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IAs e Avestruzes

Todo mundo tem um plano, até o dia que se recebe um direto no meio da cara. E se o direto é o Mike Tyson, autor da frase, melhor se preparar.

Diante da aceleração reacionária de um mundo pós humano, melhor se preparar: 2025 não é 2016 reborn.

Existe uma revolução em curso e a história nos ensinou que revoluções não são necessariamente boas para todos: a francesa entronizou a burguesia, a russa, os oligarcas, a atual, os tecno-geeks estudados, inteligentes, ricos e movidos a uma energia fabulosa que emana do salão oval em Washington.

Pulemos o debate ideológico. Ele é fascinante e necessário, mas para ser útil, precisa ser levado por melhores pensadores.

Vamos nos ater aos aspectos mais pragmáticos da virada de mesa que está desafiando todos os modelos, sociais, econômicos, profissionais, políticos.

A bomba atômica se chama inteligência artificial e podemos chorar em desatino para a turma dos burocratas adiposos, mal vestidos, que do alto de suas cabeleiras pintadas e procedimentos cirúrgicos, levantam uma mão reguladora. Uma mão reguladora e outra ordenhando uma máquina já exangue.

Melhor se preparar do que chorar. Melhor se preparar do que invocar o saudoso século das luzes.

A história a seguir é apócrifa, mas muito sensacional para não ser verdadeira.

Nikita Khrushchev, primeiro secretário do partido comunista da União Soviética na década de 50, teria dito a Richard Nixon, então vice-presidente americano: se o povo pensa que em algum lugar existe um rio e que esse rio é imaginário, não se deve dizer que o rio não existe. Ao contrário, deve-se dizer ao povo que é necessário construir uma ponte imaginária para cruzar o rio imaginário.

O pragmatismo de Nikita era de não lutar contra os rios imaginários, não se aventurar em intermináveis comprovações. Perda de tempo. É muito difícil ou quase impossível vencer uma crença. Para Khrushchev, era mais útil contorná-la e construir outras crenças, por sobre aquelas.

É assim que pensam os novos ideólogos da revolução em curso. Os René Girard, Peter Thiele, Curtis Yarvin e outros Sam Altman acreditam no que acreditam, que os seres humanos não são iguais e que a inovação e o progresso científico-tecnológico é contrario ao progresso social. E porque acreditam, constroem pontes imaginárias sobre rios imaginários.

 

É necessário entender essa turma e ler o que leem e o que escrevem.

Não para construir outras pontes imaginárias sobre suas pontes imaginárias, coisa que outra turma contra revolucionária tenta, sem nunca ter tentado entender o que dizem, o que pregam, o que fazem.

É necessário entender porque o rio imaginário existe. Entender porque esse povo, que acredita que esses rios existem, está com sede.

Não adianta treinar o drible quando o golpe é do Mike Tyson. Não adianta também fingir, ou rezar pra morrer antes do golpe. É preciso entender poque a Inteligência Artificial está substituindo cérebros, empregos e negócios.

Ser desafiado por máquinas deveria ser o mais fabuloso dos desafios que a nossa vida vai enfrentar.

Menos para uma avestruz.

Alhos e bugalhos

Morgana disse ao Arthur: cuidado com as palavras, elas têm poder.

Só quem já teve que criar a vigésima sétima campanha de verão de uma marca de cerveja-que-refresca-do-calor ou o quadragésimo terceiro lançamento de um carro-lindo-e-poderoso, sabe o pânico que a tela em branco dá.

Só quem já teve que escrever o centésimo terceiro briefing de um xampu-para-um-cabelo-lindo, um plano de celular-que-te-liga-com-as-pessoas, um investimento-que-te-dá-mais-do-que-você-tinha-antes, uma coleção de moda-que-vai-te-deixar-na-moda, um-aplicativo-pra-melhorar-sua-vida, sabe o pânico que a tela em branco dá.

De ambos os lados da fronteira, saímos em desespero, no fogo cruzado de informações, no bombardeio de inspirações, metralhados por referências, tentando se entrincheirar para respirar, pensar, ouvir alguma sussurrante musa soprar no ouvido, uma imagem, uma experiência, uma palavra.

Quem sabe, lá no meio da balburdia, uma palavrinha se insinua, tímida e inocente, fresca como a rosa do Pequeno Príncipe que desperta toda amassada, depois de intermináveis preparativos. Quem sabe, ali, no meio do briefing do cliente, no meio do briefing criativo, nas informações, inspirações e referências, tem uma palavra de alento, de conforto, de poder.

E aí você espreme, decanta, distila tudo e acha a palavra que todos os briefings, orais e escritos, invariavelmente entronizam, como a fonte de todos os poderes. A rainha das palavras em cem por cento dos estímulos criativos: ducaralho.

Ducaralho é totalizante, o alfa e o ômega, o yin e o yian, o absoluto e o vazio. Ducaralho é o orvalho da manhã no céu que nos protege de uma insustentável leveza. Ducaralho são 9 letrinhas todas bonitinhas fáceis de dizer ditas por você. Ducaralho é o ser e não ser. O ser e o nada. Principalmente o nada.

