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Bolhas de sabão em webcity.

Meu Deus do céu o que foi aquilo, ontem à noite, aquela entrega do Oscar (não riam!) da Internet brasileira?

Não quero entrar em polêmicas e discutir se esse ou aquele prêmio foi ou não merecido.

Acho que, em grandes linhas, foram premiados os melhores dentre aqueles que concorriam. O que não necessariamente significa que sejam os melhores da Internet brasileira.

Também não ficaram tão aparentes aqueles favoviritismos óbvios dos anos anteriores. Tampouco apareceram aqueles prêmios de armário à la Sofia Loren/A vida é bela. O mesmo para aqueles clássicos favorecimentos comerciais. O que não necessariamente significa que estes “pequenos deslizes éticos” não tenham rolado.

Digamos, para resumir, que tudo estava mais bem organizado. Ano a ano, as derrapadas são menos grosseiras. O que não necessariamente significa que não continuem acontecendo.

Mas sejamos honestos. Valeu pelo esforço nobre de valorização da Web no Brasil. O que não necessariamente significa que seja tão nobre assim.

Mas o que vale discutir é se um concurso megalomaníaco como esse, com critérios de julgamento vagos e pouco valorizados é útil ou um mar de sabão que se desmancha na primeira sopradinha.

Para que tanta pompa se os profissionais ralam como condenados, remunerados por uma rara moeda: o entusiasmo?

Para que tanto provincianismo quando estamos falando com e para pessoas conectadas e antenadas com outros discursos, outros padrões de comparação e valorização de resultados concretos e mensuráveis?

Para que iludir o cliente glamourizando um peixe que veio para responder a uma clamor preciso e por que não dizer pertubador dos consumidores, leitores, enfim, das pessoas e não para valorizar arroubos hedonísticos?

Então lembro-me daquelas bolas amarelas distribuídas no final da festa do Ibest 99. Bolhas de sabão. Muita espuma para pouco sabão. Ou melhor, muita espuma para um mau sabão.

Pra ver a sucata passar.

Não sei quando começou mas um dia, e a partir de então cada dia mais, o homem foi ficando ansioso, aflito, estressado, histérico, acelerado ou quase maluco. De repente um monte de coisas novas pipocavam aqui e ali. Mal dava tempo de tê-las que já velhas estavam. E tal a rotatividade que em pouco tempo o importante não era mais o valor de uso mas seu valor de desuso. Não sentia ele mais tesão algum em usar pois quando vinha a usar, ele já fixara-se em algo que ainda não tinha e que viria a usar em breve. E assim até atravancar a atmosfera de intocado entulho. E as indústrias do mundo inteiro passaram a produzir sucata em escala. E os homens e mulheres do mundo inteiro passaram a desejar sucata. Entra sucata, sai sucata. Mal entra, já sai. Mal sai, já entra mais. E a terra virou um enorme estômago. Um estômago que come sucata e caga sucata.

E foi assim com tudo e todos. E é assim com tudo e todos.

Eu por exemplo me considero um glutão. De sucata, claro. Mas tem sucata que eu gosto mais que outras. Sucatas tecnológicas adoro. Um sucateiro inventou uma sucata formidável no MIT, já começo a me roer as entranhas de desejo. E quando ela é exposta nos templos cibernéticos, faço de tudo para possuí-la. Não olho o preço. Só o prazo de entrega. E quando chega bonitinha na minha casinha, isso depois de muitos pesadelos porque a rainha da sucata é uma instituição chamada correios com corpo e cabeça de sucata enferrujada, defloro a coitada no colo como se aquela fosse a última gozada da minha vida. E depois? Ué, o que se faz com sucata? Jogo fora.

Tem outras sucatas que aprecio também muito. As sucatas informativas por exemplo. Alguém falou e eu já estou como um cão tarado digerindo aquilo com sofreguidão. As sucatas de idéias também: alguém pensou e cá estou dissecando-a freneticamente. E por aí vai.

E, adivinhem quem é o símbolo da sucata de fim de milênio? Ora, a Internet, é claro. E eu ia falar dessa sucata agora, mas será que adianta? Porque seu fascínio reside na sua formidável capacidade de criar, produzir e digerir sucata.

Nesse fim de milênio, meio peixe indo pro áquario, o que interessa mesmo é o derramar, o fluxo. É como se fosse necessário deixar passar e passar o mais possível para aumentar o débito. Não importa mais armazenar e construir, só deixar passar. Porque o que está vindo agora não dá nem pro gosto. Não dá para sacar o que vem por aí. Só dá pra saber que é inevitável e quanto antes chegar melhor.

Por enquanto, o que se pode ver é que esse fluxo está provocando muitas inundações por aí, destruindo estruturas, abalando alicerces. Basta ver as crises financeiras dos últimos tempos. O dinheiro voa na velocidade da luz. Sai daqui e pinta ali num piscar de olhos e uma cochilada dos governos. O dinheiro é parte desse fluxo. E isso vai piorar. Muito e graças a Deus.

Portanto, o segredo é arreganhar as tornerinhas, abrir as comportas. Ajudar a sucata a passar. Mas antes de tudo cair na real e entender que tudo não passa de sucata. Sucata que só se justifica para alargar o débito. Alargar a banda. Mas sucata, portanto por si só, inútil.