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A improbabilidade provável das novas mídias

Primeira pensata: alguém disse que o ateísmo é a mais improvável das escolhas.

Segunda pensata: aposta de Pascal. Escolhamos que Deus existe. Duas possibilidades. Se ganharmos, ganhamos tudo. Se perdermos, nada a perder. Melhor que Ele seja, então.

E, assim, Candido pergunta: “Vale a pena acreditar que a mídia de massa vai diminuir de importância e que o direito autoral idem?”

Vamos acreditar nos sinais e de forma muito prematura, quase irresponsável, é possível sentir que a mídia de massa já não é mais aquele balaio todo. Pois, se isso for verdade, o que se tem a ganhar ao se investir em conhecimento, experiência e energia nas novas mídias? Tudo, se o prenúncio for verdade. E nada a se perder, caso a hipótese não se confirme.

Vamos crer na tendência subterrânea, na pirataria com baque solto na Internet. O que perdemos se for verdade e não nos mexermos para encontrar fórmulas alternativas de distribuição? Tudo. E se for mentira, se a Internet não passar de miragem e as pessoas não forem tão más e desonestas como parecem? Ganhamos uma nova forma de ganhar ainda mais dinheiro sobre a criação autoral.

Mas há improbabilidade nas coisas que não emanam da vontade universal.

A borboleta bate as asas no Japão, move o caule da flor que num movimento pendular despeja o orvalho na terra que se junta a mais gotículas que se amontoam para formar um filete de água que move um galho que empurra outro e mais outro até chegar ao riacho, formando uma barragem que com a pressão da água irá romper-se despejando mais água imprevisível no rio que sobe de nível até o mar que estava já muito cheio por conta de outras borboletas em outros lugares que tiveram o mesmo gesto frágil simultâneo. E assim ocorre um maremoto nas ilhas Sakalina que um repórter da televisão noticia dando conta precipitada de causa ambiental. Milhares de pessoas mobilizam-se à porta da minha casa e fazem tanto barulho que acabam importunando meu sono.

E porque tanto se fala das mídias novas e porque tanto se burla o direito autoral que dois fatos aparentemente improváveis tornam-se tão prováveis quanto a improvável perturbação do sono pelo bater de asas de uma borboleta no Japão.

Jesus Marca Registrada

Dizem que os herdeiros do Che nunca aceitaram ou requereram direitos autorais sobre a imagem do barbudo que estampa milhões de peitos, burgueses e proletários, mundo afora. Licenciar uma marca assim teria dado uma dinheirama capaz de financiar muita revolução. Nem os de Bin Laden, se é que ele está morto.

Algumas personalidades públicas podem ser reproduzidas  livremente, sem haver risco de infração. Se alguém tira uma foto do Obama e resolve vender artefatos a partir da exploração essa imagem, ele não deve nada ao presidente. Só existem direitos do fotógrafo, não do fotografado.

Andy Warhol não pagou um tostão de direito autoral dos herdeiros do Lincoln por reproduzir o cara em algumas de suas obras. Nem precisava.

E por falar em barbudos, a arquidiocese do Rio de Janeiro negou autorização de uso da imagem do Cristo Redentor no filme 2012.

Não se trata de uma polêmica. Não é novidade nenhuma que as igrejas se outorguem a propriedade de seus santos e deuses. A católica sempre foi uma Disney competente nessa lucrativa gestão. Mas Jesus copyright é uma coisa bizarra.

Pela licença creative commons da imagem de Cristo!

Pirataria não é opção, é falta dela

A pirataria é tema favorito.

A desavergonhada cópia safada, sem pagar direito pra ninguém, sem pedir licença, sem se identificar e ainda por cima modificando, adulterando, cagando o conteúdo. Esse cancro das sociedades organizadas, essa pedra no sapato de instituições seculares, essa parasitaria de heranças. Essa barbárie sem controle, que a Internet abriga e fomenta, com o apoio sem-vergonha dos blogueiros bolcheviques, anarquistas e hereges!