Ducaralho são alhos e bugalhos.

Militemos pelo fim do ducaralho e seu estéril superlativo dugrandecaralho.

Inteligências artificiais humanas

As ferramentas de Inteligência Artificial são como alguns dirigentes – e não só os políticos: mudam de opinião com a mesma velocidade com que metralham seus pontos de vista. Basta dar um mergulho antropológico na rede social de qualquer influenciador, mesmo os mais sinceros, os mais fofos, os mais tementes. Não é à toa que a rede social do presidente americano se chama Truth. Não é à toa que uma IA disse que eu era Empreendedor do Vale do Silício e outra que eu era Frei Franciscano, duas ocupações honoráveis, mas que só tem em comum um nome de Santo.

O chato com os políticos e as IA’s é que chutam e mentem. Tudo é uma questão de probabilidades. Se existe forte probabilidade para que seja bom para a popularidade de um dirigente que ele metralhe asneiras, então ele vai dizer que os imigrantes custam trilhões e trilhões de dólares. Mentir não é delito. Se existe uma forte probabilidade para que uma IA ache, hoje, que sou sinólogo, serei um respeitado sinólogo. Vai ver que sou porque tenho pesquisado, por puro passatempo, sobre o mais antigo slogan do mundo: “Estado forte, Exército forte” (pouca coisa mudou de 2600 anos atrás pra cá).

Mas os políticos e as IA’s têm uma outra coisa em comum além de chutarem e mentirem: são mal educados, grosseiros e incivilizados.

Em 2016, um software de Inteligência Artificial chamado AlphaGo ganhou pela primeira vez de Lee Sedol, o campeão mundial de Go. E ganhou de forma humilhante. Em poucas rodadas, o Senhor Lee foi aniquilado, sem dó. AlphaGo arrasou apesar dele nem saber o que significa arrasar. Mas, todo jogador de Go sabe. Todos os jogadores dos milenares jogos orientais sabem: arrasar é mal educado, não se faz, é pior do que perder, muito pior. Nas relações orientais, não se pode e não se deve fazer o adversário perder a face. Nunca. Nem que ele seja seu pior inimigo. Nem que ele esteja fazendo o algoritmo beneficiar a Direita nos comentários de uma rede social, você não pode fazer o presidente Chinês perder a face. É errado.

Apesar de ser irresistível e delicioso usar essas ferramentas de IA conversacionais, apesar de já as usarmos inconscientemente há bastante tempo, aceitar o chute até que tudo bem, mentir podemos aceitar que é “humano”, agora, aniquilar, arrasar, destruir, não é bacana. Não é legal pensar muito menos torcer para que qualquer IA aniquile pessoas (nas guerras), empregos (nas empresas), faces (na vida de todo dia).

Para que serviria matar mais gente, empregos e orgulhos? Para ter menos gente, menos trabalho e menos razão de viver?

Vamos torcer por menos mentira e menos chutes, mas será que as IA’s (e os dirigentes) do futuro serão capazes de delicadeza, sutileza, sensibilidade, afeto, classe, respeito, compaixão, ou seja, humanidade?

Um pouco de silêncio para acalmar a divina ira

Como é sabido, a Bíblia é uma coleção de histórias, disparatadas, contraditórias, contadas pelos homens muito antes de serem transformadas em livro e muito antes também de haver um Deus único onipotente.

A história do Dilúvio aparece em muitas tradições e em uma delas, na Mesopotâmia (anterior a do antigo testamento), os Deuses estavam chateados com os seres humanos. Eles fervilhavam em todo canto, faziam muita bagunça e principalmente faziam um barulho ensurdecedor. Eles eram muito tagarelas, fofoqueiros, encrenqueiros, noite e dia, dia e noite. Para acabar com a farra e poder finalmente dormir em paz, os Deuses tentaram vários estratagemas para acabar com tanto blábláblá, mas o que pareceu mais convincente foi um dilúvio.

A parte triste da história é que um dos deuses, amigo dos humanos, soprou no ouvido de Utnapishtim o que ia acontecer. Foi assim que o Noé do dilúvio mesopotâmio, construiu a arca e salvou a humanidade.

Dizem que 100 bilhões de mensagens são trocadas por dia no Whatsapp, 576 mil horas de vídeo no Youtube, 95 milhões de fotos no Instagram, Elon Musk tem 193 milhões de seguidores e posta em média 154 vezes também por dia.

Os Deuses devem estar furiosos com tanta balburdia.

Se os humanos não fossem irresponsáveis sozinhos e que a destruição iminente do nosso habitat não fosse culpa nossa (e de alguns poucos mais do que a esmagadora maioria: dizem que o foguete da SpaceX do Jeff Bezos causou um buraco na ionosfera que durou 20 minutos quando explodiu. Que direito um ser humano tem de provocar um buraco na ionosfera? Que lógica há em destruir a Terra para salvar os terráqueos?), a gente poderia dizer que as mudanças climáticas são uma espécie de dilúvio que os Deuses estão mandando para acabar com o nosso barulho.

