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Start-ups e os novos robber barons

Quando o primeiro fabricante da primeira batedeira ou do primeiro carro discursava para seus pares empresários, ele era entusiasta da ideia revolucionária que iria tirar a mulher de sua tarefa aviltante de bater um bolo e o homem do empurra-empurra do trem na hora do rush. Mas ele também vangloriava-se de uma nova maneira de trabalhar e de pensar seu negócio. Ele dizia “o rei morreu, viva o rei!” para todos aqueles velhos fabricantes de utensílios com manivela e carruagens. E quando negociava com a velha economia, outorgava-se o título de start-up avant la lettre.

Nem o século XXI nem a Internet inventaram o empreendedorismo.

Mas sob uma perspectiva histórica, passados tantos anos, quando a batedeira foi substituída por bolos industrializados cheios de uma química exótica e os carros perdem espaço para o túnel subterrâneo onde humanos se precipitam como roedores apressados, o que mudou naquilo que realmente importa? Nada ou pouco.

O que mudou com as inovadoras tecnologias e as revolucionárias ideias de produção e gestão?

Alguns falam do tempo, como se fosse um consolo: sim, está tudo mais acelerado. Débil conforto saber que está tudo rumando mais rápido para um futuro desconhecido.

O que esses novos empreendedores tinindo de fama e esbanjando dinheiros voláteis, o que esses florões do empreendedorismo, jovens e dinâmicos, fazem para  garantir-nos um futuro mais confortável, mais feliz, mais justo, mais convivial e – sem ter medo da palavra – mais fraterno?

Sob uma perspectiva sociológica, passados alguns anos-décadas, eles se tornaram perpetuadores do jeito antigo de fazer. Só que mais rápido. Lucro mais rápido, crescimento mais rápido, participação de mercado mais rápida, exacerbação do trabalho mais rápido. Rápido. Para compensar, muita filantropia frouxa com os ricos incentivos fiscais.

Mas raro, raríssimo ver no empreendedorismo do século XXI, o respeito ao tempo livre, ao meio-ambiente e à saúde física, mental e moral de todos, funcionários e clientes. Na prática, comem com a mão, não desgrudam das telas, cronometram reuniões, mensuram tudo com voracidade, perseguem, famintos como lobos, seus clientes e se rendem a um messianismo cego e selvagem.

São nossos novos robber barons.

Memória de um amnésico

Existem muitas metáforas animalescas para uma grande corporação: uma galinha, porque ela não consegue sair de um círculo pintado no chão; uma abelha, que obedece atavicamente a uma rainha manca; uma barata, que mesmo guilhotinada continua mexendo as patinhas.

Existem vários fatores que fazem de uma grande organização um organismo acéfalo ou, no mínimo, amnésico. Mas o mais comum é a rotatividade promíscua dos funcionários por áreas e filiais. É sinal de dinamismo e de ascensão na carreira rodar a bolsinha e, na primeira ocasião que surge, pontificar suas “experiências” em outras freguesias.

Não há cartilha empresarial (que se costuma chamar de cultura) que segure o ímpeto do neófito. Chega com muita energia para arranhar de sua grife o modus operandi. Com um crédito de boa vontade, cases pretensamente construídos alhures, currículos místicos e os dentes ensanguentados para produzir resultados rápidos, a memória fica relegada a um punhado de pesquisas assimiladas em treinamentos precoces.

Memória é saudosismo careta e aprendizado, tentativa e erro.

Dizem que o maior plantador de florestas é o esquilo. Ele passa o verão inteiro catando nozes e armazenando-as em buracos aleatórios. Dizem que 80% de tudo o que ele esconde para comer no inverno acaba germinando na primavera porque ele não tem GPS nem muita memória. Por isso, ele morre de fome e prefere passar o inverno nas cidades, fuçando lixeiras.

Já o Wahrtog, aquele javali bonitinho dos desenhos animados, é uma presa divertida. Quando vê um leão diante de si, sai correndo. Anda uns cem metros e esquece por que está correndo. Como também fazemos, ele acaba dando meia volta para ver se lembra do que esqueceu. E lá está a boca aberta do leão.