As pessoas dizem que o Nada é escravo do Porquê: se a gente não acha nenhum Porque, então é Nada.
Mas o Nada é muito mais improvável do que o Porquê. Se o Nada fosse, assim, nada, Nada nem existiria. E se Nada existe, então ele é. Sem porquê.
Nada pode ser uma coisa. Uma coisa sem Porquê existe. Mas esse Nada-coisa não interessa a ninguém.
Nada pode ser um sentimento. Um sentimento sem Porquê existe. E esse Nada-sentimento interessa muito.
Para identificar esse Nada aí, é fácil. Basta sentir seu coração batucando de um certo jeito.
Se ele batuca como um metrônomo, não é um Nada, é um algo que tem Porquê.
Se ele batuca como um relógio bêbado, também é algo e seu médico vai te contar o Porquê.
Mas se ele bate sem compasso, fugindo, fugindo e nunca mais voltando, como se ele tivesse começando uma frase que nunca acaba, sem verbo, sem substantivo, só uma interminável seqüência de adjetivos que não se repetem, daí, pode bem ser esse Nada sem Porquê.
E se você ficar pendurado neste infinito rosário, você vai apalpar pedrinha por pedrinha. Vai dar aquela sensação de choro que vai aumentando muito. Parece que vai acabar e só aumenta. Mas você nunca chora. Só se chora quando tem Porquê.
Tem gente que dá outros nomes pra esse Nada. Mas dar outro nome ao Nada, mesmo os mais bonitos, os mais estranhos, os mais novos, os mais arrojados, os maiores, os mais inventados, os mais gostosos, é transformar um Nada em algo.
Pode ser que isso aconteça um dia a todos os nadas: virar algo.
Pode até ser. Mas nada é melhor que um Nada. Salve os Nadas.