E se para se salvar, a gente devesse se calar um pouco?

A era dos publicratas já era

Um publicrata tem medo.

Medo de perder o emprego.

Medo de dizer o que pensa.

Medo de pensar.

Um publicrata pira na planilha.

Reza em reunião.

Cede no celular.

Apavora a agenda.

Um publicrata venera as inteligências artificiais, as ferramentas, as plataformas e tudo aquilo que pode economizar tempo, pessoas, detalhes, suor e sonho.

Não é culpa dele. É culpa do tecnocrata que tem medo do filocrata que o controla. Cacacracia.

Mas presta atenção na nova tendência: foco e disponibilidade.

Presta atenção no hype: é out não ter tempo, grudar no celular, ser multitarefa, seguir, dar like, repostar.

Não prestar atenção é out. E cafona.

Dá ansiedade. E ansiedade cansa, adoece, envelhece.

Experimenta não ser publicrata.

Experimenta ter tempo pra conversar.

Experimenta dizer que pode.

Experimenta prestar atenção.

Presta atenção: ainda dá.

A Inteligência Artificial vai nos livrar de muito mal

Vamos ser honestos: se as Inteligências Artificiais forem capazes – como parecem ser – de substituir e desmascarar os imbecis, os incompetentes e principalmente, todos aqueles que usam as IA’s para parecer menos imbecil e menos incompetente, por que não ficaríamos felizes?

Platão dizia que Sócrates tinha um medo enorme de que, no dia que eles começassem a escrever, a memória dos humanos acabaria.  Desde aquela época, a tese de que a externalização de nosso cérebro nos tornaria menos inteligentes, existe. É óbvio que não é verdade. O que essas externalizações fazem é acelerar aquilo que nós faríamos de forma mais lenta, ou mais deficiente. Assim como um binóculo nos permite ver aquilo que não podemos ver a olho nu, as Inteligências Artificiais, por enquanto pelo menos, nos permitem acelerar trabalhos que levariam mais tempo. Como não achar isso libertador?

E o medo visceral de que essas ferramentas substituam as ocupações menos qualificadas e que hordas de desempregados vaguem desesperados? Pois, por que não imaginar que é o contrário? Ferramentas como as Inteligências Artificiais são criadas para melhor executar algumas tarefas.  Mas por que investir bilhões de dólares para substituir os menos qualificados? Depois de calar os imbecis e incompetentes, as IA estão mais focadas em substituir aqueles que se outorgam poder e dinheiro por saberem mais. Faz mais sentido substituir médicos, advogados, engenheiros com Inteligência Artificial do que pintores, músicos, carteiros, pedreiros, jardineiros. Ou, corrigindo o tiro, substituir aqueles médicos, advogados e engenheiros que atribuem sua importância àquilo que sabem e não aquilo que criam. Que atribuem seu poder àquilo que aprenderam e não à interação, à compaixão, ao dom de si. Como não ver nisso uma redenção?

Nenhuma inovação é ganha-ganha. Sócrates tinha razão: ninguém sabe recitar as armas e os barões assinalados nem batatinha quando nasce. Perdemos memória, mas ganhamos diversidade, agilidade, universalidade. Ninguém mais vai saber a idade, o telefone, o aniversário, o nome e a genealogia de ninguém. Ninguém mais vai tremer com um diagnóstico, se descabelar com um data-vênia, se acidentar por um erro de cálculo. Não é nem bom nem ruim. Assim será.

Mas quem sabe também, talvez, quando a gente se libertar dos imbecis aparentes e disfarçados, todo mundo vire artista ou jardineiro e a gente salve a humanidade e o planeta. Se der tempo.

Como uma agência de propaganda pedala na maionese

Sempre existe um jeito de disfarçar a arrogância, a incompetência e a ignorância. Basta adotar um discurso salpicado de modismos e frases feitas. É como dizia o dramaturgo Sacha Guitry: “Os arquitetos escondem seus erros com hera; os médicos, com pedra; os cozinheiros, com maionese.”
Os profissionais de comunicação sabem, como poucos, esconder-se atrás das tendências e, desde que inventaram essa profissão, essas tendências foram sempre tecnológicas. Foram muitas — e é desnecessário enumerá-las. Basta concentrar-se primeiro no motivo: um complexo de imprevisibilidade.

Trabalhar com as emoções e os impulsos das pessoas é algo difícil de mensurar e, para suportar essas incertezas, é sedutor aproximar-se de disciplinas e pessoas embasadas, peremptórias, afirmativas. Como na medicina ocidental, que trata das doenças baseada em probabilidades (porcentagens de ter ou não tal doença, de sobreviver a tal condição etc.), a propaganda tenta fazer o mesmo (porcentagens de atingir ou não tal público, de alcançar tal resultado etc.). Mas, assim como crê a medicina menos ignorante, pessoas não são coisas. Pessoas mudam de ideia. Pessoas mentem. Pessoas são irracionais. Pessoas são rebeldes. Pessoas são imprevisíveis. Pessoas não fazem aquilo que fazem porque sabem o que fazem.

