Da trade-mark para true-mark

Quando um fazendeiro passa em revista seu rebanho, ele costuma assinalar aqueles animais que se destacam com um sinal. Ele marca os lotes para que os preços sejam compatíveis com a qualidade atestada. Aquele sinal cuja sofisticação será proporcional à capacidade do produtor de atribuir valor aos animais escolhidos (genética, por exemplo) é uma trade-mark.

Com o desenvolvimento do capitalismo, o valor de uma trade-mark é definido por uma receita ou fórmula. Duas trade-marks com a mesma receita possuem, em tese, o mesmo preço.

Mas neste mundo capitalista primitivo, no entanto, a racionalidade é só aparente porque é a antecedência de quem pensou antes, viu antes, pegou antes, patenteou antes que define o valor.

Uma trade-mark é uma marca esperta.

Quando uma pessoa de marketing reúne seu time e suas agências de pesquisa, comunicação e branding, a preocupação que origina todas as discussões é a atribuição de um valor emocional à marca que está sendo debatida. Para isso, identifica-se uma oportunidade de mercado, idealiza-se um público, pesquisa-se uma mensagem. O trabalho resultante, que muitas vezes humaniza o produto com uma história inventada, é uma love-mark.

O capitalismo atual fez com que duas marcas com qualidades comparáveis possam ter preços completamente diferentes (com ou sem patente). Nesse estágio, inclusive, a diferença pode ser tão abstrata que os consumidores ficam perplexos e podem até abrir mão da recompensa emocional.

Neste mundo capitalista medieval que premia a narrativa, enriquece quem discursa melhor.

Uma love-mark é uma marca fabuladora.

Mas se uma trade-mark tem seu preço definido pelo critério da antecedência da fórmula e não pela comparação entre as ofertas; e uma love-mark tem um preço definido por critérios transcendentes que escapam a qualquer comparação lógica, o consumidor é uma massa fácil de manobrar, o que iremos confrontar a esses capitalismos cansados?

Em tempos de ferramentas tecnológicas evoluídas de comparação de preços e experiências, os consumidores já são capazes de decifrar as esfinges de patentes e brandings alienantes. Em um mundo em que a aparente abundância é a máscara que esconde recursos cada vez mais raros, a síntese artificial de percepções é uma bomba relógio que se volta, cedo ou tarde, contra as empresas, as marcas, os consumidores e o planeta.

É chegada a hora das true-brands.

As true-brands são aquelas capazes de atribuir valor às suas verdades. As true-brands explicam de onde vem o produto, como ele foi criado, produzido, embalado, vendido. Uma true-brand atribui valor ao que tem valor: a origem, a escassez, o cuidado. Uma marca valerá quanto mais autêntica for a sua origem, quanto mais cuidadosa for a sua fabricação, quanto mais transparente for a sua contabilidade, quanto mais profunda for a sua atenção aos consumidores, à comunidade, à sociedade, ao planeta, quanto mais ética for sua missão. Uma true-brand milita contra as patentes que paralisam a inovação e perpetuam a concentração de capital. Uma true-brand despreza as narrativas alienantes do branding.

Uma true-brand pode colocar a composição no rótulo, no lugar do logotipo. Uma true-brand pode colocar sua margem de lucro, no lugar do nome ou o endereço de quem produz no lugar dos textos legais. Uma true-brand pode assumir, na propaganda, quantos empregos proporciona para compensar a quantidade de árvores que cortou. Ou qualquer coisa entre a opacidade da narrativa e o confessionário. Uma true-brand se compromete ao invés de prometer.

Uma true-brand é uma marca poeta.

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