Um raio de sol escorregou pela testa e furou as pálpebras.
– Jacinto! Jacinto!
Jacinto arranhou a porta e entrou precedido de uma servil reverência.
– Pois não, madame.
A loira estava recostada em suas almofadas de pena, com a maquilagem mal-lavada escorrendo pelas bochechas, e os cachos em desalinho. “Terremoto escala seis no Museu de Cera”, pensou Jacinto.
– Meu espelho, meu espelho!
De lá, Filomena agitava seus braços bufantes e de cá, os pés gordinhos jaziam como bebês saciados na coberta de cashemere. “Que mania de repetir duas vezes as ordens. Gaga ela, e surdo eu”, incomodou-se o mordomo.
– Que horas são? Tenho compromissos?
A condessa constatava o desastre da ressaca. Ajeitava uma ruga aqui, esticava uma madeixa lá. “Quando o prato está uma pia, não adianta colocar açúcar depois”, filosofou o empregado, enquanto abria silenciosamente as pesadas cortinas do boudoir de madame.
– Sim, madame. O coiffeur já chegou, a esteticista e seu instrutor de ginástica rítmica, também. O banho está pronto. Tafetá ou mousseline hoje, condessa?
Filomena empoleirou-se nas plumas. Como ela gostava desse momento mágico! Era a coroação de sua indispensável importância no universo. “Pode vir, pode vir, me bate, me humilha, me chama de capacho, pulga, verme, salmonela perniciosa”.
– Minhas panóplias de esgrima e equitação, já Jacinto. Já, eu disse, Jacinto.
O séquito rumou para o parque do castelo, para acompanhar as performances esportivas da dama. Até o cabeleireiro tagarela, o esteticista andrógeno, a ginasta romena aposentada. “Vai chover.”
– Meu penteado!
As alamedas eram uma paleta ocre e sépia e como se tentassem uma última súplica, os carvalhos fremiam seus galhos nus no céu grávido. “Muita escolha mata a escolha”, lamentou Jacinto, a caminho da herborização na estufa de bromélias.