E, ainda que alguns ideólogos da comunicação acreditem que consumidores podem ser dominados por algum Ophiocordyceps unilateralis, como as formigas zumbis, até agora a equação de convencimento de consumidores sempre passou por dois únicos fatores: dinheiro e ideia.

Mas, ainda assim, o povo tenta. Inventa teorias, cria métodos, manipula ferramentas, aplica fórmulas, minera dados, invoca mirabolantes tecnologias caras e opacas, cria cargos, contrata engenheiros, cientistas, matemáticos, astrofísicos e outros politécnicos. E, depois de muito blablablá, tenta convencer vendendo uma certeza que não existe, para superar o complexo ou esconder a arrogância, a incompetência e a ignorância.

A propaganda tem a ver com discurso e diálogo, tem a ver com sentidos e intuição, tem a ver com carne e sangue. Fazer boa comunicação é concentrar-se no essencial, na ideia, naquilo que é singular para despertar e visceral para emocionar (e o dinheiro — o uso que fazemos dele — bem, dá pra automatizar).

As agências de propaganda que se afastam dessa lapalissada estão enganando o freguês ou tentando disfarçar a decadência.

Pedalando na maionese.

A bobageira colaborativa

Ninguém discute a generosidade da Internet e poucos ainda relutam em abrir espaço de colaboração em sites, blogs e que tais. A doutrinação funcionou: “as pessoas têm um desejo represado de expressão mas não se atreva a censurar e interferir!”.

Mas o que fazer com a bobageira e com a incontinência verbal?

Nem o mais disciplinado dos nerds, o mais aposentado dos internautas ou o mais lesado dos críticos tem paciência para o desfile de onomatopéias ou os comentários sobre comentários que povoam os espaços de leitores. Nem o mais diligente e libertário dos editores.

Existem ensaios de soluções, como por exemplo, a mais simples delas, que consiste em indexar e criar regras de relevância também para os comentários. Ou ainda, relacionar, visualmente, os comentários que fazem observações em cascata sobre outras participações anteriores. Ou, mais ousado e propositivo: criar um sistema lógico de triagem e hierarquização (sem qualquer censura) que permita o aproveitamento da colaboração em conteúdo editorial.

Esse é um importante desafio que se coloca para qualquer editor, caso contrario o convite à participação não passa de uma seção de cartas do leitor anabolizada com um defeito corrosivo: atrair colaborações cada vez menos interessantes até tornarem-se completamente irrelevantes, portanto inúteis.

Apesar de tudo, quem tiver saco para ler as enxurradas de comentários de algum blog bombado (esse aqui, feliz ou infelizmente é tímido), pode ter momentos de puro prazer e diversão, como por exemplo o Resenha em Seis.

Por que a mídia de massa é nossa salvação?

A retórica inflamada é uma arma irresistível, principalmente quando falamos das mudanças que a Internet opera no comportamento das pessoas e nas relações sociais e econômicas. Namorar com o radicalismo decretando a morte da mídia de massa e a falência da publicidade é o parque de diversão de muitos críticos. Nem sempre conseguimos calibrar nossos fluxos opinativos para encontrar alternativas menos dolorosas e preferimos o terrorismo verbal. Esse foi um mea-culpa.

Um fenômeno curioso começa a operar nos bastidores das grandes discussões a respeito do futuro da propaganda, que poderíamos chamar de “complexo do nano sucesso”.

Funciona mais ou menos assim: como está cada vez mais difícil, (por variadas razões), criar nababescas campanhas para grandes marcas com imensas repercussões em audiências colossais, um reflexo psicológico nos leva a supervalorizar idéias com abrangências microscópicas.

Um flashmobzinho, um viralzinho e outros “inhos” (não só na Internet – o álibi barato), mobilizam recursos e expectativas muitas vezes desproporcionais ao efeito alcançado. Os festivais de publicidade, espertamente, já premiam, há muito tempo, essas pequenezas brilhantes.

Alcançar audiências de um dígito na televisão é fácil, gigantesco feito é conseguir dois dígitos, múltiplos da dezena, sem recorrer às baixezas que excitam os instintos.

Sem desmerecer as necessárias mudanças que as novas mídias operam, a “massa” tem valor por motivos de economia de escala. É do DNA do nosso sistema produzir para muita gente. O volume de vendas financia por exemplo a inovação e o preço baixo que desejamos. E para que haja muita gente consumindo, precisamos comunicar para elas. E não será produzindo pequenos soluços criativos que as agências de propaganda irão sobreviver. Até porque o custo fixo de uma agência de propaganda é basicamente composto de recursos humanos e “inhos” custam o mesmo que “ãos”.

Podemos inverter a equação também: nano iniciativas de comunicação alcançam nano públicos que geram nano receitas para as empresas.

