A Internet é um Chevette de referências

Tinha um cara com um bigode mexicano, uma espécie de mascate, caixeiro viajante, carregando malas e mais malas cheias de tesouros. Era o vendedor de livros para as agências. Quando revelava seus mistérios, era um alvoroço. Catálogos, livros, referências raras. Economizávamos o mês inteirinho e tínhamos que fazer economias severas para possuir os Olimpos criativos do mundo inteiro. Quanto mais bizarra era a procedência do livro, mais disputado. Era a terra prometida, mais desejável do que as sonolentas exibições dos Festivais.

Passaram-se décadas desde então. Outra era, mas a mesma vida de caçadores solitários e avarentos atrás de referências iluminadas. Fiz uma limpa na estante empoeirada. Fez me sorrir com amargor: como ficaram inúteis e estéreis aqueles anuários. Tentei vender para o sebo da esquina. Nem doando o velho aceitou. Só árvores abatidas.

Saindo para almoçar, décadas depois, lá estava ele, na porta da agência. O mexicano, um pouco mais caído, mais triste, com o porta-malas de seu Chevette. Não vendeu sequer um catálogo para o mais neófito dos estagiários. Fiquei com pena. Dele e dos livros. Era como um past-upeiro viciado em benzina, um manchador artista demais, um fotógrafo sem Instagram, um redator que não twitta, um planejador que gosta de coxinha, um mídia-ás da calculadora, um atendimento habitué do Pariggi.

Se a Internet é o salva-vidas dos preguiçosos, a redenção dos iletrados, o cacoete dos apressados e ambiciosos, o mobral dos vagabundos e a prótese indiscreta dos millênios, a Internet é um Chevette velho e batido que não salvou as ideias, nem as árvores.

Internet: nem melhor, nem pior sem ela.

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