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Declaração de intenção

Ontem, o senhor que mora em uma casa pendurada no barranco, prestes a desabar, conversava, positivo e sorridente, com um repórter solene.

– O que o senhor está sentindo neste momento de dor?
– Dor.

A obviedade é um recurso estilístico de ênfase ou é só burrice. A imprensa usa tanto esse subterfúgio para povoar suas linhas que podemos separar duas posturas claras. A primeira é a de uma imprensa partidária, ideológica. Bate na tecla que acaba entrando na caixola. A segunda é só de burrice. Às vezes as duas posturas se encontram felizes também. É a imprensa pedro-bó.

Já o positivismo pode ser uma espécie de bálsamo de sofrimento ou é só passividade. Não há nada mais comum do que uma imprensa de autoajuda, cheia de pérolas de sabedoria para os aflitos. Também tem aquela outra que relata sem opinião, sem crítica, com compaixão budista. E, quando tem as duas coisas, é o que chamamos de imprensa feng-shui.

Pra variar, poderíamos imaginar uma outra cena. Por exemplo, o repórter chega sorridente para o morador chorando e pergunta se o senhor está com fé. Ele recebe uma porrada como resposta.

Pra variar também, a válvula de escape, mal-humorada e negativa, pode ser divertida. Essa é a imprensa “bad hair day”.

Rede social já era

As redes sociais bombam no mundo inteiro. Sabe aqueles números grotescos que adoramos apresentar para convencer os incautos? O tamanho do Facebook no mundo, do Orkut no Brasil, aquelas falácias clássicas da marca X que saiu do anonimato da noite pro dia com uma estratégia (sic) de redes sociais (sic sic)? É tudo verdade mas esse assunto perdeu a graça. É papo de evangelizador neófito, blablabla de imprensa pretensamente antenada.

Muito mais fascinante é antever, ou desenhar cenários de tendências. O que vem depois?

A anatomia da Internet pressupõe a explosão ad infinitum dos canais de comunicação, a atomização extrema das vozes. No limite, cada pessoa é emissora, veículo, canal, mídia.

Funciona mais ou menos assim: descubro primeiro que, de forma simples e barata, minha voz pode ser ouvida por quem me interessa. Depois, percebo que também posso atingir pessoas que nem suspeito que existam. Na seqüencia, saco que esses anônimos todos podem me interessar. Fico muito empolgado.

Minha primeira experiência é entrar nos canais que já me dão espaço. Entro nos veículos tradicionais e boto a boca no trombone. Mas e se eu pegasse um lotezinho numa comunidade? É mais simples, menos travado, dá mais liberdade. Vou lá fazer meu perfil no orkut, no facebook.

Quando eu melhoro de vida, resolvo ambicionar um lugar pra chamar de meu. Sonho sair do Cingapura, do BNH. E começo pequenininho, compro um terreninho, ensaio meu bloguezinho. Tomo gosto. Melhoro de vida e meu lugar  – que chamo de meu – cresce, fica bacana, recebo visitas, dou festas, cresce e aparece.

Pra que colaborar na casa dos outros? Pra que morar num balança-mas-não-cai? Pra que ficar na periferia? Desisto de comentar notícia nos veículos online, abandono meus perfis de rede social, e viro minha própria Rede Globo.

É por isso que o hoje já é ontem, na Internet. Facebook, Orkut? Old fashion!

Só pensamos naquilo

Todos vocês já devem ter notado como estamos ficando mais rápidos, mais informados, mais inteligentes e preparados. São os bônus dos tempos pós-pós-modernos.

Não é um problema de estresse pelo excesso de conteúdo informativo. Acreditamos na quase infinita capacidade de expandir a nossa percepção.

Não precisamos de curadores. Desejamos amplificadores de informação.

Não queremos um guru. Queremos milhões de sacerdotes da palavra.

Não gostamos de economia nem de essência. Gostamos de fartura e de multiplicidade.

Somos desplanejados e imediatistas, graças a Deus.

Mas também estamos ficando com mais olheiras, piores motoristas e muito mal-educados.