Talvez tenha chegada a hora de encontrar soluções inteligentes e criativas para as mídias de massa e para a propaganda de massa ao invés de desistir tão rapidamente.

Esse desafio é nossa salvação (e em parte a do sistema que até hoje nos abençoou) e não o nano sucesso de nossa vaidade.

Comunicação 360 graus é um pensamento pré-galileu

Mídia é o fim que se usa para comunicar-se com as pessoas. Que se pesem as palavras: “fim”, “comunicar-se”, “as pessoas”.

“Fim” porque a comunicação encerra-se no meio que ela usa para veicular sua mensagem. “Comunicar-se” em oposição a dialogar e “as pessoas” ao invés de você ou eu.

Embora a prosopopéia do marketing e da propaganda adore re-interpretar conceitos com o objetivo de re-inventar as mesma surradas idéias, o rigor das definições se impõe quando se fala das novas, assim chamadas, mídias.

Pois a Internet não é uma mídia porque ela é antes o meio que uma pessoa usa para comunicar-se. Atentemos para a inversão da frase, “meio” ao invés de “fim” e para o singular (“uma pessoa”).

Responda rápido: você usa Internet para? Provavelmente, como 93% das pessoas, “se comunicar”. Só depois de pensar, você dirá, possivelmente, “se informar”.

De novo: você usa o jornal, a TV, a revista para? Por mais tempo que você tenha para responder, sua afirmação vai ser “informar-me”. E, a menos que você seja um Pedro Bó que manda cartas para as redações e vídeos para o Fantástico, você não usa a mídia para comunicar-se.

A Internet não é portanto uma mídia a menos que a gente mude o seu significado. Nesse caso, as “tradicionais” é que deixam de ser mídia.

É precisamente por isso que a gente dá com os cornos quando tenta incorporar a Internet nas nossas estratégias de comunicação. Não é a uma questão de adequação e, pânico-perigo!, não se pode “inserir” a Internet no blábláblá 360 graus.

A comunicação 360 graus talvez seja uma das mais retrógadas idéias que se possa ter sobre a comunicação de uma marca porque parte de um pressuposto centrista, como se os consumidores girassem em torno da marca. Uma hipótese pré-galileu. Pois é precisamente o pensamento inverso que deveria inspira-nos: a marca orbitando, com o cliente no seu centro gravitacional.

É assim na Internet: relações e presenças forçadas de uma marca são abominadas porque, novamente, as pessoas estão lá para falar antes de ouvir, para comunicar-se antes de serem comunicadas.

O mau exemplo que vem da França

Em maio passado, analisamos aqui um projeto de lei em tramitação no congresso francês que previa a criminalização do compartilhamento de arquivos na Internet.

Pois não é que o congresso aprovou a lei? Quem diria, logo na terrinha, onde nasceram os direitos humanos, pátria da liberdade e berço da revolução?

Trata-se, evidentemente, de um atentado ao bom senso coletivo.

O precedente é grave e a jurisprudência internacional costuma freqüentar o discurso inflamado de nossos brasilossauros.

Os defensores da velha ordem autoral põem suas manguinhas de fora.

É uma luta crepuscular que incita à desobediência civil.

Todo internauta é apátrida

Agora é a vez e a hora da policia de costumes censurar os jogos de azar na internet. Ainda que a iniciativa tivesse impoluto interesse, será que a Civil não tem nada de mais produtivo para policiar?

Uma mega-operação em 12 estados que começa hoje vai dar um trabalho e esforço danado.

Mas de que adianta secar as bancas nas lan-houses brasileiras e apreender seus bits se os jogos de azar são na maioria apátridas?

E nem se trata mais, apenas, de explicar para os diligentes policiais que é praticamente impossível controlar a origem dos servidores onde estão os tais caça níqueis, nem dizer-lhes que as lan-houses não podem ser responsabilizadas pelo prática “ilegal” de seus freqüentadores.

A questão é sociológica: apátridas são todas as pessoas que navegam na Internet. Nacionalismo e respeito às leis são conceitos que não fazem nenhum sentido nas plataformas digitais mesmo para o sujeito mais educado moral e civicamente na vida de todo dia. O comportamento de qualquer internauta, até o mais careta, ignora leis, tabus e identidades.

Mas esse entendimento está tão longe dos gabinetes, da burocracia e das forças declinantes que assistimos diariamente a essas trapalhadas.

O quarto poder da imprensa é democrático?

De chapéu baixo e girando o charuto entre os dedos gordinhos, o homem se faz anunciar. Sua visita, embora aparentemente intempestiva era aguardada. Negócios após o expediente são mais importantes, assuntos, cuja magnitude, só a calada da noite pode abafar.

– Caro amigo, estamos pois de acordo. Meu silêncio vale muito do mais do que minhas palavras. Os jornais ficarão calados.

A imprensa sempre esteve na intersecção do dinheiro: porta-voz presumida do povo e do poder, seu papel é o calcanhar de Aquiles da democracia. De que vale uma arma se ela só pode apontar para um lado? Assis Chateaubriand Bandeira de Melo muito conhecia o valor de suas coberturas e omissões jornalísticas. Ele cobrava por isso.