O ovo ou a galinha: a gente pirateia porque não tem alternativa ou porque a gente é degenerado? Quem fez o mundo fudeu-se?

E se a gente fizesse um esforço de abstração e imaginasse que tem muita coisa que a gente possui sem necessidade alguma. Um livro por exemplo depois de lido (ou antes), empoeira a estante. Um CD, depois de ripado, a caixinha feia vai pro funda da gaveta. Jornal de papel ainda tem utilidade sanitária para o cachorro e revista pra gaiola do papagaio. Tem mais sucata em casa: DVD, jogo, software e documentos, cartão de crédito, caderno , quadros nas paredes. Focos de ácaros, cupim, poeira e  alvo da inexorável senilidade.

Porque todas essas coisas não podem se transformar em assinaturas para ler, ouvir, assistir, jogar, pagar, escrever, enfeitar? Assinaturas on-demand e taylor made são provavelmente mais rentáveis, inclusive.

É, a saída mais fácil para as capitanias hereditárias do direito autoral é cobrar pelos serviços de distribuição digital ao invés de manter cadeias físicas estado de pré-falência.

O Copyright é entrave à memória, difusão e organização.

“Recente pesquisa da IDC indica que 161 bilhões de gigabytes de informação foram gerados no ano passado em todo mundo. “

Não faço a menor idéia de como essa pesquisa fez para calcular, mas é certo que a conclusão de que não há espaço suficiente para armazenar tantos dados não surpreende nem choca.

Mas me parece que o assunto pode ser muito mais interessante do que simplesmente mais um desses googolplex que poluem nossa existência.

Sabe-se, portanto e também, que não existe dinheiro no mundo capaz de digitalizar, armazenar e organizar toda a produção cultural da nossa espécie. Nem a de hoje nem a do passado, muito menos a do futuro.

Isso nos coloca uma pergunta: o que faremos com ela?

A excessiva proteção aos direitos autorais não estaria sendo um real – e inflexível – entrave não somente à difusão de conhecimento mas também à perpetuação da memória cultural?

Enquanto o debate a respeito das leis de Copyright corre solto, existem talvez mais argumentos a considerar nesse embate que colocam em perspectivas alternativas urgentes às legislações atuais.

Por exemplo, talvez exista uma forma de encarar, a disseminação dos softwares P to P como um grande benefício de bem comum. Em pró da memória, em outras palavras. A capilaridade extrema da capacidade de armazenagem beneficia a memória. A difusão desse conteúdo de usuário para usuário além de compartilhar essa produção, de forma igualitária, democrática e barata, economiza a caríssima intermediação de servidores.

Esse é um ponto da questão.

O outro é a própria digitalização dos conteúdos do passado. Certamente não existe dinheiro suficiente na economia para digitalizar tudo aquilo que ainda é analógico ou físico. E mais uma vez, não nos cabe (e não cabe a ninguém) julgar esse conteúdo. Já estou vendo os excitados de plantão (vide autoritários) propondo uma classificação daquilo que vale a pena perpetuar. Portanto, mais uma vez, a capilaridade dos recursos de digitalização beneficiam a memória. Cada vez que uma pessoa digitaliza algo que não tinha memória digital – e mesmo que tivesse – além de dividir com o mundo a produção da humanidade através dos softwares P to P ou por qualquer outro meio digital (email por exemplo), economiza muito dinheiro.

Mais há mais um ponto.

Ainda que se possa imaginar que haja dinheiro, tempo e interesse comercial em se digitalizar e armazenar tudo que foi, é ou será produzido pelos homens, quem é que vai organizar tudo isso? Como vai ser? Talvez a alternativa, mais uma vez, seja de capilarizar a curadoria de conteúdos. Em outras palavras, os conteúdos serão organizados pelos próprios infinitos difusores dos mesmos. Muito mais fácil assim de encontrar o que se procura. Divide-se mais uma vez a responsabilidade e melhora-se a qualidade.

Esses são mais alguns argumentos que deveriam entrar em debate, acredito, cada vez que estamos discutindo direito autoral versus alternativas como o Creative Commons.