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O que ninguém viu ou quer ver das pesquisas da Internet.

A Internet é mídia para todos.

Desde sempre, digo, desde que a Internet é a Internet, as cabeças pensantes que analisam o meio assumiram que o público consumidor desse meio pertence ao mesmo meio delas: pessoas bem-nascidas, bem-apessoadas, modernas, antenadas e com a conta bancária recheada de dólares para gastar em Nova York, Londres ou Paris, cidades essas, aliás, onde moram virtualmente, mesmo comendo o pãozinho do seu Manoel todo dia de manhã, na padoca da esquina.

É natural e confortável pensar que um meio tão novo tenha berço de ouro. Afinal de contas, em um país como o nosso, as classes dominantes encastelaram-se atrás de sua presumida superioridade de consumo, seja por medo, seja por preguiça de olhar além de seus Morumbis-beaches.

No entanto, parece claro também que em um meio como a Internet, cujo conceito filosófico é de aproximar as pessoas, democratizar a sociedade e revolucionar as transações de consumo, é de se supor que exista um paradoxo latente entre proposta e prática.

Isso sempre nos deixou perplexos e, por que não dizer?, inconformados. Por tabela, o trabalho diário com marcas populares, vendidas indiscriminadamente para todas as classes de pessoas e aqui mesmo, no Brasil, que abriga pacificamente Morumbis-beaches e Heliópoilis-gandas, deixa-nos decepcionados com o futuro da Internet como meio de comunicação.

Existem muitas explicações para justificar o acesso restrito das classes C, D e E à Internet. Nem preciso enumerá-las porque sempre serviram de muleta para justificar o paradigma de que o computador, a linha telefônica e a Web estão definitivamente confinados no guetto dourado das classes AB.

Mas analisando com mais cuidado a pesquisa IBOPE-POP de maio, parece que os números apontam para uma direção oposta. O mais surpreendente é que ninguém tenha se debruçado sobre a penetração da Internet nas classes C, D e E.

Pois fizemos essa singela observação.
Aí vão os resultados:

Penetração da Internet em casa e/ou no trabalho – crescimento de fevereiro 2000 a maio 2001.

– Classe A: de 63% para 83%
– Classe B: de 29% para 43%
– Classe C: de 9% para 17%
– Classes D/E: de 4% para 8%

Apenas com esses números, constata-se que o crescimento em números relativos foi de respectivamente:

– Classe A: 31%
– Classe B: 48%
– Classe C: 88%
– Classes D/E: 100%

Daí a primeira conclusão: o crescimento da penetração da Internet em casa e/ou no trabalho foi tanto maior quanto mais pobre era a classe social.

Mas tem mais. Em números absolutos essa conclusão fica ainda mais impressionante. Vejamos (em milhões de pessoas):

– Classe A: de 1,9 para 2,4
– Classe B: de 2,6 para 4
– Classe C: de 1,2 para 2,4
– Classes D/E: de 0,5 para 1

O crescimento é portanto de:

– Classe A: 26%
– Classe B: 53%
– Classe C: 100%
– Classes D/E: 100%

Segunda conclusão, portanto, é que como as classes A e B têm um crescimento muito menor do que as classes C, D e E (sinal claro do empobrecimento da população), quando olhamos o crescimento da penetração da Internet com números absolutos nas classes C, D e E, o resultado fica ainda mais significativo.

O que queremos sugerir aqui é nada mais nada menos do que uma hipótese de que as classes C, D e E têm tido cada vez mais e cada vais mais rápido acesso à Internet. É claro que esses números merecem mais análise. Mas a hipótese está levantada.

Eu faria uma pequena ressalva apenas na nossa conclusão. Esse crescimento que apontamos é um pouco inferior quando formos analisar os números de penetração da Internet apenas em casa. Claro. Mas isso não inviabiliza em absoluto a hipótese de que a Internet é um meio em vias de se tornar popular. Isso porque a Web tem algo que nenhuma outra mídia tem: ela é mídia, INCLUSIVE, no local de trabalho, enquanto as demais, as tradicionais atingem mais e melhor o público em casa. A Web, os veículos da Web atingem o público, o consumidor quando ele está em casa E quando ele está trabalhando. Isso é muito relevante porque propõe uma maneira diferente de atingir o consumidor. Não mais aquele cara atrás da TV em casa, à noite com a família, mas o mesmo cara também atrás do seu computador no seu local de trabalho. Daí, piramos para papos de convergência e coisa e tal. Mas não quero entrar nessa seara porque esse não é o tema deste artigo.

Finalmente, gostaríamos de abrir o debate e, temos certeza, esse debate vai ser muito interessante porque vai nos ensinar a ver o consumidor de uma forma totalmente diferente. Vai nos ensinar a fazer veículos on-line totalmente diferentes. Vai nos ensinar a fazer propaganda na Web de uma forma totalmente diferente. Vai nos ensinar finalmente a olhar para essa mídia com os olhos que ela merece, a saber, como uma mídia de verdade.

Nada mais moderno do que ser arcaico.

Vocês já perceberam como o correio virou o maior arquivo físico de besteiras e inutilidades do mundo? Vocês também não recebem um monturo de bobagens? Pois é, quem é que em sã consciência mandaria algo de importante pelo correio? Onde já se viu enviar palavras de amor por carta? Deus me livre! É capaz de ir para o lixo junto com aqueles folhetos inúteis, jornaizinhos estúpidos, convites idiotas, brindes sem graça. Quem quer falar sério, manda e-mail, não é mesmo?