O que tem por detrás do canto do cisne da imprensa broadcast são princípios e valores que pairam muito abaixo das nobres intenções.

O que emerge com a explosão da distribuição de informação que a Internet proporciona não é apenas o ruir do negócio da mídia, é o desmoronamento progressivo de um sistema de poder. Não é apenas a rentabilidade das empresas que está em jogo, é uma certa lógica de dominação econômica.

Houve um tempo, ainda recente, em que um jornal, uma revista, uma televisão, barganhavam reputações em troca de mais poder. Ontem ainda era possível – e ainda é –construir impérios econômicos sobre uma articulada e insidiosa estratégia de imprensa.

O mega-fone dos calados está a um login de distância de qualquer cidadão e de todos eles.

Já era tempo de entregar o “quarto poder” ao povo.

Pirataria é legal

Quando me dei conta de que Bach e Michelangelo nunca ganharam um tostão com direitos autorais, me deu preguiça financeira. E quando realizei que uma suíte para violoncelo foi usada em uma propaganda de TV e que camelôs vendem bugigangas com a Criação nas barbas do Papa, excitou-me um comichão de pirataria.

O plágio autoral era considerado uma homenagem antes de ser penalizado. Villa Lobos, assumidamente, xupinhou Bach que, por sua vez, criou variações de temas de Vivaldi que foi lá copiar Palestrina.

Lá pelas tantas, quando o dinheiro brotou aos borbotões e enfastiou uma cadeia de intermediários que parasitavam na órbita dos criadores, inventaram a proteção autoral. Para premiar a distribuição, a promoção e divulgação. É da lógica do sistema premiar mais a viabilização do que a produção.

Foi assim que copiar passou a ter dois sentidos: quando os tributos são pagos é inspiração, quando sonegados é crime de plágio. A lei sempre esteve antes a serviço dos privilégios adquiridos do que do fomento criativo. Direito autoral é uma falácia que deveria chamar-se de Direito a vagabundagem.

Este é um tema mais simples do que parece e que costumamos complicar para justificar as intricadas gorjetas que premiam intermediários antes e mais do que os autores.

Mas o efeito colateral que a camisa de força legal causa é mais pernicioso porque a inspiração é sujeita da capacidade financeira.

Quando Walt Disney lançou mão dos contos nórdicos dos irmãos Grimm ele não pagou um tostão pra ninguém. Mas o Mickey ia cair em domínio público 70 anos depois de sua criação e o lobby da parasitagem autoral prorrogou a lei por mais 30 anos.

Quem baixa e distribui de graça tem mais de Robin Hood do que de pirata.

Metade dos paranaenses é ladrão

O Paraná seria por acaso uma colônia pré-histórica no cafundó da galáxia? A Internet de lá funciona a lenha? Estariam seus autóctones lutando contra uma espécie de barbárie digital?

Parece que o Tribunal de Justiça de lá declarou ilícito o uso de softwares “que possibilitam a conexão às redes peer-to-peer”.

Ô Xisto (Pereira, relator da decisão) se liga na parada: quer dizer que o infrator é o neguinho que produz um software? Tipo assim, que tal você proibir as montadoras de carro porque tem nego que dirige embriagado?

Ô da toga (douto desembargador) presta atenção: o que você acha que vai conseguir com isso? Que os meliantes de direito autoral se matem por falta de opção? Que eles vão ter que sair do Estado para poder cometer seus crimes?

Ô Xistô! Acorda mano: a pesquisa F/Radar, feita pelo Datafolha, com mais de 2000 entrevistados em todo país (até no Paraná, veja só!) dá conta do seguinte:

– 48% dos brasileiros acima dos 16 anos costumam baixar músicas e filmes da Internet.

– 52% dos brasileiros acima dos 16 anos afirmam já terem comprado (e continuarão comprando) CDs piratas em camelôs (47% para DVDs)

E sabe por que a pesquisa não perguntou diretamente “baixar musica ilegal na Internet” ? Simplesmente porque ninguém ia entender a pergunta, de tão absurda. “Como assim, tem algum jeito legal?” ou “Ué, é ilegal?”

Sacou o drama? Não vai ter lei nem meganha suficiente para coibir tanto fora da lei.

“Lex non docet” não se aplica a tanta gente.

Ô Xistô, pô, tenha dó dos seus conterrâneos.

O milagre da multiplicação do consumo de mídia

É fácil hoje em dia diagnosticar os erros da Televisão: programação calibrada pela busca desesperada de audiência (portanto que fere os cérebros dos bem-pensantes críticos) e excesso de espaços publicitários de má qualidade (logo, que irrita os bolsos dos bem-comprantes algozes). Para uma mídia que poucos anos atrás era acusada por seus nefastos poderes manipuladores, os argumentos tornaram-se simplórios.

