Em 2017, o total da receita publicitária nas plataformas do Google e do Facebook sozinhas representaram 25% do total da receita publicitária mundial. Isso representa um crescimento de 20% sobre o ano anterior. Sozinhas, elas representam 61% da receita online, ou seja, somando todas as plataformas, 42% da receita publicitária global é online. E isso em pouco mais de 10 anos.
Mas vamos interessar-nos apenas no Google e no Facebook, uma vez que os demais veículos, além de extraordinariamente pulverizados em centenas de milhares de empresas, na maioria das vezes terceirizam sua operação publicitária e não constituem agentes puro digitais nem na forma de produzir seus conteúdos e muito menos de concebê-los comercialmente.
Quem já teve a curiosidade de operar as plataformas de compra de mídia desses veículos percebe imediatamente a quem elas se dirigem, para quem elas estão sendo criadas e aprimoradas diariamente: a uma pessoa sem formação específica de mídia (e talvez também com pouca expertise de marketing). É simples, intuitivo, pré-formatado. Da mesma forma, obter leituras de performance é igualmente imediato e incontestável.
É claro que existem truques e sofisticações que fazem com que operar a mídia online nesses veículos não seja tão transparente assim, e outras ferramentas devem ser integradas para normatizar as decisões e leituras. Mas não se trata aqui de escrever um tratado sobre como trabalhar com o Facebook e o Google como anunciante ou mídia. Eles já investem tempo suficiente para fazer suas respectivas evangelizações. Trata-se, no entanto, de avaliar qual é a direção que eles estão tomando, para onde apontam suas preocupações e a que e quem eles querem se substituir. E aqui a resposta é óbvia: essas plataformas trabalham obstinadamente para encurtar as distâncias e eliminar os intermediários, caros, morosos e nem sempre inteligentes. Por exemplo, as agências de propaganda.
E isso se constata analisando apenas essa ponta de iceberg. Se introduzirmos a Amazon e outros grandes Marketplaces no bolo daqueles que estão disputando a arena publicitária, essa constatação fica mais evidente. O dinheiro para a mídia convencional fica ainda mais estreito e a parte das agências “clássicas” mais frágil. E claro, sem falar no investimento em automação e inteligência artificial, fora da mídia.
Diante disso, o mínimo que se possa dizer é que as agências de comunicação que percebem sua diferenciação nesse nó estão sendo ingênuas, incluindo aquelas que são ditas “especializadas”. Elas estão necessárias mas não são necessárias. Ou tão necessárias quanto um despachante foi útil para desembaraçar os meandros das burocracias estatais. Tão necessárias quanto todos os outros intermediários cujo valor agregado é operacional e não inteligente ou criativo.
Por mais entusiasta que a gente seja nas promessas dos futuristas, ainda parece difícil imaginar que A Procura do Tempo Perdido, a Paixão Segundo Mateus, Guernica , a Coleção Mondrian de Prêt a Porter ou um bom La Tâche possam ser criados pela mais inteligente das inteligências artificiais. E ainda que a gente possa criar variações do Papa de Velasquez com filtros de imagem, daí a virar um Francis Bacon, precisamos uma boa dose de credulidade.
Mas é claro que se isso acontecer um dia, vai demorar. Até lá, as inteligências substitutivas às humanas vão se concentrar em fazer tudo aquilo que é minimamente repetitivo e padronizado. Por exemplo compras de abastecimento (desodorante e arroz agulhinha) ou simplesmente chatas (seguros e banda de internet). Por exemplo comprar mídia de performance, óbvio. Por exemplo comprar mídia off-line, mais óbvio ainda.
Mas enquanto nenhuma Singularity for capaz de profetizar que Proust, Bach, Picasso, Yves Saint Laurent ou o Domaine Romanée-Conti serão substituídos – ninguém seria tão pretensioso – uma agência de propaganda deve apostar suas melhores fichas nesse je ne sais quoi que arrepia, entorpece ou excita os desejos humanos. Nem que seja para fazer das plataformas digitais um suporte mais interessante e sexy do que nove e meio entre dez conteúdos patrocinados. Faz sentido porque é melhor acreditar que existem mistérios que nos superam. Mas faz mais sentido porque ninguém é louco de querer competir com o Google, o Facebook ou a Amazon.