e taylor made são provavelmente mais rentáveis, inclusive.

É, a saída mais fácil para as capitanias hereditárias do direito autoral é cobrar pelos serviços de distribuição digital ao invés de manter cadeias físicas estado de pré-falência.

Pirataria digital é um motor econômico

Não deveríamos amornar a discussão da pirataria digital porque ela está no centro do tufão que se abate sobre poderosas indústrias. Cabe precisamente intensificar as pesquisas justamente porque o “gratuito” é um dos fatores que mais motiva a inclusão digital e seus indiscutíveis benefícios. Afinal, pirataria, é bom ou ruim?

Uma pesquisa da Ipsos MediaCT entrevistando 6.521 pessoas em 12 países no começo do ano, revela que o Brasil é o sexto pais que mais baixa ou ouve musica e o terceiro que mais baixa ou assiste vídeo em sites não oficiais.

A mesma pesquisa dá conta de que, quanto maior o numero de pessoas que baixa ilegalmente, maior aquele que baixa legalmente (com exceção da China, claro).

Ainda e mais interessante, se os piratas não tivessem baixado ilegalmente músicas e vídeos, a maioria deles não teria comprado nada. Portanto, o mercado não está sendo “roubado” já que esses indivíduos não comprariam.

Mas o mesmo estudo também assinala que os piratas consomem mais produtos culturais (cinema, concertos, shows, etc).

Quando estima-se um mercado potencial, a base é o numero de pessoas dispostas a comprar algo. Não deveríamos, portanto e no estágio atual da indústria, considerar os piratas como potenciais consumidores?

Não vamos confundir “público alvo” com “potencial de mercado”. Os piratas devem ser alvos e, convencê-los das vantagens que se pode ter em comprar “legalmente” (com argumentos de custo benefício), deveria ser o principal esforço da indústria. São eles que interessam e isso vale não somente para as gravadoras e estúdios de cinema, mas vale, e muito também, para a mídia como um todo (os leitores de blogs para os jornais, por exemplo).

Finalmente, muitos estudos dão conta de que, a curto e longo prazo, a troca livre de arquivos fornece aos consumidores o acesso a um leque de produtos culturais muito mais largo, o que se reverte em benefícios econômicos inegáveis.

Há quem diga que estamos no começo do começo do começo de enormes mudanças de comportamento. O início do início do início de gigantescas revoluções. Esse pensamento só presta se ele for útil para a ação. É só visitar uma gravadora “tradicional”: lá, até as moscas morrem de tédio.

Metade dos paranaenses é ladrão

O Paraná seria por acaso uma colônia pré-histórica no cafundó da galáxia? A Internet de lá funciona a lenha? Estariam seus autóctones lutando contra uma espécie de barbárie digital?

Parece que o Tribunal de Justiça de lá declarou ilícito o uso de softwares “que possibilitam a conexão às redes peer-to-peer”.

Ô Xisto (Pereira, relator da decisão) se liga na parada: quer dizer que o infrator é o neguinho que produz um software? Tipo assim, que tal você proibir as montadoras de carro porque tem nego que dirige embriagado?

Ô da toga (douto desembargador) presta atenção: o que você acha que vai conseguir com isso? Que os meliantes de direito autoral se matem por falta de opção? Que eles vão ter que sair do Estado para poder cometer seus crimes?

Ô Xistô! Acorda mano: a pesquisa F/Radar, feita pelo Datafolha, com mais de 2000 entrevistados em todo país (até no Paraná, veja só!) dá conta do seguinte:

– 48% dos brasileiros acima dos 16 anos costumam baixar músicas e filmes da Internet.

– 52% dos brasileiros acima dos 16 anos afirmam já terem comprado (e continuarão comprando) CDs piratas em camelôs (47% para DVDs)

E sabe por que a pesquisa não perguntou diretamente “baixar musica ilegal na Internet” ? Simplesmente porque ninguém ia entender a pergunta, de tão absurda. “Como assim, tem algum jeito legal?” ou “Ué, é ilegal?”

Sacou o drama? Não vai ter lei nem meganha suficiente para coibir tanto fora da lei.

“Lex non docet” não se aplica a tanta gente.

Ô Xistô, pô, tenha dó dos seus conterrâneos.