Estranhamente, a TV Paga simboliza ainda melhor a decadência presumida da plataforma, uma vez que os assinantes compraram a quimera de que a assinatura seria capaz de, simultaneamente, elevar o nível da programação (seja lá o que isso queira dizer) e dispensar a propaganda (supondo que ela irrita).

Detratar a TV Aberta e, mais ainda, a Fechada, está na ordem do dia. Mas a excitação excessiva dos ânimos parece esconder inconscientemente algumas verdades mal assumidas.

A primeira estatística inquestionável, dá conta da audiência. Não é verdade que ela está caindo de forma acentuada. A menos que o ódio reprimido seja cego. O que houve, sim, é verdade, foi uma redistribuição das audiências entre as diferentes ofertas e canais. Mas as pessoas não estão assistindo, globalmente, menos Televisão do que 10 anos atrás.

A segunda constatação qualitativa (os canais e operadores pesquisam muito mais do que os críticos) é de que – salvo em grupos muito segmentados, micróbios estatísticos – falar mal da Televisão é parte da atração que ela exerce. Estimulado, o público encontra argumentos que por vezes se aproximam daqueles dos analistas, mas em geral é tudo muito básico e nada muito novo. As pessoas não costumam achar que piorou, é como sempre foi. E, verdade verdadeira, a paixão que a Televisão exerce é infinitamente mais palpável e contagiante do que o entusiasmo que a Internet pode suscitar.

Outro dia, eu estava em um ambiente cujo target é quase que majoritariamente de bem nascidos, bem instruídos e bem jovens. Do ponto de vista de consumo de mídia, poderia ser uma espécie de Internetlândia. Pois havia Televisões ligadas nos capítulos finais da novela, aquela da fantástica Brasilindia. Estava todo mundo assistindo de soslaio a morte do Raj. Quando o corpo apareceu, todos pararam suas atividades e fixaram-se, sem vergonha, de frente para a tela. Mandei imediatamente um sms para uma amiga “O Raj morreu?”. E com a resposta em punho, declarei aos aflitos telespectadores que era tudo uma farsa, Raj não estava morto. Ganhei muitos agradecimentos e fiz vários amigos.

Que milagre é esse que nossa critica não é capaz de apreender?

Os fantasmas são os atos secretos dos festivais

Já se disse que “notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado, o resto é propaganda”. Propaganda e imprensa são partidos irreconciliáveis. No limite, a imprensa é o avesso da propaganda – ou vice versa. São dois “do contra” que dividem o mesmo espaço. É por isso que existe uma separação inequívoca entre os dois conteúdos. E a gente aceita que notícia é o que se coloca no avesso da propaganda, ou o contrario. Cristalino e ético.

Festivais de propaganda promovem a escolha dos melhores trabalhos. E melhor quer dizer melhor, comparativamente. Trata-se de comparação entre os trabalhos inscritos. Se o recordista mundial de uma prova não participa de um campeonato, ainda assim haverá um medalha de ouro e ele será considerado o melhor, tenha ele ou não batido o recorde.

Da mesma forma, se peças publicitárias foram ou não eficientes para os objetivos que foram delineados, objetivos de marketing, é rigorosamente irrelevante. Da mesma forma e no limite, se aquilo que se julga foi ou não veiculado, não interessa a mínima.

Por uma questão de lógica o debate do fantasma é estúpido. Festivais não existem para apontar recordistas mundiais de eficiência mercadológica.

E convenhamos, não vamos super-estimar o valor de um prêmio. Não é propriamente a coisa mais importante da nossa profissão, ou não deveria ser.

Que organizadores de festivais vetem a inscrição de peças assinadas por marcas que não foram consultadas ou não aprovaram a participação parece correto. Tratam-se de atos de falsidade ideológica censuráveis.

Mas o que dizer quando os festivais, como que adormecidos, por décadas, num berço ético, ficam furiosos por terem premiado peças não veiculadas? Não teriam aceito dinheiro sujo? O benefício da dúvida é sinônimo de hipocrisia quando tem dinheiro, muito dinheiro (de inscrição) envolvido.

Já ouviu falar no Busk?

Muitos de nós abandonaram o hábito de abençoar o dia com a leitura de um jornal. Ele era uma espécie de despertar da consciência. Ler o jornal de manhã era uma corrente de conexão com o mundo. Mas para além dessa elaborada razão, o ritual era a inconsciente motivação, uma âncora que conforta a nossa dramática condição de merdinhas soltas no espaço.

Mas a gente resolveu achar que existiam maneiras mais rápidas, baratas e livres de interligar as baterias, de se informar e informar. Operamos a transferência do comando que nos pareceu justa e merecida. Não é mais um mundo peneirado, filtrado, manipulado às vezes, que me encontra na soleira da porta. Eu vou ao mundo se, quando, para o que e na plataforma que quero.

A gente resolveu desistir do ritual religioso – coisa de gente fraca! Mas toda renúncia tem um preço: onde diabo estão as coisas?

Search nelas!

Livramo-nos da dominação que se esconde por detrás de todo curador/editor e entregamo-nos alegremente na boca do caos mecânico, a mercê das ferramentas de busca na Internet.

