A pesquisa aliena a verdade

Quando Simão Bacamarte descreve a patologia dos moradores de Itaguaí, parecem-nos subitamente íntimos vizinhos. Conhecemos cada um daqueles pobres condenados e reconhecemos neles outros semelhantes. No Alienista,  sem ter feito um único focus group, uma única quantitativa e muito menos modernas etnográficas, Machado de Assis desvenda os personagens que perseguimos na nossa badalada ciência da observação.

Só a arte é sincera porque não tem compromisso com a verdade. A arte, se não revela, ao menos resvala na verdade como nenhuma pesquisa é capaz.

Todas as elaboradas técnicas que tentam entender o próximo (o bolso do próximo) não passam de um voyeurismo – muitas vezes bem intencionado –  confrontado a um exibicionismo quase sempre inconsciente.

Ensinaram-nos que o observador altera o objeto observado e por isso somos discretos, condescendentes, ingênuos e fingimos – fingimos – compaixão. A interação tem que ser passiva, absorvente, permeável. Em síntese, o pesquisador finge-se de burro e inocente.

Do lado de lá, ser objeto de estudo é um lustre na autoestima ou pelo menos um divã paciente. Por isso, o observado maquia-se com compostura, elabora o raciocínio, mascara todo reflexo e finge – finge – a verdade. As respostas tem que projetar uma imagem idealizada de si, de seus sentimentos e impulsos. Em suma, o pesquisado finge-se de inteligente e sincero.

Toda pesquisa, mesmo a honesta, é uma charada que depende muito mais do talento do observador do que da técnica.

Os bons observadores são capazes de criar com suas sensibilidades, histórias verdadeiras. Os ruins reproduzem sem originalidade as idiossincrasias das sessões.

Os bons elaboram sem preocupar-se nos embasamentos dos números ou das declarações dos pesquisados. Os ruins nos enfastiam com complicadas teorias que apontam infinitas e nada conclusivas possibilidades.

Os bons estão muito mais para ficcionistas do que pretenciosos donos da verdade. Como Simão Bacamarte, nem sempre são compreendidos e vencem os tristes relatórios com as óbvias recomendações. Uma alienante versão da verdade, a serviço da mediocridade.

One thought on “A pesquisa aliena a verdade

  1. Sim, os bons não um constroem um dique entre sua intuição e o que foi pesquisado, os medíocres desprezam tudo que não seja produzido em ambiente – e linguagem – de laboratório. Proponho um pensamento reverso, que nunca vi ninguém formular: se o observador altera o objeto observado, sem o observador não existe… observação! E, portanto, não há objeto! Técnica e intuição, juntas, sem preconceito contra uma nem a outra: isso é observação, a única que vale a pena. O resto é academicismo, cientificismo, mediocridade, mistificação, covardia ou, simplesmente, burrice (e provavelmente alguns itens dessa lista são a mesma coisa).

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