Nada disso.

Moderno e sério mesmo é deitar palavras numa papel, ficar com a língua melada de colar o selo e jogar o envelope naquela fenda sensual e misteriosa.

Não existe nada mais excitante no mundo do que receber uma carta de verdade, escrita com tinta de verdade, trazida por uma mão de verdade de um carteiro de verdade. Nada mais excitante do que abrir o envelope devagarzinho, escorregar a carta para fora, alisar as dobrinhas do papel, esticar a folha e suspirar antes, durante e depois de ler.

Vamos tomar 5 minutos do nosso tempo e pensar um pouco.

Vivemos cercados por métodos, regras, normas, padrões, siglas, modelos, sistemáticas, powerpoints, esquemas, briefings, índices, fórmulas, bulletpoints, formalidades, números, protocolos, recibos, códigos, inputs, outputs e a puts que o pariu.

Para não falar das mensagens criadas, produzidas, veiculadas, designadas, fotografadas, animadas, filmadas, pop-upadas, pesquisadas, destrinchadas, tabuladas, targetadas, focadas, conceituadas, powerpointadas, nielsenadas, ibopadas, marplanadas, datafolhadas e outras manadas.

De vez em quando, tenho a sensação de estar soterrado em um mundo de diálogos pré-formatados, respostas-padrão, personalizações de araque. A sensação de me comunicar com gráficos, porcentagens, tabelas, organogramas, cartões de visitas, logotipos, crachás, ponto-com-ponto-be-erres e não com pessoas.

Não quero propor nada de revolucionário, não. Só sugerir uma reflexão simples.

Qual seria a sua reação se, um belo dia, você recebesse na sua mesa um envelopinho daqueles quadradinhos cheio de bandeirinhas na beirada, marca d´água vagabunda dos correios, papel semitransparente, com selo do Machado de Assis colado tortinho em cima, escrito à mão: “Ilustríssimo Sr. Fulano de Tal”? Qual seria a sua sensação se, no verso do envelope, o remetente fosse aquele seu cliente que na véspera estava te pressionando, debatendo, discutindo, cobrando? O que você pensaria se a carta estivesse mal dobrada, escrita naqueles blocos pautados, com rasuras, erros de acentuação, manchas de tinta, letras comidas? E se nessa carta estivesse escrito

“Prezado João Antonio,

Obrigado por sua maravilhosa idéia. Obrigado pelo entusiasmo. Obrigado pelo esforço. Obrigado pelo carinho.
Valeu, amigo.

De seu cliente reconhecido,

Marcos.

P.S. Desculpe a falta de jeito, mas não tive coragem de te mandar um mail”

Sei não. Mas acho que eu ficaria arrepiado. Talvez eu lhe mandasse um cartão agradecendo. Não, flores. Colhidas com minhas mãos no meu jardim. Não, melhor: aquele bolo de fubá da minha avó, coberto com um paninho de crochê.

Desgraça pouca é bobagem.

Reestruturações parecem aquela brincadeira dos dominós. Com a mesma falta de pudor com que contrataram seus efetivos de mídia on-line, as agências de propaganda andam revisitando seu entusiasmo oportunista do ano passado, quando montaram ou anabolizaram seus departamentos interativos. O resultado atual é a mesma falta de planejamento e de visão de médio prazo, a saber, “demite a molecada, não precisamos mais deles”.

Não quero fazer nenhum julgamento ético, embora o assunto merecesse. Ética é uma questão de valores e de caráter. Valores e caráter, por sua vez, nesse mercado, bem, deixa pra lá.

Mas o que eu gostaria de analisar é mesmo a falta de inteligência dessas atitudes. Tanto no que diz respeito ao comichão contratatório quanto ao facão demissionário.

Pois vejamos.

Fase 1: Comichão contratatório.

No ano passado, um maremoto de dinheiro surgiu do nada. Clientes, idem. Algumas agências ficaram indóceis com essa dinheirama fácil, sedentas e ávidas por resultados imediatos. Montaram estruturas do nada, também. Contrataram do nada. A torto e a direito. Pra lá e pra cá. A qualquer preço. O que interessava era montar, o mais rápido possível, um exército de mercenários para sair matando sem dó nem piedade. Não sei se tiveram sua parte do butim ou não. Pouco me importa.

No entanto, se tentássemos olhar para a estrutura do negócio, a filosofia de trabalho, o discurso e a prática conceituais, não se via nada, a não ser um rosário de modelos chupados, inglesices e palavreado para despistar.

Fase 2: Facão demissionário.

Então, veio a ressaca. Os exércitos começaram a sobrar na armadura. O campo ficou mirrado. Poucas moças para violentar. Os armazéns, vazios.

Daí, o fácil, o óbvio: “Manda esses desinfelizes para casa. Tem muito soldado ocioso aqui, manda eles de volta”. Fácil, porque não dizer?, lógico.

Lógico porque, quando o plano é a conquista a qualquer custo, a retirada estratégica é o sacrifício, o holocausto, a solução final.

Pois era tudo muito previsível. Quando paramos para pensar, ora, fica fácil saber quem é sério e enxerga um palmo além do nariz.

E além do nariz, existe trabalho, existe negócio, existe dinheiro. Além do nariz existe, também, gente de carne e osso, bom senso e ética.