Somos seus fervorosos devotos.

Vocês já conhecem o Busk?

Um agregador/search de notícias com funcionalidade intuitiva, simplicidade refrescante e lindo (a menos que a gente ainda ache bacana o design monástico do Google).

Um beta a quem entrego, com carinho, meu novo ritual diário.

A liberdade é o antônimo da devoção. Busk neles!

Chafurdar na Internet

No último post, saiu – quase sem querer – que as coisas ainda têm que piorar muito para começar a melhorar. Ou talvez, ainda precise complicar muito para começar a simplificar.

Esse otimismo involuntário deve ter ido colher sua inspiração no Asimov. Qual budista que ele provavelmente não era, muitos milênios de caos fertilizavam secretamente o ressurgimento civilizatório: é da lama que nasce a flor de lótus.

Quando os primeiros fulgores da Internet vieram iluminar algumas mentes proféticas, nas agências de propaganda, há quase duas décadas, a lógica do negócio se sobressaia sobre a real aplicabilidade dessa nova plataforma de comunicação: era um belo discurso e moderno, que trazia ares de renascimento para uma indústria pretensiosamente acomodada.

Trouxeram, para dentro de suas estruturas, leitores vorazes de ficção científica e nerds messiânicos para criarem oficinas de protótipos. Off line funcionava. Off strategy seduzia. Off budget aprovava-se.

Depois, a coisa pegou fogo. Encurtando um longo percurso, teve a histeria e as estruturas incharam, a conversão e tudo se integrou, a desilusão e foi melhor terceirizar e o entusiasmo renascente que embananou as experiências.

Esse traz-pra-dentro, põe-pra-forta, traz-pra-dentro, criou uma constelação de empresas que se viraram no rabo do cometa, desenvolvendo especialidades, sobrevivendo na essência mutante dos tempos que vivemos.

Hoje está mais ou menos do mesmo jeito que há dez anos: a busca é por normatização e encaixe. A lógica é encontrar uma fórmula única que proporcione simultaneamente atendimento satisfatório às demandas e economia de recursos. E acreditar nela até que um novo caos se instaure.

Mas é provável que o conceito esteja equivocado. O ambiente que costumamos chamar de Internet é um pântano. Nem o império dos grandes sucessos de público, nem o Google, nem o Youtube, nem o frisson do momento, as redes sociais e suas princesinhas anabolizadas, o Twitter e o Facebook, têm futuro garantido.

O público, os consumidores que perseguimos, remam para todos os lados, sincronicamente e as propagadas tendências são mais espuma do que sabão.

De que serve a sistematização em um universo em expansão desordenada?

O segredo talvez resida na capacidade de adaptação rápida, taylor made e competitiva às oportunidades. O sucesso está na maleabilidade das estruturas. Inteligente é moldar-se como um barba-papa e não teimar nas soluções decidias em comitês.

O posicionamento de uma agência deve ser tão fugaz e instável quanto os gostos e preferências das pessoas que chafurdam deliciosamente na Internet.

Tecnologia: pérolas de pessimismo

É da nossa natureza positivista enxergar a tecnologia como uma espécie de panacéia desvairada de todos os males e aflições. Se ela se desenvolve para encurtar o tempo entre o desejo e o prazer, então, tecnologia é um fim em si.

A tecnologia, por definição, acelera, precipita o prazer e atrofia o desejo. Ela cria um prazer precoce, e no limite, um não prazer.

É nesse vácuo de frustrações que a tecnologia realimenta e recria novos desejos, incessantemente.

Iludimo-nos portanto porque acreditamos que a Internet existe para democratizar o saber num sistema capilar de distribuição, de auto-gestão, de colaboração, de subversão das estruturas de poder, etc etc etc. É o nosso desejo.

Quanto tempo durou nosso entusiasmo com a conexão discada de 9600? Mais do que nossa excitação com a de 14400 que por sua vez deu-nos um prazer mais longo do que a de 28800 e assim por diante. Qual revelação nos trouxe o browser gráfico? Maior do que a das animações do início que nos alegraram por mais tempo do que o flash, que também reinou mais tempo que o vídeo e que terá vida mais longa do que as experiências de imersão e tal e coisa. Por quanto tempo o Facebook? Menos que o Orkut, e mais que o Twitter e bla bla bla.

Por reflexo humanista, defendemos a revolução, a mudança de status, de patamar. Numa interpretação simplista, acreditamos que evolução significa melhora ao invés de adaptação. Por isso, o Twitter e outras redes sociais elegeram Obama (há quem ainda acredite nisso).

Mas a tecnologia não está a serviço do bem comum mas da administração dos desejos individuais que no fundo, no fundo, continuam exatamente os mesmos desde sempre. Não é de espantar o estrago que as ferramentas da nova era americana estejam fazendo à popularidade do novo presidente.

E, como Virilio, estamos acelerando tanto o amanhã que talvez não haja amanhã. Sejamos otimistas: tudo precisa piorar muito, antes de melhorar.