“O que vou escrever no meu twitter, facebook, blog etc”. Dormimos cada dia mais tarde porque temos que ler tudo que queremos ler, escrever em todas as comunidades que precisamos alimentar. Haja creme anti-age, compressa de chá de camomila, botox ou óculos escuros.

O trânsito está um caos. Sorte das redes sociais, dos blogs, dos aplicativos de celular. E só tende a piorar, porque é um olho no carro da frente, outro no celular. Uma mão no volante e a outra no teclado. Um neurônio na rua e três bilhões nas infovias. O trânsito não é um problema, é uma solução.

E como é bom descobrir todos os dias os milagres da vida: “Como é que eu vivi tantos anos sem isso e isso e aquilo!” Não dá mais para almoçar com os amigos sem verificar o nível de decibéis da sala, se a mesa está no prumo, qual é a temperatura (presumida e falsa) em Moscou. É falta de educação, mas estão todos na mesma, às vezes postando no twitter o que iremos ver segundos depois entre uma garfada de frango e uma goiabada (tudo no mesmo prato, claro).

No fundo, são poucos os prejuízos, não é mesmo? Porque, para os possíveis danos cerebrais, basta dar um reboot, de vez em quando, e bem rápido. Crtl-Alt-Del em algum lugar bem primitivo, ridiculamente ultrapassado, tipo um spa, uma viagem de avião sem internet ou uma noite, dormida.

E pronto, estamos novos de novo pra só pensar naquilo.

Blogo logo blogo

Deve haver um google de blogs na Internet. Estima-se que a cada minuto, a blogosfera vai parir um novo speaker corner mundo afora. É sem dúvida uma das mais fantásticas ferramentas de livre expressão de que se tem notícia na história da humanidade. Os blogs desafiam as leis, a imprensa, as corporações, as individualidades. Colocam em xeque a história, as verdades canonizadas, o tempo e o espaço. Destroem e edificam reputações, mitificam e aniquilam personalidades, falsas ou fictícias. Provocam catarses, subvertem as éticas, elaboram conspirações subterrâneas.

Essa onda é o consciente coletivo da era de aquário.

É tão assustadoramente revolucionário que por vez submerge nossa auto-estima e segurança. A blogosfera, filha atomizada da imprensa, destrona seu poder.

Para que espécie de humanidade caminhamos? Uma humanidade de infinitas opiniões e debates? A blogosfera é a expressão mais extrema da democracia ou da mais enebriante anarquia?

E se tudo não passasse de um fim de tudo? A volta ao caos?

Mas não percamos o sentido da crítica e da polêmica.

Não existe nada mais infértil do que a imensa maioria dos blogs. Falo desse moto-continuo de repetição poluidora. Blogs e mais blogs que são o espelho deformado uns dos outros. Um tosco copy-paste. Um “blogo logo blogo”.
Na defesa dos blogs, poderíamos invocar a função curadora dos conteúdos postados. Sim, cada blogueiro é um curador de conteúdos e a deliberada e raciocinada escolha é, ou poderia ser, em última análise, a expressão de uma opinião.

Mas a tentação e simplicidade do recurso é tamanha que tenho lá minhas dúvidas da honestidade ou consciência do raciocínio.

Não caberia, porque quixotesco, elaborar um manifesto anti-blogosfera. Não caberia tampouco porque os Blogs são a alforria da opressão, da desigualdade e das injustiças.

Não caberia porque “blogo logo existo”.

Talvez, no entanto, seja oportuno revelar ou ressaltar a enorme oportunidade que, a livre manifestação, através da blogosfera, suscita.

Talvez seja oportuno apelar e dizer que os blogs são, antes de tudo, um fermento do raciocínio e do pensamento, das idéias, dos argumentos, da imaginação, da poesia.

Ao invés de reproduzir ad-perpetum informações, muitas das quais “anonimizadas” voluntariamente, que tal ser mais antropofágico? Digerir antes de copiar. Enfim, usar o cérebro.

Assim talvez, possamos mais frequentemente dizer “penso logo blogo”.